08 abril 2004

Estórias com mural ao fundo - XXV: No dia da minha morte

O que é que tu gostarias que te dissessem no dia da tua morte, no elogio fúnebre da tua pessoa, feito pelos teus familiares e amigos ? Esta questão foi levantada numa turma de jovens estudantes do ensino secundário de Lisboa. As respostas foram as mais diversas e as não menos surpreendentes:



- Foi um grande médico...

- Um óptimo pai de família...

- Mais famoso do que o Figo...

- Um tipo muito rico, que ajudou os pobrezinhos...

- Um gajo porreiro...

- Um cristão temente a Deus...

- A miss Universo de 2004...

- Um homem simples e bom que não ficou a dever nada a ninguém...

- Um tipo popular, amigo de toda a gente...

- Um primeiro-ministro muito melhor que o Guterres ou que o Durão...

- A cientista portuguesa mais citada do mundo...

- Chegou à terra, viu e venceu...

- A mulher mais linda que nasceu na nossa terra...

- Prémio Nobel da Literatura de 2050...

- Um ganda cromo...



No fim, ouviu-se uma voz, lá ao fundo da sala:

- Ó stôr, o que eu curtia mesmo era ouvir no caixão: 'Olha, olha, o gajo está-se a mexer!'...



Moral da história: Os homens (e as mulheres) são vaidosos, até na morte. Mas se puderem evitá-la, há pernas para que te quero!... Veja-se o Cristo que ressuscitou ao terceiro dia... Sinal de que a vida na terra está longe de ser o vale de lágrimas de que a gente se queixa, pelo menos alguns de nós, aqueles que somos mais infelizes ou que aparentamos sê-lo...

Estórias com mural ao fundo - XXV: No dia da minha morte

O que é que tu gostarias que te dissessem no dia da tua morte, no elogio fúnebre da tua pessoa, feito pelos teus familiares e amigos ? Esta questão foi levantada numa turma de jovens estudantes do ensino secundário de Lisboa. As respostas foram as mais diversas e as não menos surpreendentes:

- Foi um grande médico...
- Um óptimo pai de família...
- Mais famoso do que o Figo...
- Um tipo muito rico, que ajudou os pobrezinhos...
- Um gajo porreiro...
- Um cristão temente a Deus...
- A miss Universo de 2004...
- Um homem simples e bom que não ficou a dever nada a ninguém...
- Um tipo popular, amigo de toda a gente...
- Um primeiro-ministro muito melhor que o Guterres ou que o Durão...
- A cientista portuguesa mais citada do mundo...
- Chegou à terra, viu e venceu...
- A mulher mais linda que nasceu na nossa terra...
- Prémio Nobel da Literatura de 2050...
- Um ganda cromo...

No fim, ouviu-se uma voz, lá ao fundo da sala:
- Ó stôr, o que eu curtia mesmo era ouvir no caixão: 'Olha, olha, o gajo está-se a mexer!'...

Moral da história: Os homens (e as mulheres) são vaidosos, até na morte. Mas se puderem evitá-la, há pernas para que te quero!... Veja-se o Cristo que ressuscitou ao terceiro dia... Sinal de que a vida na terra está longe de ser o vale de lágrimas de que a gente se queixa, pelo menos alguns de nós, aqueles que somos mais infelizes ou que aparentamos sê-lo...

05 abril 2004

Portugal sacro-profano - XVIII: Não batam mais no ceguinho!

É, pá, não batas mais no ceguinho e em quem o conduz para o abismo! Às vezes até parece que fazes do Zé Povinho um desses trágicos figurantes do Ensaio sobre a Cegueira. E depois da cegueira, vem agora a lucidez , o Ensaio sobre a Lucidez...



As trevas e a luz, o bem e o mal, o céu e o inferno, a democracia e o dilúvio: por que é que tu havias agora de dicotomizar o mundo e a vida, ó Zé Saramago ? Sabes, a realidade é infinitamente mais complexa do que a tua ficção, dizem os geneticistas, os astrofísicos, os biólogos, os macrossociólogos, os micropsicólogos, os historiadores, os filósofos de imaginação por quotas limitada...



Como seria de esperar, o lucidíssimo e incontornável Pacheco não gostou. Do novo ensaio. O Saraiva, o editorialista-mor, o arquitecto da opinião pública, desancou: Saramago é decididamente um dos seus ódios de estimação. A direita intelectual, bem formada, não gostou nem gosta nem nunca gostará. Mesmo sem ler... A esquerda, sobretudo a mal formada, se calhar foi mais uma vez oportunista e disse que gostou, por conveniência ou não. Mesmo sem preparação literária para ler o nobilíssimo romance.



E quanto ao Blogador ? Eu ainda não li. Honestamente não li. Não sou caçador de autógrafos, não vou às vernissages literária, não estou propriamente a par das últimas novidades. Como também não li outros romances do nosso Nobel que comprei, por grosso, em saldo, numa dessas feiras do livro, de ocasião. Não me interpretem mal: comecei por comprar o nosso Nobel por razões patrióticas, se é isso que querem saber. Ou por razões de pesrtígio social. Parecia mal não ter lá em casa o único Nobel da Literatura, portuga e lusófono... Depois li três ou quatro livros, o Convento, o Ano da Morte de Ricardo Reis, o Ensaio da Cegueira, o Levantado do Chão... Mais a peça de teatro Em Nome de Deus....



Também compro sempre, religiosamente, o nosso próximo Nobel, o Lobo Antunes. Eu estou como um compadre meu, que vai fazendo a sua biblioteca para quando se reformar e tiver tempo para ler os seus autores favoritos. O homem é um assessor jurídico de uma direcção-geral qualquer, e não tempo senão para ler o Diário da República. Na casa de praia, ele tem os livrinhos todos alinhados na estante, por ordem alfabética, do autor do Cu de Judas (o único título do Lobo Antunes que ele consegue citar de memória, sem recurso a cábulas, e que ele terá lido, segundo os meus cálculos). E na casa de campo guarda os do Saramago. Um felizardo, este meu compadre, com duas segundas casas, uma no campo e outra na praia. Como ele costuma dizer, galhofeiro e infoanalfabeto (imnaginem que nem sequer tem um e-mail!), "já dei o meu contributo para aumentar o índice de consumo cultural dos portugas. Tenho o Saramago e o Lobo Antunes na estante, não me peçam mais".



Em boa verdade, o meu compadre é como eu: gostamos da escrita como deve ser, com ponto e vírgula, acento circunflexo, regras gramaticais, figuras de estilo e lágrima ao canto do olho. A única coisa que nos separa é a circunstância de o meu compadre ser anafado, ricaço, assessor, jurista e não ter e-mail. Quanto ao resto, somos da mesma criação e fomos daqueles que ainda aprenderam, nos bancos da escola, pelos intragáveis Lusíadas e pelas doces Pupilas do Senhor Reitor. Mas nem por isso eu, pelo menos, deixo de ser a favor da liberdade, a começar pela de pensamento, de criação e de escrita. Como republicano que prezo ser, sou laico e liberal. Sou a favor da liberdade. O Saramago não o é, diz o Pacheco, ex cathedra. É o lado de que menos gosto do Pacheco, quando ele diz que só gosta dele, por exclusões de partes. Muitos intelectuais, independentemente de serem de direita ou de esquerda, não gostam do Saramago, porque o homem é um self made man , não é doutor... Tiques de classe, toques de corporativismo.



Mas o que é que o pobre escritor, ficcionista, pseudo-ensaísta, pode fazer, ainda por cima sem ajuda do Grande Inquisidor-Mor que foi o Lara, o tal sujeito que em 1992 era um obscuro Subsecretário de Estado de qualquer coisa e que pôs o Saramago no Index?!



Em contrapartida, mais de 220 leitores da Amazon.com gostaram do Ensaio sobre a Cegueira (Blindness, em inglês). Deram-lhe quatro pontos numa escala de 1 a 5. Não me venham dizer que são todos camaradas do Zé Saramago, proletário.



Goste-se ou não do Saramago (que a gente cá na terra ainda tem liberdade de gostar ou não gostar de alguém!), há uma coisa que é certa e que lhe dá muitos pontos de avanço em relação a muitos dos seus críticos: se calhar Saramago, o escritor, já fez mais pela língua e cultura portuguesas do que todos os ministros da cultura destes últimos trinta anos do pós-25 de Abril. Em vez de repetir o miserável enxovalho de 1992, os portugas podiam ser mais simpáticos para com ele, mesmo aqueles que não gostam dele e sobretudo aqueles que não gostam dele mas que nunca o leram.



Eu sei que ele é menos consensual do que o Figo. Eu sei que a arte, a literatura, a cultura, são tudo coisas muito menos consensuais do que a bola. Não fazem parte do cabaz de compras, não são bens essenciais. "A poesia não enche barriga", diz o meu merceeiro de bairro, na zona pobre da Lapa, o mesmo que lê o Correio da Manhã e a Bola, vota no PP e que "não pode com o materialismo dialéctico do excomungado do Saramago". Eu gosto do meu merceeiro de bairro, faz-me lembrar o António Silva e os saudosos anos quarenta do século passado que só conheço dos filmes do Leitão de Barros.



Está visto que os portugas, certos portugas, não admitem que um escritor seja travestido (ou se desdobre) de cidadão, militante político, candidato a deputado europeu, mesmo em lugar não elegível ... E ter ideias. E sobretudo exprimi-las em público, roubando o tempo de antena dos políticos e dos seus analistas.



Um escritor deve ser só escritor. Cada macaco no seu galho. A história encarrega-se-á depois do juízo final sobre os seus (des)méritos. Dizem que o homem é irrequieto, que devia ficar quietinho a escrever os seus livros lá na ilha de Lanzarote, negra como o carvão. Ele já sabe que aqui não é querido por alguns, acham que (i) ele é o Guerra Junqueira do nosso tempo ou, mais sinistro ainda, que (ii) ele pode vir a ser o coveiro da nossa democracia com essa maluqueira do voto em branco... Não há dúvida que se isto fosse no tempo da Santa Inquisição ele iria de certo parar à fogueira como o camarada dele, o Judeu.



Em boa verdade, Saramago é homem de paixões, de fracturas, não é homem de consensos como o Figo (Também queria ver se o Figo voltasse a Portugal e assinasse um contrato pelos Dragões!).



Em suma, uns e outros adoram comprar guerras, dizem os treinadores de bancada. Saramago, os seus apoiantes e os seus críticos. Os tempos que por aí vão são propícios às guerras de religião. Às guerras in nomine Dei, em nome de Deus. As mais cruéis e estúpidas de todas as guerras, diga-se de passagem. E de que Deus nos livre, acrescento eu!



Enfim, mais inteligente foi o nosso primeiro que na semana transacta deixou o recado lá na redacção do Expresso: "Digam ao Saramago que pode regressar do seu auto-exílio nas Canárias; por mim, está perdoado!"... Diga-se que, depois do Aznar, está na moda deixar recados na redacção dos jornais. Segredos de Estado com direito a título de caixa alta: directamente do produtor ao consumidor final.



Um tipo que não é parvo de todo, este nosso primeiro... Ainda o hei-de vcer a tomar chá com o perigoso comuna. É que o Saramago é como o Bin Laden: (i) vale bem mais vivo do que morto, e (ii) vale muito mais ao pé de nós do que em Espanha, rodeado de más companhias... Há um provérbio chinês que diz: Se não podes matar o teu inimigo, elogia-lhe o talento (literário, artístico ou outro) mas mantem-no debaixo de olho". Há um outro, pós-maoísta, que diz: "Com o tempo, vai-se a ganga (ideológica) e fica a forma (artística)"... Acho que era isso que o nosso primeiro queria transmitir ao povo (i)letrado.



É caso para se dizer: que maçada aqueles suecos terem dado o Nobel a um portuga (des)alinhado como este Saramago!... Mas, se me permitem que fale em nome do Zé Povinho, eu acrescentaria, à laia de comentário final, o seguinte: (i) perdemos há muito o sentido da magnanimidade, (ii) somos uns cabrões uns para com os outros; mas (iii) eu lá estarei, se for vivo, quando enterrarem os ossos do nosso homem no Panteão Nacional!...

Portugal sacro-profano - XVIII: Não batam mais no ceguinho!

É, pá, não batas mais no ceguinho e em quem o conduz para o abismo! Às vezes até parece que fazes do Zé Povinho um desses trágicos figurantes do Ensaio sobre a Cegueira. E depois da cegueira, vem agora a lucidez , o Ensaio sobre a Lucidez...

As trevas e a luz, o bem e o mal, o céu e o inferno, a democracia e o dilúvio: por que é que tu havias agora de dicotomizar o mundo e a vida, ó Zé Saramago ? Sabes, a realidade é infinitamente mais complexa do que a tua ficção, dizem os geneticistas, os astrofísicos, os biólogos, os macrossociólogos, os micropsicólogos, os historiadores, os filósofos de imaginação por quotas limitada...

Como seria de esperar, o lucidíssimo e incontornável Pacheco não gostou. Do novo ensaio. O Saraiva, o editorialista-mor, o arquitecto da opinião pública, desancou: Saramago é decididamente um dos seus ódios de estimação. A direita intelectual, bem formada, não gostou nem gosta nem nunca gostará. Mesmo sem ler... A esquerda, sobretudo a mal formada, se calhar foi mais uma vez oportunista e disse que gostou, por conveniência ou não. Mesmo sem preparação literária para ler o nobilíssimo romance.

E quanto ao Blogador ? Eu ainda não li. Honestamente não li. Não sou caçador de autógrafos, não vou às vernissages literária, não estou propriamente a par das últimas novidades. Como também não li outros romances do nosso Nobel que comprei, por grosso, em saldo, numa dessas feiras do livro, de ocasião. Não me interpretem mal: comecei por comprar o nosso Nobel por razões patrióticas, se é isso que querem saber. Ou por razões de pesrtígio social. Parecia mal não ter lá em casa o único Nobel da Literatura, portuga e lusófono... Depois li três ou quatro livros, o Convento, o Ano da Morte de Ricardo Reis, o Ensaio da Cegueira, o Levantado do Chão... Mais a peça de teatro Em Nome de Deus....

Também compro sempre, religiosamente, o nosso próximo Nobel, o Lobo Antunes. Eu estou como um compadre meu, que vai fazendo a sua biblioteca para quando se reformar e tiver tempo para ler os seus autores favoritos. O homem é um assessor jurídico de uma direcção-geral qualquer, e não tempo senão para ler o Diário da República. Na casa de praia, ele tem os livrinhos todos alinhados na estante, por ordem alfabética, do autor do Cu de Judas (o único título do Lobo Antunes que ele consegue citar de memória, sem recurso a cábulas, e que ele terá lido, segundo os meus cálculos). E na casa de campo guarda os do Saramago. Um felizardo, este meu compadre, com duas segundas casas, uma no campo e outra na praia. Como ele costuma dizer, galhofeiro e infoanalfabeto (imnaginem que nem sequer tem um e-mail!), "já dei o meu contributo para aumentar o índice de consumo cultural dos portugas. Tenho o Saramago e o Lobo Antunes na estante, não me peçam mais".

Em boa verdade, o meu compadre é como eu: gostamos da escrita como deve ser, com ponto e vírgula, acento circunflexo, regras gramaticais, figuras de estilo e lágrima ao canto do olho. A única coisa que nos separa é a circunstância de o meu compadre ser anafado, ricaço, assessor, jurista e não ter e-mail. Quanto ao resto, somos da mesma criação e fomos daqueles que ainda aprenderam, nos bancos da escola, pelos intragáveis Lusíadas e pelas doces Pupilas do Senhor Reitor. Mas nem por isso eu, pelo menos, deixo de ser a favor da liberdade, a começar pela de pensamento, de criação e de escrita. Como republicano que prezo ser, sou laico e liberal. Sou a favor da liberdade. O Saramago não o é, diz o Pacheco, ex cathedra. É o lado de que menos gosto do Pacheco, quando ele diz que só gosta dele, por exclusões de partes. Muitos intelectuais, independentemente de serem de direita ou de esquerda, não gostam do Saramago, porque o homem é um self made man , não é doutor... Tiques de classe, toques de corporativismo.

Mas o que é que o pobre escritor, ficcionista, pseudo-ensaísta, pode fazer, ainda por cima sem ajuda do Grande Inquisidor-Mor que foi o Lara, o tal sujeito que em 1992 era um obscuro Subsecretário de Estado de qualquer coisa e que pôs o Saramago no Index?!

Em contrapartida, mais de 220 leitores da Amazon.com gostaram do Ensaio sobre a Cegueira (Blindness, em inglês). Deram-lhe quatro pontos numa escala de 1 a 5. Não me venham dizer que são todos camaradas do Zé Saramago, proletário.

Goste-se ou não do Saramago (que a gente cá na terra ainda tem liberdade de gostar ou não gostar de alguém!), há uma coisa que é certa e que lhe dá muitos pontos de avanço em relação a muitos dos seus críticos: se calhar Saramago, o escritor, já fez mais pela língua e cultura portuguesas do que todos os ministros da cultura destes últimos trinta anos do pós-25 de Abril. Em vez de repetir o miserável enxovalho de 1992, os portugas podiam ser mais simpáticos para com ele, mesmo aqueles que não gostam dele e sobretudo aqueles que não gostam dele mas que nunca o leram.

Eu sei que ele é menos consensual do que o Figo. Eu sei que a arte, a literatura, a cultura, são tudo coisas muito menos consensuais do que a bola. Não fazem parte do cabaz de compras, não são bens essenciais. "A poesia não enche barriga", diz o meu merceeiro de bairro, na zona pobre da Lapa, o mesmo que lê o Correio da Manhã e a Bola, vota no PP e que "não pode com o materialismo dialéctico do excomungado do Saramago". Eu gosto do meu merceeiro de bairro, faz-me lembrar o António Silva e os saudosos anos quarenta do século passado que só conheço dos filmes do Leitão de Barros.

Está visto que os portugas, certos portugas, não admitem que um escritor seja travestido (ou se desdobre) de cidadão, militante político, candidato a deputado europeu, mesmo em lugar não elegível ... E ter ideias. E sobretudo exprimi-las em público, roubando o tempo de antena dos políticos e dos seus analistas.

Um escritor deve ser só escritor. Cada macaco no seu galho. A história encarrega-se-á depois do juízo final sobre os seus (des)méritos. Dizem que o homem é irrequieto, que devia ficar quietinho a escrever os seus livros lá na ilha de Lanzarote, negra como o carvão. Ele já sabe que aqui não é querido por alguns, acham que (i) ele é o Guerra Junqueira do nosso tempo ou, mais sinistro ainda, que (ii) ele pode vir a ser o coveiro da nossa democracia com essa maluqueira do voto em branco... Não há dúvida que se isto fosse no tempo da Santa Inquisição ele iria de certo parar à fogueira como o camarada dele, o Judeu.

Em boa verdade, Saramago é homem de paixões, de fracturas, não é homem de consensos como o Figo (Também queria ver se o Figo voltasse a Portugal e assinasse um contrato pelos Dragões!).

Em suma, uns e outros adoram comprar guerras, dizem os treinadores de bancada. Saramago, os seus apoiantes e os seus críticos. Os tempos que por aí vão são propícios às guerras de religião. Às guerras in nomine Dei, em nome de Deus. As mais cruéis e estúpidas de todas as guerras, diga-se de passagem. E de que Deus nos livre, acrescento eu!

Enfim, mais inteligente foi o nosso primeiro que na semana transacta deixou o recado lá na redacção do Expresso: "Digam ao Saramago que pode regressar do seu auto-exílio nas Canárias; por mim, está perdoado!"... Diga-se que, depois do Aznar, está na moda deixar recados na redacção dos jornais. Segredos de Estado com direito a título de caixa alta: directamente do produtor ao consumidor final.

Um tipo que não é parvo de todo, este nosso primeiro... Ainda o hei-de vcer a tomar chá com o perigoso comuna. É que o Saramago é como o Bin Laden: (i) vale bem mais vivo do que morto, e (ii) vale muito mais ao pé de nós do que em Espanha, rodeado de más companhias... Há um provérbio chinês que diz: Se não podes matar o teu inimigo, elogia-lhe o talento (literário, artístico ou outro) mas mantem-no debaixo de olho". Há um outro, pós-maoísta, que diz: "Com o tempo, vai-se a ganga (ideológica) e fica a forma (artística)"... Acho que era isso que o nosso primeiro queria transmitir ao povo (i)letrado.

É caso para se dizer: que maçada aqueles suecos terem dado o Nobel a um portuga (des)alinhado como este Saramago!... Mas, se me permitem que fale em nome do Zé Povinho, eu acrescentaria, à laia de comentário final, o seguinte: (i) perdemos há muito o sentido da magnanimidade, (ii) somos uns cabrões uns para com os outros; mas (iii) eu lá estarei, se for vivo, quando enterrarem os ossos do nosso homem no Panteão Nacional!...

Portugal sacro-profano - XVII: Az(n)ar o meu!

Não sei o que fazer. Ou não sabia exatamente o que fazer há umas semanas atrás. Tinha acabado de ler, num jornal da capital, um anúncio com um oferta de venda de um país. Mais exactamente uma oferta de trespasse. Os dizeres eram mais ou menos deste jaez:



"Trespasse-se. Motivo: falência. País com 90 000 km2. Vista: Mar, praias. Bem localizado. Junto à Europa, mesmo ao lado de Espanha. A precisar de obras. Contactar Agência de São Bento. Telefone...".



Não se falava em números. Primeiro suspeitei mas depois reconheci logo que era o meu país. E tive um momento de fraqueza. Próprio dos humanos. Judas era homem e traiu o seu mestre. Por trinta dinheiros. De facto, ainda pensei duas vezes "Vendo, não vendo!?"... Confesso que ainda estive tentado a vender a (ínfima) parte que me cabe do país onde nasci. Mas depois tive uns laivos de orgulho patriótico. Dizem que é a voz do sangue. E arranjei força para dizer cá para comigo: "Az(n)ar o meu!"...



Pais, país, data e hora não se escolhem para nascer. Nasceste portuga, vais morrer portuga. Não sou supersticioso, mas este pensamento contraditório ocorreu-me no fatídico dia 11 de Março de 2004. Vou continuar a ser portuga, e o meu país vai continuar a ser sempre o meu país. Eu provavelmente é que nunca mais serei o mesmo.

Portugal sacro-profano - XVII: Az(n)ar o meu!

Não sei o que fazer. Ou não sabia exatamente o que fazer há umas semanas atrás. Tinha acabado de ler, num jornal da capital, um anúncio com um oferta de venda de um país. Mais exactamente uma oferta de trespasse. Os dizeres eram mais ou menos deste jaez:

"Trespasse-se. Motivo: falência. País com 90 000 km2. Vista: Mar, praias. Bem localizado. Junto à Europa, mesmo ao lado de Espanha. A precisar de obras. Contactar Agência de São Bento. Telefone...".

Não se falava em números. Primeiro suspeitei mas depois reconheci logo que era o meu país. E tive um momento de fraqueza. Próprio dos humanos. Judas era homem e traiu o seu mestre. Por trinta dinheiros. De facto, ainda pensei duas vezes "Vendo, não vendo!?"... Confesso que ainda estive tentado a vender a (ínfima) parte que me cabe do país onde nasci. Mas depois tive uns laivos de orgulho patriótico. Dizem que é a voz do sangue. E arranjei força para dizer cá para comigo: "Az(n)ar o meu!"...

Pais, país, data e hora não se escolhem para nascer. Nasceste portuga, vais morrer portuga. Não sou supersticioso, mas este pensamento contraditório ocorreu-me no fatídico dia 11 de Março de 2004. Vou continuar a ser portuga, e o meu país vai continuar a ser sempre o meu país. Eu provavelmente é que nunca mais serei o mesmo.

O tripaliu(m) que mata a gente - IV: Acidente in itinere

Lá se foi a tarde de domingo. E, com ela, o dolce far niente do fim de semana. Sempre curto, o fim de semana, para quem tem de recuperar do stresse pós-traumático do non-stop de segunda a sexta.



Com o pôr do sol tenho sempre um pensamento nobre, a condizer com a melancolia cesário-verdiana que é tão típica do portuga, incluindo aquele que escreveu na muralha, à beira-mar, numa daquelas praias tristes e sujas dos arredores de Lisboa: "Quando chegar a minha vez, eu gostaria de morrer durante o sono, como o meu avô... e não aos gritos, desesperado, como os passageiros da camioneta que ele conduzia a descer a Serra da Estrela!"...

O tripaliu(m) que mata a gente - IV: Acidente in itinere

Lá se foi a tarde de domingo. E, com ela, o dolce far niente do fim de semana. Sempre curto, o fim de semana, para quem tem de recuperar do stresse pós-traumático do non-stop de segunda a sexta.

Com o pôr do sol tenho sempre um pensamento nobre, a condizer com a melancolia cesário-verdiana que é tão típica do portuga, incluindo aquele que escreveu na muralha, à beira-mar, numa daquelas praias tristes e sujas dos arredores de Lisboa: "Quando chegar a minha vez, eu gostaria de morrer durante o sono, como o meu avô... e não aos gritos, desesperado, como os passageiros da camioneta que ele conduzia a descer a Serra da Estrela!"...