23 janeiro 2004

Estórias com mural ao fundo - XX: Uma questão cá entre nós (ou o triângulo Lisboa-Luanda-Recife)

Um ilustre professor de medicina, kaluanda, meu amigo de fresca data, corrigiu há dias um e-mail através do qual o Blogador lhe enviava uma destas estórias com mural ao fundo. Pensou ele, o meu amigo, que toda a estória tem uma moral (ou seja, um desfecho ou uma conclusão em geral edificante). E que portanto havia uma gralha (das grossas) no título usado pelo Blogador.



Mas não, meu caro Mário: diz o Blogador que estas estórias são mesmo com mural (parede pintada) ao fundo. E às vezes com a moral, essa sim, em baixo...



Aproveito, em nome do Blogador, para daqui enviar um ciberkandandu (abraço) para @s car@s amig@s da Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto, lá em baixo, na doce e crioula Luanda, hoje de novo terra de esperança e porto de abrigo de desvairadas gentes. E agradecer ao Mário a sua vigilância crítica em relação ao (ab)uso da bela língua que temos o privilégio de partilhar e de todos os dias enriquecer cá e lá.



E já que falamos de português, queria aqui evocar um belíssimo poema de amor à angolanidade que eu descobri num blogue de uma brasuca, Paty Carvalho, nascida no Recife, 29 anos, dentista, a viver e a trabalhar em Angola desde 2001.



O blogue dá pelo nome Notícias D'Angola e merece uma visita pela sua prosa gostosa e pela ternura quente com que a Paty fala da terra e das gentes angolanas. Destaco em especial um post de 30 de Outubro de 2003, sob a forma de pergunta e resposta sobre as actuais condições de vida que poderá esperar um candidato a imigrante de luxo em Angola.



Pergunta um imaginário brasuca: " (...) eu gostaria de saber se vale a pena me aventurar por aí, porque soube que aí dá para ganhar USD 1,000,000.00 por semana, trabalhando de segunda a quinta, das 10 às 14h. Isso é verdade??? Gostaria de saber como é a vida aí, algumas pessoas disseram-me que não se pode andar sozinho nas ruas, é verdade? Por que isso acontece? Como está a questão da segurança? E o custo de vida, soube que é bem alto. Quanto deve uma pessoa ganhar por mês para ter uma vida razoável? Finalizando, gostaria que você me fornecesse maiores informações sobre o país. Vale a pena ir?"



A resposta de Paty alia a maior das ternuras pelo povo angolano e a mais fina ironia em relação aos (pre)conceitos que os estrangeiros (brasileiros e portugueses incluídos) têm sobre a situação actual e as perspectivas futuras da África, em geral, e de Angola, em particular. Limito-me a citar alguns excertos:



"Se você não tiver sensibilidade para entender o que é a falta de água em 80% das residências, não venha. Olhe primeiro para o Brasil.



"Se você não tiver sensibilidade para respeitar o ritmo de trabalho das pessoas que ganham um salário muito baixo, não venha. Olhe primeiro para o Brasil.



"Se você acha que no Brasil não se passa fome, se ainda acredita que só se morre de fome nestes países da África Sub-Sahariana, não venha. Olhe primeiro para o Brasil.



"Se você, mesmo que involuntariamente, costuma associar problemas sócio-econômicos à cor da pele das pessoas, não venha. Olhe primeiro para o Brasil.



"Se você acha que o Brasil é um país melhor do que Angola, não venha. Olhe primeiro para o Brasil (...).



"O que te dará condições de viver bem aqui em Angola será a capacidade (...) de se entrosar, principalmente com o povo angolano, sem medos ou conceitos pré-formados. Isso vai fazer você entender o país e seu povo, e vai te fazer abraçá-los da mesma forma como você se sentirá abraçado(a) por eles, que, por sinal, fazem isso muito melhor do que muitos de nós, brasileiros. Abraçam sim, um kandandu bem angolano, cheio de calor e troca de boas energias, mas só o fazem quando confiam em você e sentem que você veio contribuir com o contexto e com a melhoria do país, e não apenas consigo próprio e com seu bolso (...).



"Finalizando, o Brasil é a cara da mãe dele. E o Brasil tem que ter orgulho disso. A mãe África é forte, batalhadora, sofrida, carrega muito peso nas costas e vê suas riquezas serem levadas de suas mãos o tempo todo, sem receber nada em troca disso. Mas consegue mesmo assim ser a mãe mais bonita do mundo, consegue ter um sorriso iluminado e uma ginga no corpo que nenhuma outra mãe tem. A mãe África vai caminhando de sua casa até o trabalho a pé, por muitos quilômetros e com um sol muito forte batendo em sua cabeça, mesmo com a lata de água protegendo um pouco desse sol lindo que só existe aqui. Minto. Ela não caminha, ela vai dançando, e usa para isso o ritmo dado pela percussão de seu coração. E segue em frente com porte de rainha e sorriso no rosto, até chegar em seu destino. Por tudo isso, a mãe África merece muito todo o respeito e admiração de seu filho Brasil que, infelizmente, nem sempre é um filho exemplar nesse aspecto (...).



"Espero ter ajudado. Desculpe-me novamente se eu tiver sido grosseira, a primeira intenção sempre é a de ser sincera e de querer ajudar a trazer pessoas que possam ter Angola no coração e considerá-la como uma segunda Pátria, como a mãe do Brasil. E não apenas como uma mina de ouro".



Uma miúda inteligente e generosa, essa Paty, além de bonita. É pena que tenha deixado de blogar antes do fim do ano de 2003. Mudanças(s) na vida dela, explicou. Mas continua em Angola onde se sente "em casa". Um chicoração para ela. De Lisboa com amor.

Estórias com mural ao fundo - XX: Uma questão cá entre nós (ou o triângulo Lisboa-Luanda-Recife)

Um ilustre professor de medicina, kaluanda, meu amigo de fresca data, corrigiu há dias um e-mail através do qual o Blogador lhe enviava uma destas estórias com mural ao fundo. Pensou ele, o meu amigo, que toda a estória tem uma moral (ou seja, um desfecho ou uma conclusão em geral edificante). E que portanto havia uma gralha (das grossas) no título usado pelo Blogador.

Mas não, meu caro Mário: diz o Blogador que estas estórias são mesmo com mural (parede pintada) ao fundo. E às vezes com a moral, essa sim, em baixo...

Aproveito, em nome do Blogador, para daqui enviar um ciberkandandu (abraço) para @s car@s amig@s da Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto, lá em baixo, na doce e crioula Luanda, hoje de novo terra de esperança e porto de abrigo de desvairadas gentes. E agradecer ao Mário a sua vigilância crítica em relação ao (ab)uso da bela língua que temos o privilégio de partilhar e de todos os dias enriquecer cá e lá.

E já que falamos de português, queria aqui evocar um belíssimo poema de amor à angolanidade que eu descobri num blogue de uma brasuca, Paty Carvalho, nascida no Recife, 29 anos, dentista, a viver e a trabalhar em Angola desde 2001.

O blogue dá pelo nome Notícias D'Angola e merece uma visita pela sua prosa gostosa e pela ternura quente com que a Paty fala da terra e das gentes angolanas. Destaco em especial um post de 30 de Outubro de 2003, sob a forma de pergunta e resposta sobre as actuais condições de vida que poderá esperar um candidato a imigrante de luxo em Angola.

Pergunta um imaginário brasuca: " (...) eu gostaria de saber se vale a pena me aventurar por aí, porque soube que aí dá para ganhar USD 1,000,000.00 por semana, trabalhando de segunda a quinta, das 10 às 14h. Isso é verdade??? Gostaria de saber como é a vida aí, algumas pessoas disseram-me que não se pode andar sozinho nas ruas, é verdade? Por que isso acontece? Como está a questão da segurança? E o custo de vida, soube que é bem alto. Quanto deve uma pessoa ganhar por mês para ter uma vida razoável? Finalizando, gostaria que você me fornecesse maiores informações sobre o país. Vale a pena ir?"

A resposta de Paty alia a maior das ternuras pelo povo angolano e a mais fina ironia em relação aos (pre)conceitos que os estrangeiros (brasileiros e portugueses incluídos) têm sobre a situação actual e as perspectivas futuras da África, em geral, e de Angola, em particular. Limito-me a citar alguns excertos:

"Se você não tiver sensibilidade para entender o que é a falta de água em 80% das residências, não venha. Olhe primeiro para o Brasil.

"Se você não tiver sensibilidade para respeitar o ritmo de trabalho das pessoas que ganham um salário muito baixo, não venha. Olhe primeiro para o Brasil.

"Se você acha que no Brasil não se passa fome, se ainda acredita que só se morre de fome nestes países da África Sub-Sahariana, não venha. Olhe primeiro para o Brasil.

"Se você, mesmo que involuntariamente, costuma associar problemas sócio-econômicos à cor da pele das pessoas, não venha. Olhe primeiro para o Brasil.

"Se você acha que o Brasil é um país melhor do que Angola, não venha. Olhe primeiro para o Brasil (...).

"O que te dará condições de viver bem aqui em Angola será a capacidade (...) de se entrosar, principalmente com o povo angolano, sem medos ou conceitos pré-formados. Isso vai fazer você entender o país e seu povo, e vai te fazer abraçá-los da mesma forma como você se sentirá abraçado(a) por eles, que, por sinal, fazem isso muito melhor do que muitos de nós, brasileiros. Abraçam sim, um kandandu bem angolano, cheio de calor e troca de boas energias, mas só o fazem quando confiam em você e sentem que você veio contribuir com o contexto e com a melhoria do país, e não apenas consigo próprio e com seu bolso (...).

"Finalizando, o Brasil é a cara da mãe dele. E o Brasil tem que ter orgulho disso. A mãe África é forte, batalhadora, sofrida, carrega muito peso nas costas e vê suas riquezas serem levadas de suas mãos o tempo todo, sem receber nada em troca disso. Mas consegue mesmo assim ser a mãe mais bonita do mundo, consegue ter um sorriso iluminado e uma ginga no corpo que nenhuma outra mãe tem. A mãe África vai caminhando de sua casa até o trabalho a pé, por muitos quilômetros e com um sol muito forte batendo em sua cabeça, mesmo com a lata de água protegendo um pouco desse sol lindo que só existe aqui. Minto. Ela não caminha, ela vai dançando, e usa para isso o ritmo dado pela percussão de seu coração. E segue em frente com porte de rainha e sorriso no rosto, até chegar em seu destino. Por tudo isso, a mãe África merece muito todo o respeito e admiração de seu filho Brasil que, infelizmente, nem sempre é um filho exemplar nesse aspecto (...).

"Espero ter ajudado. Desculpe-me novamente se eu tiver sido grosseira, a primeira intenção sempre é a de ser sincera e de querer ajudar a trazer pessoas que possam ter Angola no coração e considerá-la como uma segunda Pátria, como a mãe do Brasil. E não apenas como uma mina de ouro".

Uma miúda inteligente e generosa, essa Paty, além de bonita. É pena que tenha deixado de blogar antes do fim do ano de 2003. Mudanças(s) na vida dela, explicou. Mas continua em Angola onde se sente "em casa". Um chicoração para ela. De Lisboa com amor.

22 janeiro 2004

Estórias com mural ao fundo - XIX: A lebre da promoção da saúde

Esta cena passa-se em pleno Alentejo, agora transformado em gigantesco parque zoológico e região turística de eleição ao alcance de qualquer voo charter doméstico na Eurolândia. Mês do ano: Maio florido.



Há uma lebre que vai a correr, endiabrada, afugentando porcos pretos, cegonhas, cobras e lagartos, quando passa por uma avestruz que está a enrolar um charro à sombra de uma azinheira. Vira-se para a infeliz e diz:



- Avestruz, minha boa amiga, não vês que o charro dá cabo dos teus pulmões ?! Um dia destes ainda vais morrer de cancro. Vem antes correr comigo para ficares em boa forma física e promoveres a tua saúde.



A avestruz não hesitou um segundo e seguiu atrás da lebre, sempre a abrir até ao próximo montado de sobro.



Junto a uma ribeira que corria, já exangue para o Guadiana, estava um triste, pobre e solitário elefante a snifar umas linhas de coca. A lebre, investida da nobre missão de promover a saúde da bicharada alentejana, não se intimidou com o porte do paquiderme e exortou-o:

- Amigo elefante, pára de snifar coca e vem correr connosco! Pela tua e pela nossa saúde!



Deitando fora o espelho, a palhinha e o pó, o elefante juntou-se ao grupo dos lídimos representantes do Movimento Saúde 2004:O Alentejo Não Pára.



Continua o grupo em grande correrria, agora a caminho de Barrancos, quando metem travões a fundo e param frente ao Rei da Selva que, pasmem vocês!, estava a injectar-se em plena charneca, atrás de umas giestas floridas. A lebre teve um gesto de compaixão para com o pobre leão toxicodependente e disse-lhe:



- Leão, meu rei e meu camarada, não te injectes mais, e ainda por cima com agulhas infectadas. Olha que apanhas a Sida e esticas o pernil sem ver a Barragem do Alqueva atingir a cota máxima e irrigar os nossos campos de golfe... Vem antes correr comigo, com a avestruz e com o elefante. Vais ver que ganhas outra disposição e outra maneira de ver o mundo.



O leão, que acabava de passar uma semana de ressaca, não esteve com meias medidas e, zás!, deu uma sapatada à pobre lebre, arrancando-lhe a cabeça de um só golpe. Os outros animais, chocados, revoltam-se contra a brutalidade do leão:

- Meu filho da puta, por que é fizeste isso à pobre lebre ? Ela só te queria ajudar!



O leão continuou a meter para a veia, enquanto lhes respondia com maus modos:

- Essa chavala era maluca! Obrigava-me sempre a fazer o percurso Odemira-Barrancos todas as vezes que tomava Ecstasy!



Moral da história: Nem sempre as motivações dos promotores de saúde são as mais altruístas, óbvias e transparentes. Conselho ao Prof. Fernando Pádua e aos demais ilustres promotores da saúde em Portugal: por favor, não usem lebres nas corridas do Maio, Mês do Coração!



PS - Obrigado à minha amiga AIG por me ter mandado uma das fábulas de La Fontaine onde me fui inspirar para mais esta estória com mural ao fundo.

Estórias com mural ao fundo - XIX: A lebre da promoção da saúde

Esta cena passa-se em pleno Alentejo, agora transformado em gigantesco parque zoológico e região turística de eleição ao alcance de qualquer voo charter doméstico na Eurolândia. Mês do ano: Maio florido.

Há uma lebre que vai a correr, endiabrada, afugentando porcos pretos, cegonhas, cobras e lagartos, quando passa por uma avestruz que está a enrolar um charro à sombra de uma azinheira. Vira-se para a infeliz e diz:

- Avestruz, minha boa amiga, não vês que o charro dá cabo dos teus pulmões ?! Um dia destes ainda vais morrer de cancro. Vem antes correr comigo para ficares em boa forma física e promoveres a tua saúde.

A avestruz não hesitou um segundo e seguiu atrás da lebre, sempre a abrir até ao próximo montado de sobro.

Junto a uma ribeira que corria, já exangue para o Guadiana, estava um triste, pobre e solitário elefante a snifar umas linhas de coca. A lebre, investida da nobre missão de promover a saúde da bicharada alentejana, não se intimidou com o porte do paquiderme e exortou-o:
- Amigo elefante, pára de snifar coca e vem correr connosco! Pela tua e pela nossa saúde!

Deitando fora o espelho, a palhinha e o pó, o elefante juntou-se ao grupo dos lídimos representantes do Movimento Saúde 2004:O Alentejo Não Pára.

Continua o grupo em grande correrria, agora a caminho de Barrancos, quando metem travões a fundo e param frente ao Rei da Selva que, pasmem vocês!, estava a injectar-se em plena charneca, atrás de umas giestas floridas. A lebre teve um gesto de compaixão para com o pobre leão toxicodependente e disse-lhe:

- Leão, meu rei e meu camarada, não te injectes mais, e ainda por cima com agulhas infectadas. Olha que apanhas a Sida e esticas o pernil sem ver a Barragem do Alqueva atingir a cota máxima e irrigar os nossos campos de golfe... Vem antes correr comigo, com a avestruz e com o elefante. Vais ver que ganhas outra disposição e outra maneira de ver o mundo.

O leão, que acabava de passar uma semana de ressaca, não esteve com meias medidas e, zás!, deu uma sapatada à pobre lebre, arrancando-lhe a cabeça de um só golpe. Os outros animais, chocados, revoltam-se contra a brutalidade do leão:
- Meu filho da puta, por que é fizeste isso à pobre lebre ? Ela só te queria ajudar!

O leão continuou a meter para a veia, enquanto lhes respondia com maus modos:
- Essa chavala era maluca! Obrigava-me sempre a fazer o percurso Odemira-Barrancos todas as vezes que tomava Ecstasy!

Moral da história: Nem sempre as motivações dos promotores de saúde são as mais altruístas, óbvias e transparentes. Conselho ao Prof. Fernando Pádua e aos demais ilustres promotores da saúde em Portugal: por favor, não usem lebres nas corridas do Maio, Mês do Coração!

PS - Obrigado à minha amiga AIG por me ter mandado uma das fábulas de La Fontaine onde me fui inspirar para mais esta estória com mural ao fundo.

Blogantologia(s) - VII: Deus cresceu sozinho, não teve ninguém para brincar

MINARETS



Santa Maria choose your children

Santa Maria virgin child

all our wars over you we are fighting

and all our time faith justifying

Brother caged Babylon will fall

Sister chained and bound, beaten and bleeding

The tv's on, to me this explains it

Wearing a tie like daddy speaks it

Screaming from the minarets

Later on we'll all be dancing

Screaming from the minarets

Yes indeed i'm making faces

Rain on the ground in a space

God has grown

Alone till a man looking glass in his hand

He is holding up to you

What you see

What you see

What you see

What you see is human

Screaming from the minarets



Dave Matthews Band



LIVE AT LUTHER COLLEGE

1999





Blogantologia(s) - VII: Deus cresceu sozinho, não teve ninguém para brincar

MINARETS

Santa Maria choose your children
Santa Maria virgin child
all our wars over you we are fighting
and all our time faith justifying
Brother caged Babylon will fall
Sister chained and bound, beaten and bleeding
The tv's on, to me this explains it
Wearing a tie like daddy speaks it
Screaming from the minarets
Later on we'll all be dancing
Screaming from the minarets
Yes indeed i'm making faces
Rain on the ground in a space
God has grown
Alone till a man looking glass in his hand
He is holding up to you
What you see
What you see
What you see
What you see is human
Screaming from the minarets

Dave Matthews Band

LIVE AT LUTHER COLLEGE
1999


21 janeiro 2004

Socio(b)logia - V: Empresas com muitos tiques e poucos toques

Esta noite sonhei que as nossas empresas e demais organizações eram hi tech & human touch. Traduzido à letra: empresas tecnologicamente evoluídas mas de rosto humano. Ou trocado por miúdos: que eram capazes de conciliar três coisas que em princípio são (ou deveriam ser) compatíveis: (i) hardware, (ii) sofwtare e (iii) humanware.



As organizações são, antes de mais, (i) nas pessoas que lá trabalham, que connosco trabalham, (ii) além da memória dos que já partiram ou nos deixaram. Há um fenómeno de amnésia nas nossas organizações que me preocupa. O termo é soft. Mas eu não queria ir tão longe: chamar-lhe branqueamento da história, backout cultural, denegação sistemática do passado... Os actores organizacionais não tem memória, suportes de memória, lembranças, emoções. Onde estão os nossos pais fundadores, o que foi feito das pessoas-chaves que marcaram a história da nossa empresa, e por aí fora ?



Há dias um amigo meu fez um agradecimento especial aos seus colegas de trabalho, uma vez findo um projecto importante onde esteve envolvido com outros colaboradores. Segundo o e-mail que me mandou, o agradecimento rezava mais ou menos assim: "A palavra amizade nunca deve ser evocada em vão, mas eu sinto que posso falar para amigos, já que vocês são, para mim, mais do que simples colegas de trabalho. Espero que não considerem isto como um aproveitamento demagógico das circunstâncias, um abuso de autoridade ou até um excesso de familiariedade. Em resumo, eu gostaria de falar para vocês, como amigos que trabalham comigo, independentemente de eu ser líder do projecto, e independentemente dos cargos, funções ou tarefas de cada um de vós. Amigos de quem tenho recebido, ao longo destes anos todos, palavras e provas de carinho e de apoio, mas também críticas e conselhos que foram (e continuam a ser) importantes para o meu desenvolvimento pessoal e profissional, para o sucesso do nosso projecto e para o êxito da nossa empresa".



Percebo agora quão traumatizante pode ser, para a maioria dos trabalhadores assalariados (incluindo os gestores e os quadros superiores das empresas), a perda do seu emprego: para além de fonte de rendimento e de status, o trabalho é algo que faz parte do projecto de vida das pessoas, da sua história de vida, da sua rede de relações sociais, da sua identidade...



Só agora me dou conta de quanto as pessoas investem, em termos afectivos, no seu local de trabalho. Os portugas investem muito no seu local de trabalho, provavelmente muito mais do que recebem em troca. Não me refiro apenas ao seu valor acrescentado bruto, à riqueza (material) que criam... Daí que a perda do trabalho possa também representar, para muitos, a perda de afectos e até levar à depressão.



Há quinze ou vinte anos atrás, dizia um médico conhecido que os hospitais portugueses tinham muitos tiques e poucos taques (queria ele referir-se à TAC - Tumografia Axial Computorizada). Uma amiga minha evocava, há tempos, em conversa, o lema da sua antiga equipa de projecto noutra empresa: Não há tique sem toque, o que eu acho um feliz aportuguesamento do inglês Hi Tech, Human Touch.



Hoje quando milhões de portugas começarem a picar o ponto, logo pela manhã, nas empresas e demais organizações onde trabalham, é muito possível que a maioria deles pense, para com os seus botões, como é uma pena estar num sítio onde há muitos tiques e poucos toques... Os portugas que trabalham merecem muito melhor!

Socio(b)logia - V: Empresas com muitos tiques e poucos toques

Esta noite sonhei que as nossas empresas e demais organizações eram hi tech & human touch. Traduzido à letra: empresas tecnologicamente evoluídas mas de rosto humano. Ou trocado por miúdos: que eram capazes de conciliar três coisas que em princípio são (ou deveriam ser) compatíveis: (i) hardware, (ii) sofwtare e (iii) humanware.

As organizações são, antes de mais, (i) nas pessoas que lá trabalham, que connosco trabalham, (ii) além da memória dos que já partiram ou nos deixaram. Há um fenómeno de amnésia nas nossas organizações que me preocupa. O termo é soft. Mas eu não queria ir tão longe: chamar-lhe branqueamento da história, backout cultural, denegação sistemática do passado... Os actores organizacionais não tem memória, suportes de memória, lembranças, emoções. Onde estão os nossos pais fundadores, o que foi feito das pessoas-chaves que marcaram a história da nossa empresa, e por aí fora ?

Há dias um amigo meu fez um agradecimento especial aos seus colegas de trabalho, uma vez findo um projecto importante onde esteve envolvido com outros colaboradores. Segundo o e-mail que me mandou, o agradecimento rezava mais ou menos assim: "A palavra amizade nunca deve ser evocada em vão, mas eu sinto que posso falar para amigos, já que vocês são, para mim, mais do que simples colegas de trabalho. Espero que não considerem isto como um aproveitamento demagógico das circunstâncias, um abuso de autoridade ou até um excesso de familiariedade. Em resumo, eu gostaria de falar para vocês, como amigos que trabalham comigo, independentemente de eu ser líder do projecto, e independentemente dos cargos, funções ou tarefas de cada um de vós. Amigos de quem tenho recebido, ao longo destes anos todos, palavras e provas de carinho e de apoio, mas também críticas e conselhos que foram (e continuam a ser) importantes para o meu desenvolvimento pessoal e profissional, para o sucesso do nosso projecto e para o êxito da nossa empresa".

Percebo agora quão traumatizante pode ser, para a maioria dos trabalhadores assalariados (incluindo os gestores e os quadros superiores das empresas), a perda do seu emprego: para além de fonte de rendimento e de status, o trabalho é algo que faz parte do projecto de vida das pessoas, da sua história de vida, da sua rede de relações sociais, da sua identidade...

Só agora me dou conta de quanto as pessoas investem, em termos afectivos, no seu local de trabalho. Os portugas investem muito no seu local de trabalho, provavelmente muito mais do que recebem em troca. Não me refiro apenas ao seu valor acrescentado bruto, à riqueza (material) que criam... Daí que a perda do trabalho possa também representar, para muitos, a perda de afectos e até levar à depressão.

Há quinze ou vinte anos atrás, dizia um médico conhecido que os hospitais portugueses tinham muitos tiques e poucos taques (queria ele referir-se à TAC - Tumografia Axial Computorizada). Uma amiga minha evocava, há tempos, em conversa, o lema da sua antiga equipa de projecto noutra empresa: Não há tique sem toque, o que eu acho um feliz aportuguesamento do inglês Hi Tech, Human Touch.

Hoje quando milhões de portugas começarem a picar o ponto, logo pela manhã, nas empresas e demais organizações onde trabalham, é muito possível que a maioria deles pense, para com os seus botões, como é uma pena estar num sítio onde há muitos tiques e poucos toques... Os portugas que trabalham merecem muito melhor!

19 janeiro 2004

Humor com humor se paga - XIX: A política vista pelas criancinhas

Uma criancinha, de seis anos, pergunta ao pai o que é isso da política. O pai responde-lhe nestes termos:



- A política é uma palavra antiga que vem do grego e que quer dizer o governo da cidade... Como é que eu hei-de explicar-te melhor ? Vejamos o exemplo da nossa casa: Eu ando a ganhar a vida lá fora e trago dinheiro para sustentar a nossa família e garantir o futuro de todos nós, por isso represento o Capitalismo; a tua mãe gasta o dinheiro, faz as compras e cuida de todos nós, é o Governo cá da casa; o avozinho defende os interesses dos menos protegidos como tu, por isso é o Sindicato; a nossa criada que faz a lida doméstica, é a Classe Operária; tu representas o Povo e a gente só quer o tu bem; o teu irmaozinho, que ainda é muito pequenino e tem de ser muito acarinhado, representa o Futuro... Estás a agora a perceber ?



O miúdo fico confuso com tantos conceitos mas não fez mais perguntas e lá se foi deitar. Durante a noite acordou, com o choro do irmão que dormia no mesmo quarto. Foi ver, tinha a fralda toda suja de chichi e cocó. Como não sabia o que fazer, foi ter ao quarto dos pais. A mãe estava a dormir um sono profundo: depois de tomar a sua dose de Prozac, não havia ninguém que a conseguisse acordar, nem sequer o terramoto de 1755. Foi ao quarto da criada e encontrou-a na cama com o pai. Estavam tão ocupados e divertidos que não ouviram os protestos do puto. Quanto ao avô, que pesava mais de 90 Kg, esse ressonava como um porco e não era possível sequer abaná-lo.



Visto não ter outro remédio, a criancinha voltou para a sua cama, pôs a chucha no irmão e adormeceu.



De manhã, o pai, muito bem disposto, quis saber se ele já era capaz de explicar na próxima aula, por palavras simples, o que era isso da política. O miúdo respondeu que sim, que quando a professora lhe perguntasse, ele iria responder da seguinte maneira:



- O Capitalismo aproveita-se da Classe Operária; o Sindicato não vê nada nem protesta; o Governo dorme; ninguém liga ao Povo; e o Futuro é só merda e cheira mal...



PS - Obrigado à Paula por mais este "regalo" humorístico...

Humor com humor se paga - XIX: A política vista pelas criancinhas

Uma criancinha, de seis anos, pergunta ao pai o que é isso da política. O pai responde-lhe nestes termos:

- A política é uma palavra antiga que vem do grego e que quer dizer o governo da cidade... Como é que eu hei-de explicar-te melhor ? Vejamos o exemplo da nossa casa: Eu ando a ganhar a vida lá fora e trago dinheiro para sustentar a nossa família e garantir o futuro de todos nós, por isso represento o Capitalismo; a tua mãe gasta o dinheiro, faz as compras e cuida de todos nós, é o Governo cá da casa; o avozinho defende os interesses dos menos protegidos como tu, por isso é o Sindicato; a nossa criada que faz a lida doméstica, é a Classe Operária; tu representas o Povo e a gente só quer o tu bem; o teu irmaozinho, que ainda é muito pequenino e tem de ser muito acarinhado, representa o Futuro... Estás a agora a perceber ?

O miúdo fico confuso com tantos conceitos mas não fez mais perguntas e lá se foi deitar. Durante a noite acordou, com o choro do irmão que dormia no mesmo quarto. Foi ver, tinha a fralda toda suja de chichi e cocó. Como não sabia o que fazer, foi ter ao quarto dos pais. A mãe estava a dormir um sono profundo: depois de tomar a sua dose de Prozac, não havia ninguém que a conseguisse acordar, nem sequer o terramoto de 1755. Foi ao quarto da criada e encontrou-a na cama com o pai. Estavam tão ocupados e divertidos que não ouviram os protestos do puto. Quanto ao avô, que pesava mais de 90 Kg, esse ressonava como um porco e não era possível sequer abaná-lo.

Visto não ter outro remédio, a criancinha voltou para a sua cama, pôs a chucha no irmão e adormeceu.

De manhã, o pai, muito bem disposto, quis saber se ele já era capaz de explicar na próxima aula, por palavras simples, o que era isso da política. O miúdo respondeu que sim, que quando a professora lhe perguntasse, ele iria responder da seguinte maneira:

- O Capitalismo aproveita-se da Classe Operária; o Sindicato não vê nada nem protesta; o Governo dorme; ninguém liga ao Povo; e o Futuro é só merda e cheira mal...

PS - Obrigado à Paula por mais este "regalo" humorístico...

Estórias com mural ao fundo - XVIII: Estratégia(s)

Obrigado ao meu amigo Edmundo de Sá que me fez chegar esta história. Não é nova mas é ilustrativa do poder da palavra e da necessidade de (re)pensarmos as nossas estratégias de comunicação. Na saúde, na educação, na cultura, no desporto, nos negócios, na política e nas demais blogarias que nos consomem. Todos os dias. A todos nós, portugas.



Dei-lhe, como habitualmente, o meu toque pessoal. Como de costume, o resto dos direitos de autor pertence ao fundo comum da humanidade... Um abraço para o Edmundo e demais amigos de Vila Verde de Ficalho, a "aldeia sem tabaco". O Blogador.

________



Na Rua Augusta, em Lisboa, havia um cego a pedir esmola. A seus pés, no chão do passeio, um boné com meia dúzia de cêntimos e um pedaço de cartão onde se lia:

- Por favor, ajude-me, sou cego.



Um jovem que por aí passava, notou o fraco resultado do peditório, pegou num cartão maior que estava no lixo, puxou da sua caneta de feltro e escreveu uma outra mensagem. Substituiu o cartaz que estava aos pés do cego e foi-se embora sem ter proferido uma única palavra. À tarde quando voltou a passar ao pé do cego reparou que o seu boné estava cheio de moedas e até notas de euros.



O cego reconheceu-o pelo andar e perguntou-lhe que palavras milagrosas é que ele tinha escrito no novo cartaz.

- Nada de especial, meu amigo... Sabe, trabalho aqui ao lado como criativo numa agência publicitária. Vi o seu pedido e fiz um anúncio como se fosse para a televisão.



O jovem sorriu e continuou o seu caminho. O cego nunca chegou a saber ao certo o teor do novo cartaz, mas este dizia assim:

- Hoje é Primavera, e eu não posso vê-la.



Moral da história: Cego não é só quem não vê, mas também quem não tem uma estratégia de marketing e comunicação...

Estórias com mural ao fundo - XVIII: Estratégia(s)

Obrigado ao meu amigo Edmundo de Sá que me fez chegar esta história. Não é nova mas é ilustrativa do poder da palavra e da necessidade de (re)pensarmos as nossas estratégias de comunicação. Na saúde, na educação, na cultura, no desporto, nos negócios, na política e nas demais blogarias que nos consomem. Todos os dias. A todos nós, portugas.

Dei-lhe, como habitualmente, o meu toque pessoal. Como de costume, o resto dos direitos de autor pertence ao fundo comum da humanidade... Um abraço para o Edmundo e demais amigos de Vila Verde de Ficalho, a "aldeia sem tabaco". O Blogador.
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Na Rua Augusta, em Lisboa, havia um cego a pedir esmola. A seus pés, no chão do passeio, um boné com meia dúzia de cêntimos e um pedaço de cartão onde se lia:
- Por favor, ajude-me, sou cego.

Um jovem que por aí passava, notou o fraco resultado do peditório, pegou num cartão maior que estava no lixo, puxou da sua caneta de feltro e escreveu uma outra mensagem. Substituiu o cartaz que estava aos pés do cego e foi-se embora sem ter proferido uma única palavra. À tarde quando voltou a passar ao pé do cego reparou que o seu boné estava cheio de moedas e até notas de euros.

O cego reconheceu-o pelo andar e perguntou-lhe que palavras milagrosas é que ele tinha escrito no novo cartaz.
- Nada de especial, meu amigo... Sabe, trabalho aqui ao lado como criativo numa agência publicitária. Vi o seu pedido e fiz um anúncio como se fosse para a televisão.

O jovem sorriu e continuou o seu caminho. O cego nunca chegou a saber ao certo o teor do novo cartaz, mas este dizia assim:
- Hoje é Primavera, e eu não posso vê-la.

Moral da história: Cego não é só quem não vê, mas também quem não tem uma estratégia de marketing e comunicação...