12 fevereiro 2004

O tripaliu(m) que mata a gente II - Compromisso (com) Portugal

"Descobri essa outra rotina da fábrica: estar constantemente exposto à agressão dos objectos, a todos estes contactos desagradáveis, irritantes, perigosos, com os materiais mais diversos: chapas cortantes, pó de ferro, borrachas, superfícies gordurentas, farpas, produtos químicos que atacam a pele e nos queimam os brônquios. Habituamo-nos muitas vezes, nunca nos imunizamos (...).



"O estanho, que atacará sem dúvida os pulmões de Mouloud, não é reconhecido como perigoso. Os pintores à pistola da oficina de pintura e as doenças provocadas pelo benzol também o não são. As bronquites crónicas, as constipações repetidas, as tosses más, as crises de asma, as respirações roufenhas: Fumas muito, diagnostica, imperturbável, o médico da Citroën. E as peles que estalam, que ulceram. E os homem coçam-se e arranham-se. Aqui, na cadeia de montagem e nos postos que dela dependem, nenhum corpo está a salvo. O meu princípio de alergia à borracha? Ora, uma gota de água".



Extractos de: Robert Linhart (1978) - O infiltrado. Lisboa: Iniciativas Editoriais.29-30. (tr. do fr., L'établi. Patris: Minuit, 1978).



A propósito da melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores portugueses e da modernização das suas empresas (de todo os sectores: primário,secundário e terciário): estranhamente não ouvi uma única palavra sobre o assunto, por parte dos proponentes da "Iniciativa Compromisso Portugal", que se reuniram no Convento do Beato, em Lisboa, em 10 de Fevereiro de 2004.



O novo modelo económico e de desenvolvimento para o nosso país, proposto pela nata fina dos nossos gestores, assalariados, estrangeirados, formados nos melhores MBA das melhores escolas de dentro e de fora, com menos de 45 anos, não passa (também) por aí ? Vamos deixar que o mercado se encarregue de eliminar, a seu tempo, as más empresas, incluindo as que praticam o dumping social ? E que papel deverá caber ao Estado ?



Tenho pena que se tenham omitido, intencionalmente ou não, algumas das buzzwords que se ouvem nas nossas escolas de gestão e se lêem nos manuais e revistas do management (do latim, manus, e do italiano medievo managgiare, conduzir um cavalo com às rédeas na mão) : por exemplo, responsabilidade social, cultura de empresa, capital humano, qualidade, empowerment dos colaboradores, liderança, cidadania, participação e consulta, social audit, eco-eficiência, wellness, employability, protecção e promoção da saúde dos trabalhadores, etc.



Esta louvável iniciativa por parte dos homens e mulheres que têm uma papel-chave na produção e distribuição de riqueza, para ser verdadeiramente um "compromisso (com) Portugal", não pode ser fracturante: ela acabará por falhar se se quiser impor pela via tecnocrática e autoritária soluções do tipo one best way. Portugal não é uma ideia abstracta, pelo que o compormisso com Portugal só pode ser entendido como um compromisso com, através de e para os portugas, todos os portugas.



Acredito que chegou o tempo de passarmos dos estudos e diagnósticos para o campo da decisão e da acção. Mas oxalá que Deus não ilumine demais os já muito iluminados. Que Deus (ou os deuses) nos deixe(m) algum espaço para a contingência humana, para a experimentação, para o ensaio e para o erro... Que uns e outros, os deuses e os iluminados, nos deixem algum tempo e espaço para a inteligênica, a imaginação, a cultura, o humor, a humanidade, a solidariedade... Last but not the least, que deixem uma nesga da porta aberta à saudável loucura dos poetas deste país...



Fernando Pessoa, escriturário, tradutor, alcoólico, ou Álvaro de Campos, engenheiro naval, dificilmente passariam hoje num teste psicotécnico de candidatura de emprego ou num exame de aptidão física e mental da medicina do trabalho. Fernando Pessoa e Álvaro de Campos, poetas e loucos, chumbariam se a sua poesia fosse medida em Kpi– Key performance indicators . Fernando Pessoa e Álvaro de Campos, portugas, marginais-secantes, saberiam entender hoje o que está em jogo no "compromisso (com) Portugal" ? Ficariam de fora ? E se assim fosse eu teria pena e o meu país ficaria mais pobre... Quero dizer, a minha língua, que nenhum economista me soube dizer até hoje quanto vale em termos de PIB, VAB ou outras medidas econométricas. Aliás, nunca lhes perguntei, aos economistas e aos gestores das coisas públcias e privadas. Sempre tive medo que me respondessem: "Uma gota de água!".



Ouvi dizer, por outro lado, que de acordo com o novo Plano Nacional de Saúde, apresentado ontem pelo Governo, os portugas trabalhadores e tabagistas vão ter os dias contados. Já imagino o título do cartaz ou do anúncio televisivo: Ou trabalhas ou fumas, a escolha é tua! Se fumas, só na rua... . Outra mensagem que seguramente imporia respeito e confiança seria qualquer coisa como A saúde pública vai tratar-te da saúde!



Não é altura para se discutir aqui os efeitos perversos do proibicionismo. Só espero é que esta medida (proibição de fumar nos locais de trabalho) não venha a ser avulsa, cega e contra-intuitiva. No mínimo, espero ver o seu efeito multiplicador, com um aumento significativo de empresas com programas integrados e coerentes de prevenção e tratamento dos problemas do tabagismo relacionados com o trabalho: por exemplo, consultas de desabituação tabágica, apoio aos trabalhadores que querem deixar de fumar, grupos de auto-ajuda, formação e treino em gestão do stresse, controlo e prevenção de outros de risco psicossocial, controlo e prevenção de outros factores de risco ambientais (ruíudo, substâncias perigosas...).

O tripaliu(m) que mata a gente II - Compromisso (com) Portugal

"Descobri essa outra rotina da fábrica: estar constantemente exposto à agressão dos objectos, a todos estes contactos desagradáveis, irritantes, perigosos, com os materiais mais diversos: chapas cortantes, pó de ferro, borrachas, superfícies gordurentas, farpas, produtos químicos que atacam a pele e nos queimam os brônquios. Habituamo-nos muitas vezes, nunca nos imunizamos (...).

"O estanho, que atacará sem dúvida os pulmões de Mouloud, não é reconhecido como perigoso. Os pintores à pistola da oficina de pintura e as doenças provocadas pelo benzol também o não são. As bronquites crónicas, as constipações repetidas, as tosses más, as crises de asma, as respirações roufenhas: Fumas muito, diagnostica, imperturbável, o médico da Citroën. E as peles que estalam, que ulceram. E os homem coçam-se e arranham-se. Aqui, na cadeia de montagem e nos postos que dela dependem, nenhum corpo está a salvo. O meu princípio de alergia à borracha? Ora, uma gota de água".

Extractos de: Robert Linhart (1978) - O infiltrado. Lisboa: Iniciativas Editoriais.29-30. (tr. do fr., L'établi. Patris: Minuit, 1978).

A propósito da melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores portugueses e da modernização das suas empresas (de todo os sectores: primário,secundário e terciário): estranhamente não ouvi uma única palavra sobre o assunto, por parte dos proponentes da "Iniciativa Compromisso Portugal", que se reuniram no Convento do Beato, em Lisboa, em 10 de Fevereiro de 2004.

O novo modelo económico e de desenvolvimento para o nosso país, proposto pela nata fina dos nossos gestores, assalariados, estrangeirados, formados nos melhores MBA das melhores escolas de dentro e de fora, com menos de 45 anos, não passa (também) por aí ? Vamos deixar que o mercado se encarregue de eliminar, a seu tempo, as más empresas, incluindo as que praticam o dumping social ? E que papel deverá caber ao Estado ?

Tenho pena que se tenham omitido, intencionalmente ou não, algumas das buzzwords que se ouvem nas nossas escolas de gestão e se lêem nos manuais e revistas do management (do latim, manus, e do italiano medievo managgiare, conduzir um cavalo com às rédeas na mão) : por exemplo, responsabilidade social, cultura de empresa, capital humano, qualidade, empowerment dos colaboradores, liderança, cidadania, participação e consulta, social audit, eco-eficiência, wellness, employability, protecção e promoção da saúde dos trabalhadores, etc.

Esta louvável iniciativa por parte dos homens e mulheres que têm uma papel-chave na produção e distribuição de riqueza, para ser verdadeiramente um "compromisso (com) Portugal", não pode ser fracturante: ela acabará por falhar se se quiser impor pela via tecnocrática e autoritária soluções do tipo one best way. Portugal não é uma ideia abstracta, pelo que o compormisso com Portugal só pode ser entendido como um compromisso com, através de e para os portugas, todos os portugas.

Acredito que chegou o tempo de passarmos dos estudos e diagnósticos para o campo da decisão e da acção. Mas oxalá que Deus não ilumine demais os já muito iluminados. Que Deus (ou os deuses) nos deixe(m) algum espaço para a contingência humana, para a experimentação, para o ensaio e para o erro... Que uns e outros, os deuses e os iluminados, nos deixem algum tempo e espaço para a inteligênica, a imaginação, a cultura, o humor, a humanidade, a solidariedade... Last but not the least, que deixem uma nesga da porta aberta à saudável loucura dos poetas deste país...

Fernando Pessoa, escriturário, tradutor, alcoólico, ou Álvaro de Campos, engenheiro naval, dificilmente passariam hoje num teste psicotécnico de candidatura de emprego ou num exame de aptidão física e mental da medicina do trabalho. Fernando Pessoa e Álvaro de Campos, poetas e loucos, chumbariam se a sua poesia fosse medida em Kpi– Key performance indicators . Fernando Pessoa e Álvaro de Campos, portugas, marginais-secantes, saberiam entender hoje o que está em jogo no "compromisso (com) Portugal" ? Ficariam de fora ? E se assim fosse eu teria pena e o meu país ficaria mais pobre... Quero dizer, a minha língua, que nenhum economista me soube dizer até hoje quanto vale em termos de PIB, VAB ou outras medidas econométricas. Aliás, nunca lhes perguntei, aos economistas e aos gestores das coisas públcias e privadas. Sempre tive medo que me respondessem: "Uma gota de água!".

Ouvi dizer, por outro lado, que de acordo com o novo Plano Nacional de Saúde, apresentado ontem pelo Governo, os portugas trabalhadores e tabagistas vão ter os dias contados. Já imagino o título do cartaz ou do anúncio televisivo: Ou trabalhas ou fumas, a escolha é tua! Se fumas, só na rua... . Outra mensagem que seguramente imporia respeito e confiança seria qualquer coisa como A saúde pública vai tratar-te da saúde!

Não é altura para se discutir aqui os efeitos perversos do proibicionismo. Só espero é que esta medida (proibição de fumar nos locais de trabalho) não venha a ser avulsa, cega e contra-intuitiva. No mínimo, espero ver o seu efeito multiplicador, com um aumento significativo de empresas com programas integrados e coerentes de prevenção e tratamento dos problemas do tabagismo relacionados com o trabalho: por exemplo, consultas de desabituação tabágica, apoio aos trabalhadores que querem deixar de fumar, grupos de auto-ajuda, formação e treino em gestão do stresse, controlo e prevenção de outros de risco psicossocial, controlo e prevenção de outros factores de risco ambientais (ruíudo, substâncias perigosas...).

10 fevereiro 2004

Socio(b)logia - VII: A nossa língua quase comum: a propósito do pimba e do brega

Se o Portugal S. A. quer dizer Portugal Sociedade Anal, então o que dizer destes cabras ? Se nós, com 800 anos de evolução, ainda hoje estamos na fase anal, então eles, com menos de 200, ainda deveriam estar na fase oral...



O Brasil tem fama de infantilizar os cabras que para lá vão... Mas o Zé Portuga adora este jeitinho de falar do moleque... Tenho trocado correspondência com uma amiga minha que foi passar uma temporada ao Brasil com o filho (portuga) e os netos (brazucas)... O último e-mail que recebi dela começava assim: "Olá, galera, tudo bem ? Por aqui tudo xou!"...



Bem razão tem o Jô Soares quando fala da nossa língua quase comum... Tem-se dito e escrito muito sobre a criatividade do brasileiro que todos os dias reinventaria o português... O exemplo que hoje vos deixo deveria figurar em próxima antologia luso-brasileira do pimba e do brega...



Obrigado ao nosso ciberfornecedor de hoje, o Hugo Rolim... É pena não poderem ligar o som e ouvir, deliciados, este I Love you tonight .Trata-se de uma canção com direitos de autor (Falcão/Rodrigo Santoro/Marcos Romera). ...



Na realidade, Falcão é o Quim Barreiros brasileiro, é um cantor e compositor do Ceará que surgiu no iníco da década de 90, com (re)leituras satíricas da música brega, utilizando o inglês macarrónico e dando espectáculos marcados pela teatralidade e a provocação. Houve quem lhe chamasse o "rei da breguice existencial e intelectualizada" que verteu para o inglês canções como Fuscão Preto e Eu Não Sou Cachorro Não.



Um dos seus discos mais populares foi A um Passo da MPB (1997), título irónico ou até mesmo provocador. É desse álbum a letra e a música do I love you que aqui reproduzo (para efeitos meramente didácticos, não-comerciais, entenda-se).



O género brega continua a ser muito popular no Brasil e a vender discos (muitos). Tal como cá o género pimba, seu primo. No Brasil, em Portugal e em toda a parte. Seria interessante especular porquê, nesta era da grande globalização. Cultura de massas versus cultura das elites ? Subcultura popular versus subcultura erudita ? Culutura local versus cultura global ? A propósito, alguém chamou à MPB (Música Popular Brasileira) a casa grande e ao brega a sanzala... Mas Falcão, o rei do brega (e parece que há muitos mais no país de Caetano), defende que mais vale ser brega ou cafona (pimba) do que parecer chique, não o sendo nem o podendo ser... O povão é brega porque não pode ser chique (vd. entrevista recente do cara).



I love você

e sei que você

também love mim.



I love you...

E quero receber

o que você prometeu

only para eu.



Only for you...



Se não for assim,

é melhor para mim

ficar sem ver tu.

I need you...

Pois esse seu jeitin

me deixa doidin,

doidin for you



Refrão:



I love you...

I love you tonighti

tonight ... tonight

I love you tonighti

tonight ... tonight

I love you tonighti

tonight ... tonight



I love you tumatchi

I love seu corpinho

I love seu umbiguinho

I love seu pézinho

I love seus cabelinho

I love seu pescocinho

and I love seu buchinho.



chuchuchurá...



I love seu rostinho

I love seu sovaquinho

I love seu olhinhos

I love sua bochechinha

I love sua bundinha

and I love you todinha



Refrão (...).



Socio(b)logia - VII: A nossa língua quase comum: a propósito do pimba e do brega

Se o Portugal S. A. quer dizer Portugal Sociedade Anal, então o que dizer destes cabras ? Se nós, com 800 anos de evolução, ainda hoje estamos na fase anal, então eles, com menos de 200, ainda deveriam estar na fase oral...

O Brasil tem fama de infantilizar os cabras que para lá vão... Mas o Zé Portuga adora este jeitinho de falar do moleque... Tenho trocado correspondência com uma amiga minha que foi passar uma temporada ao Brasil com o filho (portuga) e os netos (brazucas)... O último e-mail que recebi dela começava assim: "Olá, galera, tudo bem ? Por aqui tudo xou!"...

Bem razão tem o Jô Soares quando fala da nossa língua quase comum... Tem-se dito e escrito muito sobre a criatividade do brasileiro que todos os dias reinventaria o português... O exemplo que hoje vos deixo deveria figurar em próxima antologia luso-brasileira do pimba e do brega...

Obrigado ao nosso ciberfornecedor de hoje, o Hugo Rolim... É pena não poderem ligar o som e ouvir, deliciados, este I Love you tonight .Trata-se de uma canção com direitos de autor (Falcão/Rodrigo Santoro/Marcos Romera). ...

Na realidade, Falcão é o Quim Barreiros brasileiro, é um cantor e compositor do Ceará que surgiu no iníco da década de 90, com (re)leituras satíricas da música brega, utilizando o inglês macarrónico e dando espectáculos marcados pela teatralidade e a provocação. Houve quem lhe chamasse o "rei da breguice existencial e intelectualizada" que verteu para o inglês canções como Fuscão Preto e Eu Não Sou Cachorro Não.

Um dos seus discos mais populares foi A um Passo da MPB (1997), título irónico ou até mesmo provocador. É desse álbum a letra e a música do I love you que aqui reproduzo (para efeitos meramente didácticos, não-comerciais, entenda-se).

O género brega continua a ser muito popular no Brasil e a vender discos (muitos). Tal como cá o género pimba, seu primo. No Brasil, em Portugal e em toda a parte. Seria interessante especular porquê, nesta era da grande globalização. Cultura de massas versus cultura das elites ? Subcultura popular versus subcultura erudita ? Culutura local versus cultura global ? A propósito, alguém chamou à MPB (Música Popular Brasileira) a casa grande e ao brega a sanzala... Mas Falcão, o rei do brega (e parece que há muitos mais no país de Caetano), defende que mais vale ser brega ou cafona (pimba) do que parecer chique, não o sendo nem o podendo ser... O povão é brega porque não pode ser chique (vd. entrevista recente do cara).

I love você
e sei que você
também love mim.

I love you...
E quero receber
o que você prometeu
only para eu.

Only for you...

Se não for assim,
é melhor para mim
ficar sem ver tu.
I need you...
Pois esse seu jeitin
me deixa doidin,
doidin for you

Refrão:

I love you...
I love you tonighti
tonight ... tonight
I love you tonighti
tonight ... tonight
I love you tonighti
tonight ... tonight

I love you tumatchi
I love seu corpinho
I love seu umbiguinho
I love seu pézinho
I love seus cabelinho
I love seu pescocinho
and I love seu buchinho.

chuchuchurá...

I love seu rostinho
I love seu sovaquinho
I love seu olhinhos
I love sua bochechinha
I love sua bundinha
and I love you todinha

Refrão (...).

Socio(b)logia - VI: Portugal S(ociedade) A(nal)

Não sei se o Zé Portuga tem um apurado sentido de humor (crítico), ou se é apenas o eterno espectador (passivo) da queda dos anjos, dos mitos, dos heróis, dos poderosos, dos reis e das rainhas...



Quando há sangue, ou cheiro a sangue, ele é sempre o primeiro a parecer na primeira fila dos espectadores que se juntam em redor do cadafalso ou da fogueira... Acontece em todo o lado e em todas as épocas. Hoje como no tempo da Santa Inquisição, há sempre figurantes em número suficiente para enquadrar e dignificar o espectáculo.



Será que este é um traço de crueldade da personalidade do Zé Povinho, ou apenas a sabedoria (milenar) de que (i) o poder é volátil, que (ii) a glória do mundo passa, que (iii) a revolução engole os seus filhos, que (iv) a fúria justiceira é como um vulcão adormecido, que (v) a vida é um suplício de Sísifo, que (vi) quando o mar bate na rocha quem se lixa é o mexilhão, etc. ?!



Enfim, deixemo-nos de sociologia espontânea, e debrucemo-nos sobre a fotomontagem que circula pela Net e em que aparecem os principais implicados no caso Casa Pia, em lugar dos personagens do Senhor dos Anéis. Trata-se de uma paródia e de um trocadilho: Senhor dos Anais, Sociedade Anal...



Não o reproduzo aqui o boneco por razões éticas, de bom senso e de bom gosto: as pessoas em causa, conhecidas figuras públicas, embora acusadas de vários crimes, estão inocentes até prova em contrário, ou seja, até à sentença transitada em julgado (tenho aprendido umas coisas com esta sobre-exposição mediática da Senhora Justiça, Cega-Surda-E-Muda)... Mas é caso para o Blogador perguntar se o Portugal S. A. em que hoje vivemos não quer dizer justamente Portugal Sociedade Anal ?



É capaz de ser uma boa pergunta, não tanto para os os historiadores, os etnopsiquiatras, os antropólogos ou os sociólogos, como sobretudo para os economistas, empresários, gestores e académicos que hoje se reunem no convento do Beato para mais um exercício (colectivo) de purga e sangria...



Acontece que no capítulo do encarniçamento terapêutico, tem uma fraca reputação: "Em Lisboa nem sangria má nem purga boa"!, já lá diz o provérbio antigo.

Socio(b)logia - VI: Portugal S(ociedade) A(nal)

Não sei se o Zé Portuga tem um apurado sentido de humor (crítico), ou se é apenas o eterno espectador (passivo) da queda dos anjos, dos mitos, dos heróis, dos poderosos, dos reis e das rainhas...

Quando há sangue, ou cheiro a sangue, ele é sempre o primeiro a parecer na primeira fila dos espectadores que se juntam em redor do cadafalso ou da fogueira... Acontece em todo o lado e em todas as épocas. Hoje como no tempo da Santa Inquisição, há sempre figurantes em número suficiente para enquadrar e dignificar o espectáculo.

Será que este é um traço de crueldade da personalidade do Zé Povinho, ou apenas a sabedoria (milenar) de que (i) o poder é volátil, que (ii) a glória do mundo passa, que (iii) a revolução engole os seus filhos, que (iv) a fúria justiceira é como um vulcão adormecido, que (v) a vida é um suplício de Sísifo, que (vi) quando o mar bate na rocha quem se lixa é o mexilhão, etc. ?!

Enfim, deixemo-nos de sociologia espontânea, e debrucemo-nos sobre a fotomontagem que circula pela Net e em que aparecem os principais implicados no caso Casa Pia, em lugar dos personagens do Senhor dos Anéis. Trata-se de uma paródia e de um trocadilho: Senhor dos Anais, Sociedade Anal...

Não o reproduzo aqui o boneco por razões éticas, de bom senso e de bom gosto: as pessoas em causa, conhecidas figuras públicas, embora acusadas de vários crimes, estão inocentes até prova em contrário, ou seja, até à sentença transitada em julgado (tenho aprendido umas coisas com esta sobre-exposição mediática da Senhora Justiça, Cega-Surda-E-Muda)... Mas é caso para o Blogador perguntar se o Portugal S. A. em que hoje vivemos não quer dizer justamente Portugal Sociedade Anal ?

É capaz de ser uma boa pergunta, não tanto para os os historiadores, os etnopsiquiatras, os antropólogos ou os sociólogos, como sobretudo para os economistas, empresários, gestores e académicos que hoje se reunem no convento do Beato para mais um exercício (colectivo) de purga e sangria...

Acontece que no capítulo do encarniçamento terapêutico, tem uma fraca reputação: "Em Lisboa nem sangria má nem purga boa"!, já lá diz o provérbio antigo.

09 fevereiro 2004

Humor com humor se paga - XXII: Deus (ou o Bin Laden) também sabe escrever direito por linhas tortas ?!

O humor (negro) à volta do dia que mudou o mundo, não pára de crescer. É uma forma de, tal como os índios da Amazónia fazem com os demónios da floresta, exorcizarmos os nossos medos, fantasmas e angústias (A propósito, não percam a exposição temporária sobre as máscaras e outros artefactos culturais dos Wauja, um povo do Parque Indígena do Xingu, Brasil, no Museu Nacional de Etnologia, em Lisboa, inaugurada em finais de Janeiro de 2004).



Talvez um dia alguém se debruce sobre esses materiais menos nobres da cultura e da comunicação entre os humanos, que são as anedotas, com a mesma curiosidade e espírito científico com que o etnólogo alemão Karl von den Stein , em 1884 e 1887, descobriu e estudou os Wauja e outros povos do Alto Xingu.

_______



Na manhã do fatídico dia 11 de Setembro de 2001, há um executivo que se despede, como habitualmente, da sua querida esposa e vai para o escritório da sua sociedade financeira, sito no 85º andar de uma das torres gémeas do World Trade Center.



No meio do congestionado trânsito novo-iorquino, ele resolve mudar de ideias e segue para casa da amante. Uma vez na cama, com a sua nova girlfriend, desligou o telemóvel para não ser incomodado...



Por volta das onze e picos, voltou a vestir-se, ligou o telemóvel e dirigiu-se ao carro. Mal se sentou ao volante, recebeu uma chamada. Era a esposa, a legítima, em pânico...

- Finalmente, My God!!! Tu estás bem, darling ? !... Diz-me onde é que estás!

- Estou óptiimo, querida. Estou aqui no escritório, a tomar um cafezinho e com a Big Apple a meus pés, mais deslumbrante do que nunca ... Mas porquê ? Aconteceu alguma coisa ?



Moral da história (privada): Mais tarde, ainda não refeito do susto ao saber das trágicas notícias, o nosso executivo, reconstituiu o filme da manhã desse dia, e concluiu que Deus (ou o Bin Laden) também sabe escrever direito por linhas tortas...



Dizem que o nosso homem teve uma crise mística, acabou por se converter ao Islão e, com o dinheiro que recebeu do seguro pela destruição do seu escritório, fundou uma comunidade religiosa algures na América profunda e evangelista.



PS – Obrigado ao António P.L. que me enviou uma primeira versão da anedota.

Humor com humor se paga - XXII: Deus (ou o Bin Laden) também sabe escrever direito por linhas tortas ?!

O humor (negro) à volta do dia que mudou o mundo, não pára de crescer. É uma forma de, tal como os índios da Amazónia fazem com os demónios da floresta, exorcizarmos os nossos medos, fantasmas e angústias (A propósito, não percam a exposição temporária sobre as máscaras e outros artefactos culturais dos Wauja, um povo do Parque Indígena do Xingu, Brasil, no Museu Nacional de Etnologia, em Lisboa, inaugurada em finais de Janeiro de 2004).

Talvez um dia alguém se debruce sobre esses materiais menos nobres da cultura e da comunicação entre os humanos, que são as anedotas, com a mesma curiosidade e espírito científico com que o etnólogo alemão Karl von den Stein , em 1884 e 1887, descobriu e estudou os Wauja e outros povos do Alto Xingu.
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Na manhã do fatídico dia 11 de Setembro de 2001, há um executivo que se despede, como habitualmente, da sua querida esposa e vai para o escritório da sua sociedade financeira, sito no 85º andar de uma das torres gémeas do World Trade Center.

No meio do congestionado trânsito novo-iorquino, ele resolve mudar de ideias e segue para casa da amante. Uma vez na cama, com a sua nova girlfriend, desligou o telemóvel para não ser incomodado...

Por volta das onze e picos, voltou a vestir-se, ligou o telemóvel e dirigiu-se ao carro. Mal se sentou ao volante, recebeu uma chamada. Era a esposa, a legítima, em pânico...
- Finalmente, My God!!! Tu estás bem, darling ? !... Diz-me onde é que estás!
- Estou óptiimo, querida. Estou aqui no escritório, a tomar um cafezinho e com a Big Apple a meus pés, mais deslumbrante do que nunca ... Mas porquê ? Aconteceu alguma coisa ?

Moral da história (privada): Mais tarde, ainda não refeito do susto ao saber das trágicas notícias, o nosso executivo, reconstituiu o filme da manhã desse dia, e concluiu que Deus (ou o Bin Laden) também sabe escrever direito por linhas tortas...

Dizem que o nosso homem teve uma crise mística, acabou por se converter ao Islão e, com o dinheiro que recebeu do seguro pela destruição do seu escritório, fundou uma comunidade religiosa algures na América profunda e evangelista.

PS – Obrigado ao António P.L. que me enviou uma primeira versão da anedota.