30 novembro 2005

Guiné 63/74 - CCCXXV: CCART 1661 (Porto Gole, Enxalé, Bissá, 1967/68)

Guiné-Bissau > Porto Gole > Marco comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné (1446-1946) > Porto Gole, na margem direita do Rio, na estrada Bissau - Nhacra - Mansoa - Porto Gole - Bafatá (interdita no meu tempo, 1969/71. L.G.) L.G.


© Jorge Neto (2005)

Autor do blogue Africanidades ("Vivências, imagens, e relatos sobre o grande continente - África vista pelos olhos de um branco" que... que, felizmente para ele, não conheceu a guerra colonial)


Publicámos há tempos (1) excertos do diário de Abel Rei (n. 1945), ex-combatente da Guiné (1967/68), natural da Maceira, Leiria, e actualmente residente em Embra, Marinha Grande, inserido num portal da Marinha Grande, dirigido por Carlos Barros: Marinha Grande > Palavras & Imagens > Personalidades Marinhenses > Biografias > A > Abel de Jesus Carreira Rei.

Aqui fica, mais uma vez, o endereço: Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné - 1967/1968).

Este nosso camarada (1º cabo, ao que depreendo da leitura) fez o mesmo percurso que eu e os meus camaradas da CCAÇ 12: mobilizado para a Guiné (não nos diz em que companhia ou batalhão), partiu em 1 de Fevereiro de 1967 no N/M Uíge, desembarcou em Bissau, sob um calor sufocante, apanhou uma LGD, ouviu os primeiros tiros (dos fuzileiros) e, caso curioso, não desembarcou no Xime, mas em Bambadinca…

Daí a companhia dele seguiu para para Fá [Mandinga], o seu primeiro aquartelamento na Guiné. Em 21 de Fevereiro de 1967, o nosso homem é destacado para o Xime, região onde recebe o baptismo de fogo... De 19 a 21 de Março de 1967 participa numa operação dramática ao Buruntoni, junto ao Rio Buruntoni, afluente do Rio Corubal (Op Guindaste)(vd. carta do Xime).

Em Abril de 1967 a companhia dele está espelhada por Porto Gole, Enxalé e Bissá (a leste e a oeste, respectivamente, de Porto Gole). Em 15 de Abril de 1967, ele está em Porto Gole (sede de posto administrativo, antes da guerra) e escreve o seguinte:

"Dia trágico, este, para quantos se encontravam no inferno de Bissá... Em Porto Gole, estando de serviço à meia-noite, ouvi fortes rebentamentos, e enormes clarões, lá para as bandas de Bissá. Contudo não pude averiguar ao certo o local, onde durante mais de uma hora [houve] constante tiroteio (...). Procurámos entrar em contacto pela via rádio, mas eles não deram sinal, pelo que deduzimos ser alguma operação apoiada com os obuses Mansoa, como muitas vezes estamos habituados (...).

"De manhã, e como estava previsto, saíram os homens, que na véspera tinham chegado, mais alguns deste destacamento, cuja missão era levar para Bissá um abastecimento de alimentos e munições (...).

"Partiram às seis e às sete chegaram cá civis para nos informarem de que Bissá tinha sido atacado e havia feridos a necessitarem de ser evacuados de helicóptero, pois o rádio deles estava avariado desde o princípio e não podia dar comunicação para nós, e o nosso, naquele momento para cúmulo do azar, também não obteve ligação com o Comando em Enxalé, tendo de ir pessoal em duas viaturas até lá levar a mensagem, demorando portanto, o socorro.

"Por volta do meio-dia e picos, chegou o primeiro helicóptero, e para espanto nosso, com mortos e não feridos, como supúnhamos! Depois mais três aterragens: foram sete mortos no total, todos africanos.

O Rio Geba, junto a Porto Gole. Do outro lado, a margem esquerda. Mais à frente, para leste, o Rio Corubal vai desaguar no Rio Geba. © Jorge Neto (2005)


"Houve mais cinco feridos, sendo quatro nativos do Pelotão da Polícia Administrativa, e um branco da nossa companhia, que foi evacuado para Bissau.

"Mas aconteceu o que não esperávamos, e eu confesso: apesar de estar cá há pouco tempo, vieram-me as lágrimas aos olhos. Houve choro de todos, com gritos e desmaios das mulheres que, como que adivinhando o que aconteceu, entraram de rompante dentro do destacamento, numa altura em que procedíamos à pesagem de peixe fresco chegado do rio... Tinha morrido um capitão de 2ª linha, mais seis homens nativos, todos pertencentes à Polícia Administrativa e todos eles com as famílias cá na Tabanca em Porto Gole. Morria o homem, em quem se tinham fortes esperanças, para acabar com a guerrilha inimiga na zona, o capitão Abna Na Onça, por ser corajoso e respeitado por negros e brancos. Um homem que desde o início da guerra vinha enfrentando, com máxima inteligência, aqueles que o fizeram sofrer, matando-lhe toda a família".

Em 21 de Dezembro de 1967, o comando da companhia passa do Enxalé para Porto Gole. Em Fevereiro de 1968 vamos encontra o Abel Rei de férias em Bissau, alojado na nossa conhecida Pensão Chantre. A companhia, entrento, timnha sofirdo uam série de baixas...

Em 2 de Junho de 1968, o nosso camarada escreve o seguinte no seu diário:

"Hoje esteve cá, Sua Ex.ª o Sr. Brigadeiro Spínola, Governador e Comandante - Chefe das Forças Armadas; que se encontra nestas terras, há pouco mais de uma semana. Permaneceu algumas horas em reunião confidencial, com os nossos comandos (...)".

Três dias antes a companhia de Porto Gole tinha participado, juntamente com uma outra, de Mansoa (a Companhia 2335), numa "fatídica patrulha" na mata de Seé. Cercadas pelo IN, as NT tiveram tiveram várias baixas (incluindo o capitão da Companhia 2335). E um dos homens de Mansoa foi aprisionado, tendo sido levado para Conacri.


O nosso camarada Abel Rei (que eu gostaria de convidar para pertencer à nossa tertúlia). De férias, em Bissau. Fevereiro de 1968.

© Carlos Barros (1997-2005).

Com a devida vénia e os agradecimentos da nossa tertulia. Fonte: Marinha Grande > Palavras & Imagens > Personalidades Marinhenses > Biografias > A > Abel de Jesus Carreira Rei > 14/02/1968: Férias em Bissau .


Finalmente, em 20 de Novembro de 1968, o Abel Rei está de regresso a casa e escreve a bordo do N/M Uíge as últimas linhas do seu diário, prestando uma bonita e singela homenagem aos seus camaradas, vivos e mortos:

"Nada paga tão imensa alegria, a de podermos regressar ao lar, e esquecermos tantas e tantas horas que passámos sem dormir, atentos ao inimigo, e depois de o termos aguentado, acarinharmos os nossos camaradas feridos ou chorarmos os [nossos] mortos.

"A estes últimos, os heróis desconhecidos desta guerra, aqueles que mais ninguém recordará, a não ser os pais, irmãos, esposas e filhos, a estes, a minha modesta homenagem que se resume a desejar-lhes Eterno Descanso. Irmãos de meses difíceis desta tropa, a minha lembrança por vocês, perdurará em mim eternamente, pois eu podia ter sido um de vós!"...

É um diário que vale a pena ler, com mais detalhe e atenção...


2. Mas agora pergunto eu: que companhia seria esta que estva na época em Porto Gole, Enxalé e Bissá ? O nosso amigo Jorge Neto acaba de nos mandar fotos de Porto Gole (que inserimos neste post), incluindo as de um monumento erigida pela CART 1661, que ali esteve nessa época (1967/68). Só pode ser a unidade do nosso cabo Abel Rei...

Guiné-Bissau > Porto Gole (2005) > Monumento erigido pela CART 1661 (Porto Gole, Enxalé, Bissá, 1967/68).

Dizeres, gravados na base do moumento, empdra: "Para ti, soldado, o testemunho do teu esforço".

Esta companhia era seguramente a do 1º cabo Abel Rei. Seria bom que as autoridades guineenses e a população em geral protegessem estes monumentos singelos que fazem parte de uma memória comum. Vou pedir ao Jorge Neto que sensibilize os seus leitores da Guiné-Bissau para o valor histórico, cultural e até turístico que têm estes testemunhos da passagem dos tugas por estas terras...


© Jorge Neto (2005)




Brazão da CART 1661 (Porto Gole, Enxalé, Bissá, 1967/68). Dizeres, inscritos na chapa em bronze: Coragem, Esperança.

© Jorge Neto (2005)

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(1) Vd. post de 1 de Maio 2005 > Guiné 69/71 - X: Memórias de Fá, Xime, Enxalé, Porto Gole, Bissá, Mansoa

1 comentário:

Cabo Lobo disse...

A minha companhia, Cart 1660, foi destacada durante um mês em finais de 1967 para Porto Gole logo a seguir às mortes que aconteceram na Cart 1661. Fizemos várias OP a partir de lá nomeadamente no sarauol. Felizmente sem consequências.