17 outubro 2003

Portugal sacro-profano - VI: A poesia, meu estúpido!

Há tempos fizeram-me, pela enésima vez este ano, mais uma sondagem de opinião, pelo telefone, a perguntar, imaginem!, "se você fosse o Presidente da República, quem é que iria condecorar no 10 de Junho".... Respondi, ingenuamente: "Os poetas! No dez de Junho, deveríamos condecorar os poetas, os nossos poetas, que são o melhor de todos nós"....

É claro que daquela vez não ganhei o brinde, o invariável trem de cozinha ou o fabuloso fim-de-semana para dois num manhoso resort de Torremolinos... Paciência!... Esqueci-me foi de dizer à menina das sondagens que este país maltrata os seus poetas. Lembrei-me depois de um deles, o Ruy Belo, que morreu novo, e pobre, e maltratado, e esquecido. Dele sei este hino ao futuro e à (e)terna portugalidade, o único hino, de resto, que recito de cor quando o que vejo à minha volta me provoca o suficiente (des)contentamento (des)contente...

O Portugal futuro

O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
A sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro

Homem de Palavra[s] (1969)

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