19 outubro 2003

(Ex)citações de cada dia - I: O tabaco (também) mata

Em Outubro de 2000, abri nos Fóruns do Publico.pt > Cidadania, um tema de discussão que acabou por ter uma certa animação: Vila Verde de Ficalho, a "aldeia sem tabaco"... O essencial das minhas intervenções (e de outros cibernautas, devidamente seleccionadas) está disponível na minha página: Saúde e Trabalho > (Ex)citações de cada dia (Letras U-Z).

Aí comecei por registar a minha homenagem aos ficalhenses, gente perdida e esquecida na margem esquerda do Guadiana, na raia de Espanha... Homenagem pela adesão ao projecto "Aldeia sem Tabaco" mas também por acreditarem que rir fazia bem... à saúde!

Essa homenagem era extensiva a excelentes profissionais de saúde, como o Dr. Edmundo de Sá, que dirigia (e ainda hoje dirige) a extensão do Centro de Saúde de Serpa, em Vila Verde de Ficalho, e a sua pequena equipa (um enfermeiro e uma administrativa), bem como o Prof. Dr. Mário Bernardo, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.

Na altura eu incluía na homenagem a Junta de Freguesia de V. V. Ficalho e outras pessoas e instituições locais e regionais que se tinham associado a uma iniciativa como aquela, aparentemente tão insólita, na área da promoção da saúde ... Entre outras actividades, eu referia a realização anual do Festival de Anedotas, o qual costumava juntar cerca de três centenas de pessoas que acreditavam que se podia e devia saber viver com saúde e com sentido de humor... em Portugal.

Ainda nos finais do ano de 2000 a "Aldeia Sem Tabaco" tinha tido honras mediáticas no programa diário Sic 10 horas, apresentado então por Júlia Pinheiro. Eram convidados, para além do Dr. Edmundo de Sá, médico de família e coordenador da equipa de saúde local, o actor Nicolau Breyner (natural de Serpa, e na altura um públicio & notório fumador de charutos) e mais 3 habitantes de Vila Verde de Ficalho, ex-fumadores.

Não se podia dizer então que o balanço de quase dois anos de vigência do programa fosse espectacular em termos de números: se bem percebi, (i) uma dúzia de pessoas terá deixado de fumar como resultado directo da implementação deste programa; (ii) não se sabia qual era percentagem de fumadores (podendo, no entanto, ser estimada em 25% a 30% numa população residente que não devia ultrapassar os 2 mil e poucos);(iii) mas o mais importante estava a ser o impacto do porgrama ao nível dos adolescentes em idade escolar. De facto, é nesta idade (por volta dos 15 anos) que o primeiro cigarro é o mais maléfico de todos os cigarros do resto das nossas vidas...

Recusando qualquer fundamentalismo antitabágico (o exemplo da América é, quanto a mim, o do fascismo sanitário), a equipa de saúde local, a junta de freguesia (que curiosamente era então presidida pelo enfermeiro da terra) e os apoiantes do programa "Vila Verde de Ficalho, a aldeia sem tabaco" eram, para mim, um exemplo efectivo e concreto do que é (e deve ser) a promoção da saúde comunitária.

Entendi que era um dever estudar, apoiar, acarinhar, acompanhar e divulgar iniciativas como esta. Um dever de todos aqueles que, como eu, gostariam de um dia poder escrever, nas paredes das fábricas ou dos escritórios onde trabalhamos ou nas paredes das casas onde vivemos o mais belo dos grafitos : "Aqui, como em Vila Verde de Ficalho, é a saúde do povo quem mais ordena". Utopia ? Tentação totalitária ? Fascismo sanitário ? Show off ? Propaganda ideológica ? Liberdade livre ?

Hoje, o Dr. Edmundo de Sá mandou-me um e-mail com os seguintes dizeres: "Amanhã pelas 22h vai haver mais um Prós e Contras na RTP1 sobre o Tabaco; convidaram-me para da plateia contar o caso da Aldeia Sem Tabaco; se tiver oportunidade veja o programa; pode ser que seja interessante".

Prometo, nesse dia, ligar o televisor, por consideração pelos ficalhenses e o seu médico de família. E a propósito do tabaco, eu não diria que ele mata; eu diria que ele também mata...

Contudo, receio que amanhã tabagistas e anti-tabagistas, mais uma vez, não consigam sair do gueto em que, uns e outros, estão confinados... Este tipo de debates, a partir de uma pergunta redutora que exige uma resposta dicotómica (sim ou não), corre sempre o risco de ser uma operação de puro terrorismo intelectual... Oxalá que não!

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