05 dezembro 2004

(Ex)citações de cada dia - XV: A sociopatologia portuguesa

Vasco Pulido Valente (abreviadamente, VPV) está mais inspirado, irreverente e contundente do que nunca, depois de se ter mudado, de caneta e papel, para o Público. Eu, no Diário de Notícias , nunca o lia, mas agora passei a ser fã do seu estilo, da sua verve e do seu humor corrosivo. VPV tem demonstrado quão importante é, para um analista político lido e temido como ele, ter uma sólida cultura histórica e sociológica, cultura essa que é, infelizmente, tão rara na concorrência. Leiam-se estes excertos da sua coluna de hoje, 5 de Dezembro de 2004, na última página do nosso melhor diário:

"Maus Políticos, Dias Lindos", por Vasco Pulido valente (Adaptação de L.G.)

"Desde 1820 que Portugal, como Cavaco, tenta perceber, angustiado, por que razão ou maldição temos tão maus políticos. Com o tempo, foram aparecendo várias teses. Nesta melancólica época de Santana e sarilhos, convém talvez recapitular:

"1ª Tese: A política, por não exigir qualquer espécie de qualificação substancial, e por ser uma forma de vadiagem reconhecida e glorificada, atrai os piores;

"2ª Tese: Os partidos políticos, que se regem pelo princípio da fidelidade e não da qualidade, repelem os melhores;

"3ª Tese: Um povo analfabeto, ignorante e primitivo, se o deixam votar, escolhe fatalmente a canalha;

"4ª Tese: Os políticos são maus, porque a élite é geralmente má" (...);

"5ª Tese: A elite é geralmente má, porque um ensino obsoleto e rígido não promove a independência e a crítica;

"6ª Tese: A pobreza do país cria uma cultura de servilismo, mentira e manha, que os políticos fielmente reflectem;

"7ª Tese: "A Igreja Católica Apostólica Romana educa os portugueses para a obediência e a hipocrisia. Os políticos, mesmo ateus, não se distinguem da manada"...

Em resumo, diz o colunista, "teses não faltam para explicar a existência, e a persistência, de maus políticos", teses para todos ou quase todos os quadrantes político-ideológicos, nacionais ou estrangeirados, acrescento eu. Mas também nunca faltaram soluções, historicamente falando, acrescenta e exemplifica o VPV:

"1ª Solução: Acabar com a política;

"2ª Solução: Substituir os partidos por corporações;

"3ª Solução: Não permitir que o povo, ou a maior parte dele, votasse;

"4ª Solução: Aturar resignadamente a mediocridade do país, morrer ou emigrar;

"5ª Solução: Reformar o ensino (coisa que também decorre da Tese 3);

"6ª Solução: Fazer a revolução (liberal, republicana ou socialista) para tornar a nossa querida Pátria rica, orgulhosa e honesta ou, na absoluta impossibilidade disso, mudar a mentalidade da elite por métodos suasórios" [leia-se: persuasivos];

"7ª Solução: Perseguir a Igreja Católica Apostólica Romana e principalmente exterminar os padres"...

Desgraçadamente ou não, "a aplicação repetida, simultânea e sucessiva destas soluções nunca produziu o efeito esperado: os maus políticos, como se sabe, continuam connosco".

Mesmo assim, conclui bem-humorado e irónico o queirosiano VPV, "até com maus políticos, temos dias lindos"... Ou por outras palavras: será que alguma vez a nossa sociopatologia vai ter cura? A pergunta é minha e não do VPV. E quando tiver resposta é por que definitivamente deixámos de ser portugas (e de ter dias lindos, como foi o de hoje).

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