14 abril 2005

SOS Assédio - II: O meu nome é H...

1. Mensagem recebida por e-mail, ontem, 13 de Abril de 2005, às 16.45h:

"Boa tarde!

"O meu nome é H..., tenho 30 anos e venho por este meio pedir mais informação sobre o assédio moral no trabalho, que desconhecia até ver na SIC Mulher [ o programa Elas em Marte, apresentado por Ana Marques, das 18h às 19h, no dia 7 de Abril de 2005, e que foi dedicado ao tema do Mobbing/Assédio no Local de Trabalho, tendo contado com a presença de Cláudia Cardoso, Luís Graça e Maria do Rosário Ramalho].

"Eu há um ano que fui despedido, por ter faltado ao trabalho, por stresse, causado pelo excesso de trabalho, por ter tido algumas pressões e exigências da empresa e até minhas (medo de perder o trabalho).

"O que se passou foi o seguinte: em 2004 a empresa cresceu muito rápido, vendo-se obrigada a mudar os horários do funcionamento de algumas secções. Aí foi quando começou o problema. Ou seja, houve uma pequena reunião do pessoal da secção onde eu trabalhava e fizeram como que um ultimato aos empregados: ou nós aceitávamos trabalhar por turnos e trabalhar ao fim-de-semana, ou então eramos excluídos do grupo. Nós aceitámos porque tínhamos medo de ser despedidos.

"Ao fim de algum tempo as pessoas ficam cansadas e a precisar de descanso, depois de estar a trabalhar, de 2ª a 6ª feira, mais de 8 horas, e ao fim-de-semana outras 8 horas (exigência da empresa). Até que um dia faltei ao trabalho, por já não andar bem. Fui falar com o meu chefe de secção a explicar o motivo porque faltei e a empresa aceitou-me de volta. Mais tarde, isto já em 2005, voltei a faltar ao trabalho, mas desta vez fui ao médico de família pedir baixa. Andei de baixa algum tempo e, depois de me sentir melhor, tentei voltar ao trabalho, mas desta vez fui transferido para outra secção.

"Na outra secção, houve um período de adaptação do novo trabalho que tinha que fazer, onde era pressionado por duas pessoas, uma a dizer-me para trabalhar mais rápido e outra a criticar-me por ir beber café, coisas assim.

"Pouco tempo depois saí pela porta fora e não quis saber mais do trabalho. Como é normal fui despedido, mas o mais grave foi ter ficado doente. Entrei em depressão profunda, isolei-me do mundo, não queria ver e falar com ninguém, maltratava verbalmente a minha família, fugi de casa 2 vezes e até tentei o suicídio uma vez (não me matei porque não encontrei o revólver do meu pai). Neste período andei em neurologistas, psiquiatras, psicólogos, tudo pago pelos meus pais.

"Depois deste paleio todo, o que quero saber é que até que ponto o que me aconteceu é assédio moral? Quais são os meus direitos? O que devo fazer para melhorar a minha situação, no campo emocional, psicológico e até profissional? O que se pode fazer aos outros empregados que ficaram a trabalhar nessa empresa?

"Obrigado pela sua atenção".

2. Comentário:

As minhas primeiras palavras são de simpatia e de solidariedade para com este jovem, que me relata uma dramática experiência profissional. Não sou médico, nem psicólogo, nem terapeuta, nem jurista, pelo que não o poderei ajudar muito, a nível pessoal. Só espero que hoje esteja melhor, e que se sinta capaz de encontrar a tão necessária "luz ao fundo túnel". O facto de ter procurado a ajuda de profissionais de saúde e de contar com o apoio da família é, já por si, encorajante. Esta experiência culminou numa crise grave, de que o H... felizmente conseguiu sair. E a prova é o seu testemunho.

Quanto ao que me pergunta: Isto foi um caso típico de assédio moral ? Faltam-me mais dados (incluindo o conhecimento do contexto) para lhe responder honestamente. Não podemos confundir assédio com o exercício (legítimo) do poder hierárquico e disciplinar.

Socorro-me aqui da autoridade de Marie-France Hirigoyen, uma psiquiatra francesa, especialista em apoio à vítima, para quem o assédio moral no trabalho define-se como sendo “qualquer comportamento abusivo (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, pela sua repetição ou pela sua sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, pondo em perigo o seu emprego ou degradando o clima de trabalho” (Hirigoyen, 2002. 14-15).

Mais concretamente, o assédio moral no trabalho deve ter as seguintes características: (i) um comportamento de intimidação e de hostilidade, (ii) reiterado, (iii) consciente, (iv) sistemático, (v) prolongado no tempo, (vi) e que visa, em última análise, pôr em causa a capacidade da vítima (colega ou subordinado) para se manter no emprego e cumprir as suas obrigações profissionais. É "uma violência em pequenos golpes", a conta gotas, que passa muitas vezes despercebida, mas é muito destruidora: "é o efeito cumulativo de microtraumatismos frequentes e repetidos que constitui a agressão" (Hirigogyen, 2002.15).

As consequências são graves, em muitos casos, como se depreende desta história pessoal do H... O que se pode fazer para melhorar a situação da vítima, a nível emocional, legal e profissional ? Esta é uma pergunta difícil.

O H... não estava, em condições, na altura, de "ir à luta", de pedir ajuda, de denunciar a situação, tendo optado por "bater com a porta" e por romper, unilateralmente, o seu contrato de trabalho.

Mas aqui falta-nos também o ponto de vista do jurista... Não é o meu domínio... Agradeço, em todo o caso, o seu depoimento. Espero que o tenho ajudado a romper o muro (do sofrimento, da dor, do sofrimento, do silêncio e às vezes até da culpa e da vergonha). Espero que o relato da sua experiência também possa ajudar outras pessoas, e nomeadamente os homens e as mulheres que neste país são vítimas de violação sistemática da sua dignidade e dos seus direitos humanos no local da trabalho, e de exposição a factores de risco psicossocial como o assédio e outras formas de violência no trabalho.

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