27 novembro 2003

Saúde & Segurança do Trabalho - XII: Dinheiro e deontologia

F. Gaspar: “Cerca de 45 anos a visitar empresas em Portugal (...) permitem-me dizer-lhe que esse conflito de interesses [ empregador / profissionais de SH&ST], é muito real. Tudo tem início no acto da contratação do médico do trabalho ou, agora mais recentemente, com a escolha da empresa que possa prestar serviços nessa área, tal como prevê a lei. Quem não assiste ao quotidiano das empresas não pode imaginar o que se passa. Como os contos são largos e, nalguns casos, muito ‘cabeludos’, talvez haja um dia a oportunidade de trocarmos impressões sobre esta matéria e eu contar-lhe algumas histórias reais. Fica aqui, nas entrelinhas, aquilo que me apetecia dizer dos jogos de força entre a deontologia e o dinheiro... Pelo menos, para que os menos avisados e os debutantes nesta profissão consigam navegar neste rio caudaloso de interesses” (Ergolist. 26.11.2003).


C. Gamelas: “Se o Técnico Superior [ de Segurança e Higiene do Trabalho ] pretende executar a sua actividade de acordo com a sua deontologia profissional, o mais certo é ficar sempre no desemprego (Ergolist. 26.11.2003)

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O país precisa (e as nossas empresas merecem) que os nossos profissionais na área da SH&ST (médicos e enfermeiros do trabalho, especialistas e técnicos de segurança e higiene do trabalho, ergonomistas, psicólogos, sociólogos, assistentes sociais ocupacionais, educadores e promotores de saúde...) sejam os melhores do mundo. Isto é: que sejam cientifica e tecnicamente bem preparados, mas também dotados das competências humanas, relacionais e sociais que são inerentes ao seu campo de competência profissional e que fazem parte do conceito de autonomia técnica.

Não posso, por isso, concordar com a afirmação de que um técnico superior de segurança e higiene do trabalho eticamente responsável (logo, competente) fique automaticamente excluído do mercado de trabalho... Admito que pelo seu grau de exigência e de rigor poderá não querer trabalhar a qualquer preço e em qualquer sítio...

Todas as profissões têm (ou devem ter) um código de ética e deontologia. É esperado, no mínimo, que a sua conduta seja pautada por valores. No caso dos profissionais de SH&ST esses valores são exigentes e até têm moldura jurídica.


O técnico superior de segurança e higiene do trabalho não pode, obviamente, substituir-se ao empregador e aos seus representantes. E muito menos decidir por ele. Deve, em todo o caso, pôr à sua disposição todas as possíveis soluções para um dado problema com implicações na saúde e segurança dos seus trabalhadores. Deve avaliar as consequências de cada uma dessas soluções, incluindo os custos e os benefícios em temos económicos e sociais.

Decidir é escolher uma de entre várias alternativas. O papel dos gestores é tomar decisões e resolver problemas. O técnico superior de segurança e higiene do trabalhador não faz parte do line (hierarquia), faz parte do staff (serviços funcionais). Não é um decisor, a menos que lhe deleguem funções executivas...

Os gestores também devem pautar o seu comportamento por valores éticos. E hoje há uma coisa que se chama "responsabilidade social" das empresas e que começa a ser valorizada pelos accionistas, pelos clientes, pela opinião pública... E pelos próprios gestores e empregadores, porque também pode e deve "dar dividendos".

Estamos todos de acordo quanto à urgência de as associações profissionais dos profissionais de SH&ST tomarem posição clara e inequívoca sobre as questões de ética e deontologia no exercício da sua actividade. Refiro-me em especial ao médico do trabalho, ao enfermeiro do trabalho, ao técnico de segurança e higiene do trabalho e ao técnico superior de segurança e higiene do trabalho.

De qualquer modo, considero que podemos e devemos continuar a discutir, neste e noutros espaços, as questão de ética e deontologia das profissões na área da SH&ST. Infelizmente, estas questões são sempre as menos prioritárias e as mais incómodas.

Espero bem que estas questões estejam a ser extensa e profundamente abordadas, por quem de direito, nos cursos de pós-graduação para técnicos superiores de segurança e higiene do trabalho... Mas devo dizer que tenho sérias dúvidas quanto a isso...

Não basta, de resto, o que diz a lei, é preciso que os novos profissionais sejam capazes, no terreno, de adoptar comportamentos ética e deontologicamente correctos, o que está longe de ser sinónimo de demagogia, irrealismo ou fundamentalismo...