13 junho 2005

Guiné 69/71 - LV: Notícias do Cacheu (1)

1. Tertúlia de ex-combatentes da Guiné, que até agora só inclui malta de 1967 a 1974... Mas a guerra começou bem antes: Janeiro de 1963, oficialmente. De qualquer modo, actualizem, por favor, a vossa base de dados:


Afonso M.F. Sousa (Maceda, Ovar)

- Ex-furriel miliciano, de transmissões, da CART 2412 (Agosto de 1968 / Maio de 1970);
- Esteve em Bigene, Binta, Guidage e Barro.

Um pelotão da CCAÇ 3 (onde também esteve, em 1968, o nosso camarada A. Marques Lopes)reforçou a CART 2412, quando esta se instalou em Guidage. Esse pelotão era comandado pelo Alferes Gonçalves.

Esta CART 2412 integrava-se no COP3 (comando do Major Correia de Campos, em Bigene).

O COP 3 constituia uma quadrícula militar de vários agrupamentos a norte do rio Cacheu, entre Barro, a Oeste, e Guidage (Farim), a Nordeste. Comportava unidades do Exército e da Marinha, estas estabelecidas na base fluvial de Ganturé (Fuzileiros navais, sob o comando de Alpoim Calvão), junto ao Rio Cacheu, cujo ancoradouro dá saída para Bigene (2,8 Km, para Norte).

O COP 3 tinha por missão fundamental a eliminação ou amputação dos corredores entre a faixa fronteiriça do Senegal e as densas (e quase impenetráveis) matas do Óio, em cujo coração se situava a base do PAIGC, de Morés.

Afonso M. F. Sousa

2. Correspondência entre o Afonso M.F. Soua e o A. Marques Lopes:

8 de Junho de 2005:

Caríssimo Coronel A Marques Lopes: Foi por uma lista na Net que localizei o Alferes Gonçalves. Como se referia à CCAÇ 3, contactei-o telefonicamente, para lhe perguntar se conhecia Guidage.

Surpreendentemente a resposta dele foi esta: acompanhei a vossa companhia (CART 2412) no trajecto Binta-Guidage, quando vocês se deslocaram para lá pela primeira vez. Comandava um pelotão da CCAÇ3 que ficou em Guidage como reforço da vossa CART.

Eu (talvez pelos 37 anos que decorreram ?!) não estou a ver a cara dele, mas o facto é que ele e eu estivemos na mesma coluna, rumo a Guidage (1968). Ainda fomos surpreendidos a pouco mais do meio do trajecto, no sítio do Cufeu, por tiros sentidos na floresta de uma e da outra banda do caminho.

Ele sabe da história da perda do nosso comandante (o Capitão Miliciano António Dias Lopes), logo nos primeiros dias, naquela terra de fronteira com o Senegal. Logo no início aterrou lá de surpresa o Spínola. Depois da rápida formatura na exígua parada, saíram-lhe estas palavras dirigidas ao capitão: "O senhor é indigno de estar à frente destes militares...o senhor prepare-se e vai já comigo para Bissau"

Viria a ser castigado com despromoção (tenente) e eventualmente com outras consequências que não conheci. Isto resultou do envio, por um soldado, de um aerograma para o General Spínola, queixando-se que estavam a passar fome, visto que o capitão se esquecera de solicitar o reabastecimento. O que valia eram as minúsculas galinhas que comprávamos na tabanca.

Por acaso ainda me lembro que, após o destroçar, de forma menos formal o General Spínola me perguntou:
- Meu militar, precisa alguma coisa para transmissões ?
Ao que eu lhe respondi:
- Precisamos de substituir a antena, meu General.
Passados uns dias essa antena lá apareceu.

2. Resposta do A. Marques Lopes, na mesmam data:

Amigo Afonso Sousa: Já deve ser a não sei quantas vezes que digo isto, mas vou voltar a repetir: é mesmo muito pequenino este nosso mundo (e há-de ser mais pequeno cada vez que um de nós morrer).

Através do contacto que me deste, falei com o Alferes Gonçalves e conheci-lhe logo a voz: é mesmo esse que esteve comigo em Barro. Contou-me que o General Spinola, em certa altura, decidiu que os metropolitanos deveriam estar dois anos na CCAÇ 3, como nas outras companhias. Foi o que sucedeu com ele, que tinha vindo da metrópole directamente para lá.

Diz que vem frequentemente ao Porto e combinámos já um encontro. Falou-me de outros que eu também lá conheci e que tinham feito um encontro no dia 28 de Maio passado!!... Cheguei à conclusão que tenho de ver os programas de chacha da televisão: é que deram notícia num deles, em rodapé, da realização desse encontro.

Falou-me [também] do furriel Folha, que eu bem conheci, e que mora em Matosinhos, afinal perto de mim. Vou-me encontrar com ele na segunda-feira próxima. E o Folha disse-me que há vários soldados da CCAÇ 3 que estão em Portugal! Fantástico!!! Obrigado, grande amigo, por me encontrares esta ponta que já tinha perdido!

Quanto a Barro, é como dizes: há todos esses edifícios, mas uns destruídos e outros abandonados. Só de um deles saíu um indivíduo vestido à ocidental e que se juntou a mim e ao meu acompanhante, quando lá estive em 1998. Era um funcionário governamental. Deu-me ideia que esse foi aproveitado, creio que era o da secretaria, os outros não só não tinham sido aproveitados como a população de Barro continuava nas suas moranças, deles afastada.

Infelizmente, caro amigo, constatei com pesar que a população de Barro vivia muito pior do que quando lá estava a CCAÇ 3. Retrocesso, portanto. Se calhar, fizeram manga de ronco quando o Ansumane Mané se rebelou... E agora? Estarão diferentes? Continuo a pensar que não, infelizmente.

Quanto ao Cacuto , a conversa era simples:
- Cacuto, com qual vais dormir esta noite?... Então e as outras, como é que é?...

Tu e os outros camaradas acabem com o coronel. Óscar Kilo? Não faz sentido.
Um abraço. A. Marques Lopes

4. Nova mensagem do Afonso Sousa, a quem agradeço por nos trazer mais um amigo e camarada para a nossa tertúlia, o ex- Alferes Miliciano Gonçalves, da CCAÇ 3 (telefone nº 259 326 426, telemóvel > 914 200 318):

9 de Junho de 2005:

Caro amigo António M. Lopes: O Alferes Gonçalves não tem ligação por e-mail, mas ficou de me ligar para nos fornecer o endereço de e-mail de um sobrinho, que nos servirá transitoriamente.

Podemos servir-nos da sua frescura de memória para recolhermos alguns relatos e testemunhos da sua permanência naquelas paragens difíceis de Guidage (tabanca isolada, no risco de fronteira com o Senegal).

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