21 maio 2004

O tripaliu(m) que mata a gente - V: Grande América, onde a violência, é pura e dura!

1. Nos Estados Unidos, que são uma sociedade violenta, a taxa de vitimização por crime violento no local de trabalho é de 12.5 por cada 1000 trabalhadores.



Baseado nas respostas ao National Crime Victimization Survey, um relatório do célebre FBI (Federal Bureau of Investigation, pertencente ao U.S. Department of Justice) estimou em mais de 1.7 milhões o número médio anual de crimes violentos que ocorreram no local de trabalho no período de 1993-1999, respeitando 95% deles a assaltos simples, sem armas (mais de 1.3 milhões), ou agravados, com armas (325 mil).



Há um número médio anual de 900 homicídios, 40 vezes mais violações e outros crimes violentos de natureza sexual (36.5 mil)e 80 vezes mais roubos (70.1 mil).



2. Mas esta é apenas a ponta do icebergue. O crime violento (do homicídio ao simples assalto) faz parte de um continuum onde ainda se inclui a violência doméstica, as ameaças, as intimidações, as perseguições, o assédio sexual, o assédio moral e outras formas de violência, verbal e psicológica, que criam ansiedade e medo, a par de um clima de desconfiança no local de trabalho. Calcula-se que por cada acto de violência física, haja três actos de violêncioa verbal ou psicológica (nomeadamente casos de assédio sexual ou moral).



Na União Europeia dos 15, em 2000, havia cerca de 6% de trabalhadores (9 milhões, num total de 159 milhões), vítimas de violência física, com origem dentro (v.g., colegas) ou fora do local de trabalho (v.g., clientes). O número de casos de violência verbal (assédio sexual, assédio moral, discriminação com base na idade, no sexo, na etnia e na doença crónica ou deficiência) eram três vezes mais (cerca de 18% ou 27 milhões).





3. De acordo com o supracitado relatório, que está disponível na página oficial do FBI, cerca de 84% dos homicídios ocorridos nos EUA, no local de trabalho, no período de 1993/99, foram perpetrados por pessoas estranhas, armadas, cujo móbil era quase sempre o roubo. Os grupos ocupacionais que correm um maior risco de serem vítimas da violência de tipo I (homicídio) são os taxistas e os empregados de estações de serviço no horário nocturno.





4. Repare-se que, em geral, são trabalhadores isolados. A automação, a subcontratação, o teletrabalho, o funcionamento em rede e as novas formas atípicas de emprego por conta própria estão a levar a um progressivo aumento do número de trabalhadores isolados.



Nalguns casos, trabalhar sozinho (e ter à sua guarda valores, dinheiro, etc.) aumenta o risco de exposição à violência: para além dos táxis e das estações de serviço, as boutiques, os quiosques, as pequenas lojas e locais de comércio ambulante são outros exemplos de alvos relativamente fáceis de atacar ou assaltar. O trabalho nocturno é outro risco acrescido.



Segundo Di Martino (2000), perito da OIT, para os taxistas o turno da noite é o de maior risco e tal como noutras ocupações, o consumo de álcool e de droga por parte dos clientes está muitas vezes associado à violência de que são vítimas os taxistas.



Um estudo australiano, embora já antigo (1990), mostrava que os taxistas tinham 28 vezes mais riscos de ataque de natureza não-sexual e quase 67 vezes mais riscos de serem assaltos por motivo de roubo por comparação com o resto da população.



5. O que me chateia, às vezes, é que a sociedade americana pode ser violenta, mas sabe que o é, ou pelo menos tem informação estatística ad nauseam sobre tudo ou quase tudo... E socializa essa informação! Na terra dos portugas, um portuga vê-se e deseja-se para obter uma taxa ou um índice, ou até para recolher meia dúzia de dados brutos. É por isso é que me apetece escrever, quando lá voltar, num qualquer muro de um arranha-céus em ruínas, o seguinte grafito: "Grande América, onde a violência é pura e dura!"...

O tripaliu(m) que mata a gente - V: Grande América, onde a violência, é pura e dura!

1. Nos Estados Unidos, que são uma sociedade violenta, a taxa de vitimização por crime violento no local de trabalho é de 12.5 por cada 1000 trabalhadores.

Baseado nas respostas ao National Crime Victimization Survey, um relatório do célebre FBI (Federal Bureau of Investigation, pertencente ao U.S. Department of Justice) estimou em mais de 1.7 milhões o número médio anual de crimes violentos que ocorreram no local de trabalho no período de 1993-1999, respeitando 95% deles a assaltos simples, sem armas (mais de 1.3 milhões), ou agravados, com armas (325 mil).

Há um número médio anual de 900 homicídios, 40 vezes mais violações e outros crimes violentos de natureza sexual (36.5 mil)e 80 vezes mais roubos (70.1 mil).

2. Mas esta é apenas a ponta do icebergue. O crime violento (do homicídio ao simples assalto) faz parte de um continuum onde ainda se inclui a violência doméstica, as ameaças, as intimidações, as perseguições, o assédio sexual, o assédio moral e outras formas de violência, verbal e psicológica, que criam ansiedade e medo, a par de um clima de desconfiança no local de trabalho. Calcula-se que por cada acto de violência física, haja três actos de violêncioa verbal ou psicológica (nomeadamente casos de assédio sexual ou moral).

Na União Europeia dos 15, em 2000, havia cerca de 6% de trabalhadores (9 milhões, num total de 159 milhões), vítimas de violência física, com origem dentro (v.g., colegas) ou fora do local de trabalho (v.g., clientes). O número de casos de violência verbal (assédio sexual, assédio moral, discriminação com base na idade, no sexo, na etnia e na doença crónica ou deficiência) eram três vezes mais (cerca de 18% ou 27 milhões).


3. De acordo com o supracitado relatório, que está disponível na página oficial do FBI, cerca de 84% dos homicídios ocorridos nos EUA, no local de trabalho, no período de 1993/99, foram perpetrados por pessoas estranhas, armadas, cujo móbil era quase sempre o roubo. Os grupos ocupacionais que correm um maior risco de serem vítimas da violência de tipo I (homicídio) são os taxistas e os empregados de estações de serviço no horário nocturno.


4. Repare-se que, em geral, são trabalhadores isolados. A automação, a subcontratação, o teletrabalho, o funcionamento em rede e as novas formas atípicas de emprego por conta própria estão a levar a um progressivo aumento do número de trabalhadores isolados.

Nalguns casos, trabalhar sozinho (e ter à sua guarda valores, dinheiro, etc.) aumenta o risco de exposição à violência: para além dos táxis e das estações de serviço, as boutiques, os quiosques, as pequenas lojas e locais de comércio ambulante são outros exemplos de alvos relativamente fáceis de atacar ou assaltar. O trabalho nocturno é outro risco acrescido.

Segundo Di Martino (2000), perito da OIT, para os taxistas o turno da noite é o de maior risco e tal como noutras ocupações, o consumo de álcool e de droga por parte dos clientes está muitas vezes associado à violência de que são vítimas os taxistas.

Um estudo australiano, embora já antigo (1990), mostrava que os taxistas tinham 28 vezes mais riscos de ataque de natureza não-sexual e quase 67 vezes mais riscos de serem assaltos por motivo de roubo por comparação com o resto da população.

5. O que me chateia, às vezes, é que a sociedade americana pode ser violenta, mas sabe que o é, ou pelo menos tem informação estatística ad nauseam sobre tudo ou quase tudo... E socializa essa informação! Na terra dos portugas, um portuga vê-se e deseja-se para obter uma taxa ou um índice, ou até para recolher meia dúzia de dados brutos. É por isso é que me apetece escrever, quando lá voltar, num qualquer muro de um arranha-céus em ruínas, o seguinte grafito: "Grande América, onde a violência é pura e dura!"...

18 maio 2004

Humor com humor se paga - XXVI: A poliglota do Euro 2004

Car@s ciberamig@s:



1. Apresento-vos a mulher virtual que fala bué de línguas! Foi contratada pelo Ministério da Educação para melhorar as competências (linguísticas) dos portugas... A rapariga despacha tudo o que é língua indo-europeia: português, espanhol, catalão, francês, italiano, inglês, alemão, sueco e até grego!!!



A nossa amiga Amália (em Lisboa), Gabriela (no Rio de Janeiro), Carmen (em Madrid), Juliette (em Paris), etc. vai-nos ser particularmente útil como babá dos mais pequenos durante a época de euforia que se aproxima e que nos prometem como momento único de felicidade colectiva, de reencontro com a grandeza da nossa história, de redescoberta do orgulho de ser portuga (... refiro-me a essa coisa do Euro 2004).



2. Vocês já realizaram (como se diz agora em bom português do Séc. XXI) o que as nossas criancinhas podem aprender com esta baby-sitter poliglota enquanto a gente andar por aí a curtir a paixão do Euro 2004 ? Não será seguramente o meu caso, de resto atípico: eu prefiro melhorar o meu sueco nas longas quentes noites de Junho que se avizinham, sempre tenho uma (má) desculpa por não alinhar com a maioria de 2/3 dos portugas que investem as suas economias (psicológicas, afectivas, emocionais, intelectuais e até monetárias...) nos resultados aleatórios de uma bola que nem sempre é redonda... Eu por mim, não vou desperdiçar esta excelente iniciativa do nosso Ministro da Educação: tenho muita consideração pelo esforço financeiro que o contribuinte portuga está a fazer para melhorar o nosso capital humano, individual e colectivo...



3. Instruções:



Cliquem no endereço abaixo e façam o seguinte:



(i) Escolham o idioma (por ex., Portuguese = Português, como devem saber os diplomados pelo Cambridge School do Casal de São Brás)



(ii) Escolham o sotaque (no caso do português, o European = Europeu ou o Brazilian = Brasileiro)... Espero que o próximo modelo, mais aperfeiçoada, já traga o português de Angola (que é, de resto, excelente, eu diria até que é o português mais correcto que se fala em todo o mundo!), para além do do português que se fala em tantas outras paragens como, por exemplo, Cabo Verde ou Moçambique (onde pontifica uma dos maiores criadores da nossa língua, o Mia Couto);



(iii) Escrevam uma palavra ou um pequeno texto no campo do lado esquerdo (cuidado com os cês cedilhados e os acentos... há vezes é preferível escrever tal como se fala em português; podem escrever o que vos apetecer porque a nossa poliglota tem seis meses de treino intensivo, no famoso verão do Algarve: Quinta do Lago, Albufeira, Praia dos Tomates, um grande currículo!).



(iv) Cliquem no botão "Say It!" e aguardem o resultado (... às vezes é preciso ter um pouco de paciência, ela engasga-se mas garanto-vos que nunca cora como eu...).



Post scriptum - É o máximo! Divirtam-se! Soltem os vossos talentos em matéria de língua !



Muito importante: é conveniente que o vosso computador tenha sistema de ... som.



http://vhost.oddcast.com/vhost_minisite/demos/tts/tts_example.html

Humor com humor se paga - XXVI: A poliglota do Euro 2004

Car@s ciberamig@s:

1. Apresento-vos a mulher virtual que fala bué de línguas! Foi contratada pelo Ministério da Educação para melhorar as competências (linguísticas) dos portugas... A rapariga despacha tudo o que é língua indo-europeia: português, espanhol, catalão, francês, italiano, inglês, alemão, sueco e até grego!!!

A nossa amiga Amália (em Lisboa), Gabriela (no Rio de Janeiro), Carmen (em Madrid), Juliette (em Paris), etc. vai-nos ser particularmente útil como babá dos mais pequenos durante a época de euforia que se aproxima e que nos prometem como momento único de felicidade colectiva, de reencontro com a grandeza da nossa história, de redescoberta do orgulho de ser portuga (... refiro-me a essa coisa do Euro 2004).

2. Vocês já realizaram (como se diz agora em bom português do Séc. XXI) o que as nossas criancinhas podem aprender com esta baby-sitter poliglota enquanto a gente andar por aí a curtir a paixão do Euro 2004 ? Não será seguramente o meu caso, de resto atípico: eu prefiro melhorar o meu sueco nas longas quentes noites de Junho que se avizinham, sempre tenho uma (má) desculpa por não alinhar com a maioria de 2/3 dos portugas que investem as suas economias (psicológicas, afectivas, emocionais, intelectuais e até monetárias...) nos resultados aleatórios de uma bola que nem sempre é redonda... Eu por mim, não vou desperdiçar esta excelente iniciativa do nosso Ministro da Educação: tenho muita consideração pelo esforço financeiro que o contribuinte portuga está a fazer para melhorar o nosso capital humano, individual e colectivo...

3. Instruções:

Cliquem no endereço abaixo e façam o seguinte:

(i) Escolham o idioma (por ex., Portuguese = Português, como devem saber os diplomados pelo Cambridge School do Casal de São Brás)

(ii) Escolham o sotaque (no caso do português, o European = Europeu ou o Brazilian = Brasileiro)... Espero que o próximo modelo, mais aperfeiçoada, já traga o português de Angola (que é, de resto, excelente, eu diria até que é o português mais correcto que se fala em todo o mundo!), para além do do português que se fala em tantas outras paragens como, por exemplo, Cabo Verde ou Moçambique (onde pontifica uma dos maiores criadores da nossa língua, o Mia Couto);

(iii) Escrevam uma palavra ou um pequeno texto no campo do lado esquerdo (cuidado com os cês cedilhados e os acentos... há vezes é preferível escrever tal como se fala em português; podem escrever o que vos apetecer porque a nossa poliglota tem seis meses de treino intensivo, no famoso verão do Algarve: Quinta do Lago, Albufeira, Praia dos Tomates, um grande currículo!).

(iv) Cliquem no botão "Say It!" e aguardem o resultado (... às vezes é preciso ter um pouco de paciência, ela engasga-se mas garanto-vos que nunca cora como eu...).

Post scriptum - É o máximo! Divirtam-se! Soltem os vossos talentos em matéria de língua !

Muito importante: é conveniente que o vosso computador tenha sistema de ... som.

http://vhost.oddcast.com/vhost_minisite/demos/tts/tts_example.html

17 maio 2004

Socio(b)logia - IX: Uma tabaqueira socialmente responsável e politicamente correcta ?

(i) Fumar é perigoso e causa dependência;(ii) as crianças não devem fumar; (iii) o fumo do cigarrro contém milhares de substâncias químicas; (iv) não assuma que os cigarros com menos alcatrão são mais seguros ou melhores para si;(v) é possível fazer um cigarro menos nocivo ? (vi) o consumo de tabaco por jovens menores é um problema: o que é que uma empresa tabaqueira deveria estar a fazer sobre isso ? (vii)... mas a verdade é que temos um papel importante a desempenhar!





1. Como @ car@ ciberamig@ já deve ter suspeitado ou até adivinhado, esta peça não foi escrita por nenhum fundamentalista antitabágico nem pelas autoridades de saúde pública, mas por uma empresa que produz e comercializa cigarros. Mais concretamente, pela Tabaqueira S. A. Ou melhor, pela casa-mãe, a Philip Morris International (para quem não sabe, é o maior manufacturer of cigarettes and tobacco products).



É um folheto que encontrei recentemente num local público de venda de cigarros, presumivelmente distribuído pela portuguesíssima Tabaqueira, S.A., e que tem como título “Informação sobre questões importantes relacionadas com o consumo de cigarros” (sic). Presumo que faça parte de uma campanha de informação ao público, em geral, fumadores e não-fumadores incluídos.



2. A Philip Morris International dá a cara como autora do texto. Em pé de página, e em letra miudinha, algo envergonhadamente, diz-se que "a Tabaqueira, S.A., é detida indirecta e maioritariamente pela Philip Morris International, Inc." Para mais informações remete-se os interessados para o sítio oficial da multinacional na Web, em inglês. O sítio em português também está disponível.



Repare-se nas diferenças subtis entre o folheto (POR/EU/2) e a página da empresa tabaqueira na Net: nesta última há, com destaque, uma entrada sobre Smoking and health, em que se diz taxativamente, em linguagem assertiva:



"We support a clear and consistent public health message about smoking, disease and addiction wherever we sell our products" (o que na língua de Camões quer dizer: "Apoiamos uma mensagem de saúde pública, clara e consistente, sobre o tabagismo, a doença e os comportamentos aditivos onde quer que vendamos os nossos produtos").



Em contrapartida, a palavra saúde só aparece, na contracapa do folheto: "Não existem cigarros seguros. Se estiver preocupado com os efeitos do consumo de tabaco na sua saúde, deverá parar de fumar".



Nas páginas interiores não se esconde que "fumar causas muitas doenças graves e fatais, incluindo o cancro do pulmão, doenças do coração e enfisema". E avisa-se o consumidor, para que depois não venha dizer que não sabia ou que não estava alertado: "Não pense que fumar não vai afectar a sua saúde" (O itálico é deles). O que eu adoro é a utilização da dupla negativa!



3. A Philip Morris está entretanto empenhada em "[desenvolver] um cigarro potencialmente menos nocivo" e acha que, quando esse produto estiver disponível no mercado, "[seria] errado negar os seus benefícios aos fumadores adultos"...



Até lá, a Philip Morris é uma empresa que (i) quer estar acima de toda a suspeita, e (ii) voltar ao seio das empresas conceituadas, embora continue (iii) presa no seu labirinto, com o terrível labéu de Besta Negra da Saúde Pública. Daí que venha dizer, com coinvicção ou não: "Ninguém quer que os jovens fumem, incluindo nós" (sic)...



Dirão uns, talvez a maioria, que é "difícil aceitar que uma empresa tabaqueira tenha esta opinião", já que seria um suicídio comercial puro e simples. Aparentemente, sim: seria o fim do negócio se os jovens em todo o mundo deixassem de fumar...



Mas "a maioria dos fumadores adultos do mundo não fuma a nossa marca", logo, a nossa estratégia de marketing é conquistá-los, conclui a Philip Morris por outras palavras... E eu acrecsento: sabendo que os jovens de hoje serão os adultos de amanhã, nem tudo está perdido neste mundo... Perdido para as tabaqueiras, claro está!



4. Em conclusão: desencorajar os jovens de fumar, por razões de saúde, até faz sentido a nível do negócio!... Não é nenhum tiro no pé, pelo contrário. Reparem na subtil justificação: "No mundo de hoje, se não fizermos o que estiver ao nosso alcance, o nosso negócio pode estar em risco. Os Governos, os legisladores e o público podem impedir-nos de vender cigarros a fumadores adultos"...



O raciocínio não podia ser mais magistral e a mensagem é clara: (i) não se pode impedir, por decreto, que os jovens, ou todos os jovens em todo o mundo, fumem ... Além disso, (ii) "a maioria das pessoas também não acha que as empresas tabaqueiras são a única causa ou a única solução para o problema"...



Off record: estamos fartos de ser o bode expiatório das desgraças do mundo e dos desastres da saúde pública... E se existimos é porque há um sistema (económico, político, jurídico, cultural...) que nos suporta: estamos no mercado, criamos postos de trabalho, pagamos salários e impostos, distribuimos dividendos, apoiamos a arte, a cultura, a ciência...



5. Ora esta é uma empresa, juntamente com as outras tabaqueiras do resto do mundo, que é responsável pela maior pandemia do Século XX... Foi a que teve mais visibilidade por causa das astronómicas indemnizações que foi condenada a pagar a alguns consumidores que contraíram doenças por causa do cigarro, e que alegaram terem sido "devidamente informados" dos malefícios do produto...



Mas a Philip Morris aprendeu com os seus erros, e agora quer melhorar a sua imagem perante os accionistas, os investidores, os clientes e os trabalhadores e os demais stakeholders, incluindo os seus ferozes inimigos. Quer ser hoje uma empresa socialmente responsável e politicamente correcta, e ao mesmo tempo continuar a pagar dividendos aos seus shareholders, como qualquer outra empresa séria e respeitável deste mundo... E vai continuar a produzir e vender cigarros por muitos bons anos, porque este discurso hipócrita é apenas para consumo do exigente mercado europeu e norte-americano...



Mas tal como a mulher de César, à empresa tabaqueira não basta ser séria, é preciso parecê-lo... Como ? Financiando "programas educacionais" sem exigência de contrapartidas (v.g., menção do nome da empresa ou das marcas)... Só é preciso é que "as autoridades ligadas à Saúde e à Educação" sejam colaborantes, isto é, estejam "dispostas a aceitar tais financiamentos"...



6. Não posso deixar de dar os parabéns ao brilhante criativo que, a troco de um bom punhado de dólares, escreveu este texto de antologia, agora divulgado sob a forma de folheto.



Só pode ser um gajo com enorme talento e cinismo: por um lado, (i) é uma confissão ("o nosso negócio faz mal à saúde, sobretudo das criancinhas, das mulheres grávidas, dos jovens que não são (ainda) consumidores responsáveis", cito de cor); por outro, (ii) é uma mensagem de esperança, sobretudo para os consumidores responsáveis e informados, os adultos: "estamos a desenvolver novos produtos inovadores"; por fim, (iii) é uma declaração de princípios: "temos um forte sentido de ética empresarial" (o que é dito por outras palavras)...



Ao branquear a história epidemiológica das doenças causadas, relacionadas com ou agravadas pelo tabaco, o que a Philip Morris está a tentar fazer, com esta operação de marketing social e comunicação, é criar uma nova representação social do tabagismo...



Está também a defender-se face à crescente tomada de consciência dos efeitos devastadores do tabaco na nossa saúde e a precaver-se contra as garantias de protecção legal do consumidor...



Está sobretudo a responder, tarde mas com apurado instinto de sobrevivência, ao cerco que aperta a produção, a distribuição, a publicidade, a comercialização, a venda e o consumo do tabaco, cada vez mais em todo o mundo...

Socio(b)logia - IX: Uma tabaqueira socialmente responsável e politicamente correcta ?

(i) Fumar é perigoso e causa dependência;(ii) as crianças não devem fumar; (iii) o fumo do cigarrro contém milhares de substâncias químicas; (iv) não assuma que os cigarros com menos alcatrão são mais seguros ou melhores para si;(v) é possível fazer um cigarro menos nocivo ? (vi) o consumo de tabaco por jovens menores é um problema: o que é que uma empresa tabaqueira deveria estar a fazer sobre isso ? (vii)... mas a verdade é que temos um papel importante a desempenhar!


1. Como @ car@ ciberamig@ já deve ter suspeitado ou até adivinhado, esta peça não foi escrita por nenhum fundamentalista antitabágico nem pelas autoridades de saúde pública, mas por uma empresa que produz e comercializa cigarros. Mais concretamente, pela Tabaqueira S. A. Ou melhor, pela casa-mãe, a Philip Morris International (para quem não sabe, é o maior manufacturer of cigarettes and tobacco products).

É um folheto que encontrei recentemente num local público de venda de cigarros, presumivelmente distribuído pela portuguesíssima Tabaqueira, S.A., e que tem como título “Informação sobre questões importantes relacionadas com o consumo de cigarros” (sic). Presumo que faça parte de uma campanha de informação ao público, em geral, fumadores e não-fumadores incluídos.

2. A Philip Morris International dá a cara como autora do texto. Em pé de página, e em letra miudinha, algo envergonhadamente, diz-se que "a Tabaqueira, S.A., é detida indirecta e maioritariamente pela Philip Morris International, Inc." Para mais informações remete-se os interessados para o sítio oficial da multinacional na Web, em inglês. O sítio em português também está disponível.

Repare-se nas diferenças subtis entre o folheto (POR/EU/2) e a página da empresa tabaqueira na Net: nesta última há, com destaque, uma entrada sobre Smoking and health, em que se diz taxativamente, em linguagem assertiva:

"We support a clear and consistent public health message about smoking, disease and addiction wherever we sell our products" (o que na língua de Camões quer dizer: "Apoiamos uma mensagem de saúde pública, clara e consistente, sobre o tabagismo, a doença e os comportamentos aditivos onde quer que vendamos os nossos produtos").

Em contrapartida, a palavra saúde só aparece, na contracapa do folheto: "Não existem cigarros seguros. Se estiver preocupado com os efeitos do consumo de tabaco na sua saúde, deverá parar de fumar".

Nas páginas interiores não se esconde que "fumar causas muitas doenças graves e fatais, incluindo o cancro do pulmão, doenças do coração e enfisema". E avisa-se o consumidor, para que depois não venha dizer que não sabia ou que não estava alertado: "Não pense que fumar não vai afectar a sua saúde" (O itálico é deles). O que eu adoro é a utilização da dupla negativa!

3. A Philip Morris está entretanto empenhada em "[desenvolver] um cigarro potencialmente menos nocivo" e acha que, quando esse produto estiver disponível no mercado, "[seria] errado negar os seus benefícios aos fumadores adultos"...

Até lá, a Philip Morris é uma empresa que (i) quer estar acima de toda a suspeita, e (ii) voltar ao seio das empresas conceituadas, embora continue (iii) presa no seu labirinto, com o terrível labéu de Besta Negra da Saúde Pública. Daí que venha dizer, com coinvicção ou não: "Ninguém quer que os jovens fumem, incluindo nós" (sic)...

Dirão uns, talvez a maioria, que é "difícil aceitar que uma empresa tabaqueira tenha esta opinião", já que seria um suicídio comercial puro e simples. Aparentemente, sim: seria o fim do negócio se os jovens em todo o mundo deixassem de fumar...

Mas "a maioria dos fumadores adultos do mundo não fuma a nossa marca", logo, a nossa estratégia de marketing é conquistá-los, conclui a Philip Morris por outras palavras... E eu acrecsento: sabendo que os jovens de hoje serão os adultos de amanhã, nem tudo está perdido neste mundo... Perdido para as tabaqueiras, claro está!

4. Em conclusão: desencorajar os jovens de fumar, por razões de saúde, até faz sentido a nível do negócio!... Não é nenhum tiro no pé, pelo contrário. Reparem na subtil justificação: "No mundo de hoje, se não fizermos o que estiver ao nosso alcance, o nosso negócio pode estar em risco. Os Governos, os legisladores e o público podem impedir-nos de vender cigarros a fumadores adultos"...

O raciocínio não podia ser mais magistral e a mensagem é clara: (i) não se pode impedir, por decreto, que os jovens, ou todos os jovens em todo o mundo, fumem ... Além disso, (ii) "a maioria das pessoas também não acha que as empresas tabaqueiras são a única causa ou a única solução para o problema"...

Off record: estamos fartos de ser o bode expiatório das desgraças do mundo e dos desastres da saúde pública... E se existimos é porque há um sistema (económico, político, jurídico, cultural...) que nos suporta: estamos no mercado, criamos postos de trabalho, pagamos salários e impostos, distribuimos dividendos, apoiamos a arte, a cultura, a ciência...

5. Ora esta é uma empresa, juntamente com as outras tabaqueiras do resto do mundo, que é responsável pela maior pandemia do Século XX... Foi a que teve mais visibilidade por causa das astronómicas indemnizações que foi condenada a pagar a alguns consumidores que contraíram doenças por causa do cigarro, e que alegaram terem sido "devidamente informados" dos malefícios do produto...

Mas a Philip Morris aprendeu com os seus erros, e agora quer melhorar a sua imagem perante os accionistas, os investidores, os clientes e os trabalhadores e os demais stakeholders, incluindo os seus ferozes inimigos. Quer ser hoje uma empresa socialmente responsável e politicamente correcta, e ao mesmo tempo continuar a pagar dividendos aos seus shareholders, como qualquer outra empresa séria e respeitável deste mundo... E vai continuar a produzir e vender cigarros por muitos bons anos, porque este discurso hipócrita é apenas para consumo do exigente mercado europeu e norte-americano...

Mas tal como a mulher de César, à empresa tabaqueira não basta ser séria, é preciso parecê-lo... Como ? Financiando "programas educacionais" sem exigência de contrapartidas (v.g., menção do nome da empresa ou das marcas)... Só é preciso é que "as autoridades ligadas à Saúde e à Educação" sejam colaborantes, isto é, estejam "dispostas a aceitar tais financiamentos"...

6. Não posso deixar de dar os parabéns ao brilhante criativo que, a troco de um bom punhado de dólares, escreveu este texto de antologia, agora divulgado sob a forma de folheto.

Só pode ser um gajo com enorme talento e cinismo: por um lado, (i) é uma confissão ("o nosso negócio faz mal à saúde, sobretudo das criancinhas, das mulheres grávidas, dos jovens que não são (ainda) consumidores responsáveis", cito de cor); por outro, (ii) é uma mensagem de esperança, sobretudo para os consumidores responsáveis e informados, os adultos: "estamos a desenvolver novos produtos inovadores"; por fim, (iii) é uma declaração de princípios: "temos um forte sentido de ética empresarial" (o que é dito por outras palavras)...

Ao branquear a história epidemiológica das doenças causadas, relacionadas com ou agravadas pelo tabaco, o que a Philip Morris está a tentar fazer, com esta operação de marketing social e comunicação, é criar uma nova representação social do tabagismo...

Está também a defender-se face à crescente tomada de consciência dos efeitos devastadores do tabaco na nossa saúde e a precaver-se contra as garantias de protecção legal do consumidor...

Está sobretudo a responder, tarde mas com apurado instinto de sobrevivência, ao cerco que aperta a produção, a distribuição, a publicidade, a comercialização, a venda e o consumo do tabaco, cada vez mais em todo o mundo...