14 abril 2005

SOS Assédio - II: O meu nome é H...

1. Mensagem recebida por e-mail, ontem, 13 de Abril de 2005, às 16.45h:

"Boa tarde!

"O meu nome é H..., tenho 30 anos e venho por este meio pedir mais informação sobre o assédio moral no trabalho, que desconhecia até ver na SIC Mulher [ o programa Elas em Marte, apresentado por Ana Marques, das 18h às 19h, no dia 7 de Abril de 2005, e que foi dedicado ao tema do Mobbing/Assédio no Local de Trabalho, tendo contado com a presença de Cláudia Cardoso, Luís Graça e Maria do Rosário Ramalho].

"Eu há um ano que fui despedido, por ter faltado ao trabalho, por stresse, causado pelo excesso de trabalho, por ter tido algumas pressões e exigências da empresa e até minhas (medo de perder o trabalho).

"O que se passou foi o seguinte: em 2004 a empresa cresceu muito rápido, vendo-se obrigada a mudar os horários do funcionamento de algumas secções. Aí foi quando começou o problema. Ou seja, houve uma pequena reunião do pessoal da secção onde eu trabalhava e fizeram como que um ultimato aos empregados: ou nós aceitávamos trabalhar por turnos e trabalhar ao fim-de-semana, ou então eramos excluídos do grupo. Nós aceitámos porque tínhamos medo de ser despedidos.

"Ao fim de algum tempo as pessoas ficam cansadas e a precisar de descanso, depois de estar a trabalhar, de 2ª a 6ª feira, mais de 8 horas, e ao fim-de-semana outras 8 horas (exigência da empresa). Até que um dia faltei ao trabalho, por já não andar bem. Fui falar com o meu chefe de secção a explicar o motivo porque faltei e a empresa aceitou-me de volta. Mais tarde, isto já em 2005, voltei a faltar ao trabalho, mas desta vez fui ao médico de família pedir baixa. Andei de baixa algum tempo e, depois de me sentir melhor, tentei voltar ao trabalho, mas desta vez fui transferido para outra secção.

"Na outra secção, houve um período de adaptação do novo trabalho que tinha que fazer, onde era pressionado por duas pessoas, uma a dizer-me para trabalhar mais rápido e outra a criticar-me por ir beber café, coisas assim.

"Pouco tempo depois saí pela porta fora e não quis saber mais do trabalho. Como é normal fui despedido, mas o mais grave foi ter ficado doente. Entrei em depressão profunda, isolei-me do mundo, não queria ver e falar com ninguém, maltratava verbalmente a minha família, fugi de casa 2 vezes e até tentei o suicídio uma vez (não me matei porque não encontrei o revólver do meu pai). Neste período andei em neurologistas, psiquiatras, psicólogos, tudo pago pelos meus pais.

"Depois deste paleio todo, o que quero saber é que até que ponto o que me aconteceu é assédio moral? Quais são os meus direitos? O que devo fazer para melhorar a minha situação, no campo emocional, psicológico e até profissional? O que se pode fazer aos outros empregados que ficaram a trabalhar nessa empresa?

"Obrigado pela sua atenção".

2. Comentário:

As minhas primeiras palavras são de simpatia e de solidariedade para com este jovem, que me relata uma dramática experiência profissional. Não sou médico, nem psicólogo, nem terapeuta, nem jurista, pelo que não o poderei ajudar muito, a nível pessoal. Só espero que hoje esteja melhor, e que se sinta capaz de encontrar a tão necessária "luz ao fundo túnel". O facto de ter procurado a ajuda de profissionais de saúde e de contar com o apoio da família é, já por si, encorajante. Esta experiência culminou numa crise grave, de que o H... felizmente conseguiu sair. E a prova é o seu testemunho.

Quanto ao que me pergunta: Isto foi um caso típico de assédio moral ? Faltam-me mais dados (incluindo o conhecimento do contexto) para lhe responder honestamente. Não podemos confundir assédio com o exercício (legítimo) do poder hierárquico e disciplinar.

Socorro-me aqui da autoridade de Marie-France Hirigoyen, uma psiquiatra francesa, especialista em apoio à vítima, para quem o assédio moral no trabalho define-se como sendo “qualquer comportamento abusivo (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, pela sua repetição ou pela sua sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, pondo em perigo o seu emprego ou degradando o clima de trabalho” (Hirigoyen, 2002. 14-15).

Mais concretamente, o assédio moral no trabalho deve ter as seguintes características: (i) um comportamento de intimidação e de hostilidade, (ii) reiterado, (iii) consciente, (iv) sistemático, (v) prolongado no tempo, (vi) e que visa, em última análise, pôr em causa a capacidade da vítima (colega ou subordinado) para se manter no emprego e cumprir as suas obrigações profissionais. É "uma violência em pequenos golpes", a conta gotas, que passa muitas vezes despercebida, mas é muito destruidora: "é o efeito cumulativo de microtraumatismos frequentes e repetidos que constitui a agressão" (Hirigogyen, 2002.15).

As consequências são graves, em muitos casos, como se depreende desta história pessoal do H... O que se pode fazer para melhorar a situação da vítima, a nível emocional, legal e profissional ? Esta é uma pergunta difícil.

O H... não estava, em condições, na altura, de "ir à luta", de pedir ajuda, de denunciar a situação, tendo optado por "bater com a porta" e por romper, unilateralmente, o seu contrato de trabalho.

Mas aqui falta-nos também o ponto de vista do jurista... Não é o meu domínio... Agradeço, em todo o caso, o seu depoimento. Espero que o tenho ajudado a romper o muro (do sofrimento, da dor, do sofrimento, do silêncio e às vezes até da culpa e da vergonha). Espero que o relato da sua experiência também possa ajudar outras pessoas, e nomeadamente os homens e as mulheres que neste país são vítimas de violação sistemática da sua dignidade e dos seus direitos humanos no local da trabalho, e de exposição a factores de risco psicossocial como o assédio e outras formas de violência no trabalho.

SOS Assédio - II: O meu nome é H...

1. Mensagem recebida por e-mail, ontem, 13 de Abril de 2005, às 16.45h:

"Boa tarde!

"O meu nome é H..., tenho 30 anos e venho por este meio pedir mais informação sobre o assédio moral no trabalho, que desconhecia até ver na SIC Mulher [ o programa Elas em Marte, apresentado por Ana Marques, das 18h às 19h, no dia 7 de Abril de 2005, e que foi dedicado ao tema do Mobbing/Assédio no Local de Trabalho, tendo contado com a presença de Cláudia Cardoso, Luís Graça e Maria do Rosário Ramalho].

"Eu há um ano que fui despedido, por ter faltado ao trabalho, por stresse, causado pelo excesso de trabalho, por ter tido algumas pressões e exigências da empresa e até minhas (medo de perder o trabalho).

"O que se passou foi o seguinte: em 2004 a empresa cresceu muito rápido, vendo-se obrigada a mudar os horários do funcionamento de algumas secções. Aí foi quando começou o problema. Ou seja, houve uma pequena reunião do pessoal da secção onde eu trabalhava e fizeram como que um ultimato aos empregados: ou nós aceitávamos trabalhar por turnos e trabalhar ao fim-de-semana, ou então eramos excluídos do grupo. Nós aceitámos porque tínhamos medo de ser despedidos.

"Ao fim de algum tempo as pessoas ficam cansadas e a precisar de descanso, depois de estar a trabalhar, de 2ª a 6ª feira, mais de 8 horas, e ao fim-de-semana outras 8 horas (exigência da empresa). Até que um dia faltei ao trabalho, por já não andar bem. Fui falar com o meu chefe de secção a explicar o motivo porque faltei e a empresa aceitou-me de volta. Mais tarde, isto já em 2005, voltei a faltar ao trabalho, mas desta vez fui ao médico de família pedir baixa. Andei de baixa algum tempo e, depois de me sentir melhor, tentei voltar ao trabalho, mas desta vez fui transferido para outra secção.

"Na outra secção, houve um período de adaptação do novo trabalho que tinha que fazer, onde era pressionado por duas pessoas, uma a dizer-me para trabalhar mais rápido e outra a criticar-me por ir beber café, coisas assim.

"Pouco tempo depois saí pela porta fora e não quis saber mais do trabalho. Como é normal fui despedido, mas o mais grave foi ter ficado doente. Entrei em depressão profunda, isolei-me do mundo, não queria ver e falar com ninguém, maltratava verbalmente a minha família, fugi de casa 2 vezes e até tentei o suicídio uma vez (não me matei porque não encontrei o revólver do meu pai). Neste período andei em neurologistas, psiquiatras, psicólogos, tudo pago pelos meus pais.

"Depois deste paleio todo, o que quero saber é que até que ponto o que me aconteceu é assédio moral? Quais são os meus direitos? O que devo fazer para melhorar a minha situação, no campo emocional, psicológico e até profissional? O que se pode fazer aos outros empregados que ficaram a trabalhar nessa empresa?

"Obrigado pela sua atenção".

2. Comentário:

As minhas primeiras palavras são de simpatia e de solidariedade para com este jovem, que me relata uma dramática experiência profissional. Não sou médico, nem psicólogo, nem terapeuta, nem jurista, pelo que não o poderei ajudar muito, a nível pessoal. Só espero que hoje esteja melhor, e que se sinta capaz de encontrar a tão necessária "luz ao fundo túnel". O facto de ter procurado a ajuda de profissionais de saúde e de contar com o apoio da família é, já por si, encorajante. Esta experiência culminou numa crise grave, de que o H... felizmente conseguiu sair. E a prova é o seu testemunho.

Quanto ao que me pergunta: Isto foi um caso típico de assédio moral ? Faltam-me mais dados (incluindo o conhecimento do contexto) para lhe responder honestamente. Não podemos confundir assédio com o exercício (legítimo) do poder hierárquico e disciplinar.

Socorro-me aqui da autoridade de Marie-France Hirigoyen, uma psiquiatra francesa, especialista em apoio à vítima, para quem o assédio moral no trabalho define-se como sendo “qualquer comportamento abusivo (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, pela sua repetição ou pela sua sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, pondo em perigo o seu emprego ou degradando o clima de trabalho” (Hirigoyen, 2002. 14-15).

Mais concretamente, o assédio moral no trabalho deve ter as seguintes características: (i) um comportamento de intimidação e de hostilidade, (ii) reiterado, (iii) consciente, (iv) sistemático, (v) prolongado no tempo, (vi) e que visa, em última análise, pôr em causa a capacidade da vítima (colega ou subordinado) para se manter no emprego e cumprir as suas obrigações profissionais. É "uma violência em pequenos golpes", a conta gotas, que passa muitas vezes despercebida, mas é muito destruidora: "é o efeito cumulativo de microtraumatismos frequentes e repetidos que constitui a agressão" (Hirigogyen, 2002.15).

As consequências são graves, em muitos casos, como se depreende desta história pessoal do H... O que se pode fazer para melhorar a situação da vítima, a nível emocional, legal e profissional ? Esta é uma pergunta difícil.

O H... não estava, em condições, na altura, de "ir à luta", de pedir ajuda, de denunciar a situação, tendo optado por "bater com a porta" e por romper, unilateralmente, o seu contrato de trabalho.

Mas aqui falta-nos também o ponto de vista do jurista... Não é o meu domínio... Agradeço, em todo o caso, o seu depoimento. Espero que o tenho ajudado a romper o muro (do sofrimento, da dor, do sofrimento, do silêncio e às vezes até da culpa e da vergonha). Espero que o relato da sua experiência também possa ajudar outras pessoas, e nomeadamente os homens e as mulheres que neste país são vítimas de violação sistemática da sua dignidade e dos seus direitos humanos no local da trabalho, e de exposição a factores de risco psicossocial como o assédio e outras formas de violência no trabalho.

SOS Assédio - I: Romper a barreira do sofrimento, da culpa e do silêncio

1. O assédio moral e outras formas de violência no local de trabalho não são de ontem nem de hoje mas agravam-se em épocas de crise e de mudança. Um indício disso é o facto de hoje se falar mais nestes fenómenos, de haver mais casos que chegam ao nosso conhecimento, de haver inclusivamente uma tentativa para lhe dar uma moldura legal, criminalizando este tipo de comportamentos.

Por exemplo, o nosso Código do Trabalho, que entrou em vigor a partir de 1 de Dezembro de 2003, consagra a figura do assédio e dá uma definição alargada (se bem que imprecisa) desta forma de violência.

Segundo o art. 24º (Assédio):

i) constitui discriminação o assédio a candidato a emprego e a trabalhador;

(ii) entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no nº1 do art. 23º, praticado aquando do acesso ao emprego, ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa, ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador;

(iii) constitui, em especial, assédio, todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior".

O nº 1 do artº 23º diz explicitamente que "o empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical".

2. Com o Código do Trabalho o legislador português procurou também transpor a Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, a qual veio estabelecer o quadro legal de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional. O art. 24º vem consagrar um conceito mais alargado de assédio, que já não é apenas sexual, mas pode também ter por motivo a orientação sexual da vítrima, a idade, a etnia ou outro atributo sociodemográfico.

Em teoria, não cabe à vítima de assédio fazer o ónus da prova. Na prática, continua a ser muito difícil falar destes comportamentos de hostilidade e intimidação e sobretudo criminalizar o assédio, seja ele praticado pelo empregador e/ou seus representantes, ou seja ele imputado aos colegas de trabalho da vítima...

3. Há um anoa trás recebi um pedido de ajuda, bastante dramático, de alguém, uma mulher, que estava a ser alvo de comportamentos de intimação no seu local de trabalho. Falei com ela pelo telefone, e dei-lhe o conforto e a solidariedade possíveis. Nestas situações, o mais importante é saber ouvir mais do que falar... Dei-lhe também algumas dicas, por e-mail: Por exemplo, falei-lhe de Marie France Hirigoyen, a psiquiatra francesa que tem dois livros publicados em Portugal, e que tive o prazer o conhecer pessoalmente em Lisboa, poor ocasião do 7º Fórum Nacional da Medicina do Trabalho, que se realizou em 2003.

Marie-France Hirigoyen é hoje reconhecida como uma autoridade a nível mundial neste domínio. Aconselhei a minha interlocutora, vítima de assédio no seu local de trabalho, a comprar o livro mais recente da Marie-France. O livro, editado pela Pergaminho, custa à volta de 15 euros. "É excepcional, você vai reconhecer-se nele... Pode ajudá-la a defender-se e sobretudo a sobreviver em toda esta história, com saúde mental, que é o mais importante".

Aqui ficam, para outros interessados, as referências bibliográficas:

Hirigoyen, M.-F. (1999). Assédio, Coacção e Violência no Quotidiano. Lisboa: Pergaminho.
Hirigoyen M.-F. (2002). O Assédio no Trabalho - Como Distinguir a Verdade. Lisboa: Pergaminho.

Veja-se também o sítio oficial, na Net, de Marie-France Hirigoyen, em francês. Há um grupo de profissionais brasileiros, ligados à saúde e segurança do trabalho, que também têm um excelente sítio sobre este tópico: Assédio moral no trabalho: chega de humilhação!

Em inglês há muito mais bibliografia em diversos sites.


4. Recebi logo a seguir a resposta desta jovem, ndoutorada, ou doutoranda (já não posso precisar), a trabalhar precariamente no ensino superior). Eis alguns extractos do e-mail que me mandou:

" (...) Estou-lhe muito agradecida pela amabilidade e prontidão com que atendeu o meu pedido e por toda a informação que me enviou. Vou certamente comprar o livro que me aconselhou e também ver se consigo que o meu colega o leia pois, de facto, não sabemos ambos como lidar com a situação.

"Apenas tive oportunidade de dar uma vista de olhos [aos sites citados. Num deles] é referido que muitos autores e a generalidade das pessoas que foram vítimas de assédio recomendam a mudança de emprego como medida de preservação da saúde física e mental. Como concordo com esta afirmação, esta questão é para mim a mais preocupante. Tenho consciência de que tanto eu como o meu colega não o conseguiremos fazer rapidamente uma vez que, na nossa área, há inclusivamente doutorados a candidatar-se a bolsas anuais de 150 contos e maior parte das pessoas chega a levar anos a encontrar um emprego que, na maioria das vezes, é tão ou mais precário que o nosso. Dedicámos também já muito trabalho ao emprego que temos e à progressão na carreira, conseguindo isto à custa de muito sofrimento pessoal e das nossas famílias. Acho, por isso, está mesmo na altura de ler o livro que me recomendou.

"Também já me apercebi que a maioria das pessoas que se encontra na nossa situação não fala a maior parte das vezes do seu caso e, por isso, estamos ainda mais isolados. O sigilo obriga-nos ainda a isolar-nos mais e, por isso, penso que o melhor é recorrer directamente aos serviços jurídicos dos sindicatos que mencionou" (por ex., sindicatos dos professores, sindicatos da função pública).

5. Infelizmente, para além do apoio jurídico, muitas das pessoas que são vítimas de violência no local de trabalho (e mais concretamente de assédio, sexual ou moral), também precisam de apoio clínico e psicoterapêutico. Repare-se que esta violência não é, em princípio, física, mas sobretudo psicológica. Há várias desiganções para este fenómeno, nas nossas línguas europeias: harrassement, mobbing, bullying, assédio, terrorismo organizacional, intimidação... Gosto particularmente do termo castelhano acoso ... A vítima de assédio moral no local de trabalho sente-se, em muitos casos, como um "animal acossado"!

E a verdade é que os nossos serviços de saúde (a começar pelos Serviços de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, mas também o Serviço Nacional de Saúde) não estão ainda sensibilizados e preparados para lidar com estes casos. Considero, no entanto, que o médico de família, nos centros de saúde, e o médico do trabalho, nos serviços de saúde/medicina do trabalho, podem e devem ter uma intervenção qualificada nestes casos.

6. Infelizmente, este é um mundo de sigilo, silêncio, solidão, vergonha, medo... Mas é bom que falemos bem alto destas coisas, porque elas também parte do tripaliu(m) que mata a gente .

Foi a pensar nestas pessoas, portugueses ou não, vítimas de uma nova forma de violência que está a aumentar nas nossas empresas e demais organizações, que eu passo a ter aqui uma nova secção: SOS Assédio. A intenção é apenas a de acolher e divulgar os casos de assédio ou de outras formas de violência, física, verbal ou psicológica. De qualquer modo, há uma barreira que é preciso romper: a do sofrimento, da culpa e do silêncio.

Sobre este tema também pode ser consultada a minha página na Net, e em particular o texto "Factores de risco psicossocial no trabalho: assédio moral e outras formas de violência".

SOS Assédio - I: Romper a barreira do sofrimento, da culpa e do silêncio

1. O assédio moral e outras formas de violência no local de trabalho não são de ontem nem de hoje mas agravam-se em épocas de crise e de mudança. Um indício disso é o facto de hoje se falar mais nestes fenómenos, de haver mais casos que chegam ao nosso conhecimento, de haver inclusivamente uma tentativa para lhe dar uma moldura legal, criminalizando este tipo de comportamentos.

Por exemplo, o nosso Código do Trabalho, que entrou em vigor a partir de 1 de Dezembro de 2003, consagra a figura do assédio e dá uma definição alargada (se bem que imprecisa) desta forma de violência.

Segundo o art. 24º (Assédio):

i) constitui discriminação o assédio a candidato a emprego e a trabalhador;

(ii) entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no nº1 do art. 23º, praticado aquando do acesso ao emprego, ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa, ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador;

(iii) constitui, em especial, assédio, todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior".

O nº 1 do artº 23º diz explicitamente que "o empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical".

2. Com o Código do Trabalho o legislador português procurou também transpor a Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, a qual veio estabelecer o quadro legal de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional. O art. 24º vem consagrar um conceito mais alargado de assédio, que já não é apenas sexual, mas pode também ter por motivo a orientação sexual da vítrima, a idade, a etnia ou outro atributo sociodemográfico.

Em teoria, não cabe à vítima de assédio fazer o ónus da prova. Na prática, continua a ser muito difícil falar destes comportamentos de hostilidade e intimidação e sobretudo criminalizar o assédio, seja ele praticado pelo empregador e/ou seus representantes, ou seja ele imputado aos colegas de trabalho da vítima...

3. Há um anoa trás recebi um pedido de ajuda, bastante dramático, de alguém, uma mulher, que estava a ser alvo de comportamentos de intimação no seu local de trabalho. Falei com ela pelo telefone, e dei-lhe o conforto e a solidariedade possíveis. Nestas situações, o mais importante é saber ouvir mais do que falar... Dei-lhe também algumas dicas, por e-mail: Por exemplo, falei-lhe de Marie France Hirigoyen, a psiquiatra francesa que tem dois livros publicados em Portugal, e que tive o prazer o conhecer pessoalmente em Lisboa, poor ocasião do 7º Fórum Nacional da Medicina do Trabalho, que se realizou em 2003.

Marie-France Hirigoyen é hoje reconhecida como uma autoridade a nível mundial neste domínio. Aconselhei a minha interlocutora, vítima de assédio no seu local de trabalho, a comprar o livro mais recente da Marie-France. O livro, editado pela Pergaminho, custa à volta de 15 euros. "É excepcional, você vai reconhecer-se nele... Pode ajudá-la a defender-se e sobretudo a sobreviver em toda esta história, com saúde mental, que é o mais importante".

Aqui ficam, para outros interessados, as referências bibliográficas:

Hirigoyen, M.-F. (1999). Assédio, Coacção e Violência no Quotidiano. Lisboa: Pergaminho.
Hirigoyen M.-F. (2002). O Assédio no Trabalho - Como Distinguir a Verdade. Lisboa: Pergaminho.

Veja-se também o sítio oficial, na Net, de Marie-France Hirigoyen, em francês. Há um grupo de profissionais brasileiros, ligados à saúde e segurança do trabalho, que também têm um excelente sítio sobre este tópico: Assédio moral no trabalho: chega de humilhação!

Em inglês há muito mais bibliografia em diversos sites.


4. Recebi logo a seguir a resposta desta jovem, ndoutorada, ou doutoranda (já não posso precisar), a trabalhar precariamente no ensino superior). Eis alguns extractos do e-mail que me mandou:

" (...) Estou-lhe muito agradecida pela amabilidade e prontidão com que atendeu o meu pedido e por toda a informação que me enviou. Vou certamente comprar o livro que me aconselhou e também ver se consigo que o meu colega o leia pois, de facto, não sabemos ambos como lidar com a situação.

"Apenas tive oportunidade de dar uma vista de olhos [aos sites citados. Num deles] é referido que muitos autores e a generalidade das pessoas que foram vítimas de assédio recomendam a mudança de emprego como medida de preservação da saúde física e mental. Como concordo com esta afirmação, esta questão é para mim a mais preocupante. Tenho consciência de que tanto eu como o meu colega não o conseguiremos fazer rapidamente uma vez que, na nossa área, há inclusivamente doutorados a candidatar-se a bolsas anuais de 150 contos e maior parte das pessoas chega a levar anos a encontrar um emprego que, na maioria das vezes, é tão ou mais precário que o nosso. Dedicámos também já muito trabalho ao emprego que temos e à progressão na carreira, conseguindo isto à custa de muito sofrimento pessoal e das nossas famílias. Acho, por isso, está mesmo na altura de ler o livro que me recomendou.

"Também já me apercebi que a maioria das pessoas que se encontra na nossa situação não fala a maior parte das vezes do seu caso e, por isso, estamos ainda mais isolados. O sigilo obriga-nos ainda a isolar-nos mais e, por isso, penso que o melhor é recorrer directamente aos serviços jurídicos dos sindicatos que mencionou" (por ex., sindicatos dos professores, sindicatos da função pública).

5. Infelizmente, para além do apoio jurídico, muitas das pessoas que são vítimas de violência no local de trabalho (e mais concretamente de assédio, sexual ou moral), também precisam de apoio clínico e psicoterapêutico. Repare-se que esta violência não é, em princípio, física, mas sobretudo psicológica. Há várias desiganções para este fenómeno, nas nossas línguas europeias: harrassement, mobbing, bullying, assédio, terrorismo organizacional, intimidação... Gosto particularmente do termo castelhano acoso ... A vítima de assédio moral no local de trabalho sente-se, em muitos casos, como um "animal acossado"!

E a verdade é que os nossos serviços de saúde (a começar pelos Serviços de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, mas também o Serviço Nacional de Saúde) não estão ainda sensibilizados e preparados para lidar com estes casos. Considero, no entanto, que o médico de família, nos centros de saúde, e o médico do trabalho, nos serviços de saúde/medicina do trabalho, podem e devem ter uma intervenção qualificada nestes casos.

6. Infelizmente, este é um mundo de sigilo, silêncio, solidão, vergonha, medo... Mas é bom que falemos bem alto destas coisas, porque elas também parte do tripaliu(m) que mata a gente .

Foi a pensar nestas pessoas, portugueses ou não, vítimas de uma nova forma de violência que está a aumentar nas nossas empresas e demais organizações, que eu passo a ter aqui uma nova secção: SOS Assédio. A intenção é apenas a de acolher e divulgar os casos de assédio ou de outras formas de violência, física, verbal ou psicológica. De qualquer modo, há uma barreira que é preciso romper: a do sofrimento, da culpa e do silêncio.

Sobre este tema também pode ser consultada a minha página na Net, e em particular o texto "Factores de risco psicossocial no trabalho: assédio moral e outras formas de violência".

13 abril 2005

Portugas que merecem as nossas palmas - XVI: O Serviço Jesuíta aos Refugiados

1. "Cada vez mais, o nosso Gabinete Social é solicitado pelos Hospitais para arranjarmos solução para os imigrantes doentes, que ali se encontram internados, que não têm família em Portugal e que estão em vias de terem alta 'clínica', mas longe de terem alta 'social'. Em desespero de causa, muitos imigrantes são deixados pelos Hospitais à porta do nosso serviço, para que lhes encontremos uma resposta de vida mais digna em Portugal. Não é tarefa fácil, porque eles se encontram ainda visivelmente debilitados. Só graças ao grande esforço da nossa técnica, em conjunto com o de organizações parceiras, se vão encontrando algumas soluções para a vida destas pessoas.

"Também os outros serviços do JRS têm sido igualmente muito procurados, pelo que precisávamos de um reforço dos nossos recursos humanos. Neste novo ano lectivo, são vários os estagiários dos cursos de Política Social, de Serviço Social, de Sociologia e de Relações Internacionais que entraram para o JRS. Estes jovens terão aqui um primeiro contacto com a vida laboral e com a realidade social, através da problemática da imigração. Neste Boletim temos o testemunho de alguns deles".

Notícias do JSR - Boletim trimestral do JRS-Portugal. 7 (Julho-Setembro de 2004). Directora: Rosário Farmhouse.


2. O Serviço Jesuíta aos Refugiados (Estrada da Torre, 26 – 1750-296 Lisboa; telef. 21 754 16 20, Fax 21 754 16 25;e-mail: jrs-portugal@netcabo.pt) é uma organização internacional da Igreja Católica, sob a responsabilidade da Companhia de Jesus (vulgo, jesuítas).

O JSR (do inglês, Jesuit Refugee Service) foi fundado em 1980 pelo então Superior Geral da Companhia de Jesus, o Padre Pedro Arrupe, tocado pelo drama dos boat people, os refugiados vietnamitas, largamente noticiado na época.

O JRS tem como missão "acompanhar, servir e defender" (sic) os direitos das pessoas refugiadas e deslocadas à força, em qualquer parte do mundo. Está presente em 70 países, incluindo o espaço lusófono (Portugal, Angola, Brasil e Timor Leste).

O que se entende por servir, acompanhar e defender ?

(i) ao servir, o JRS procura "resolver os principais problemas que atingem tais pessoas, em síntese, nas áreas do social, da saúde, do emprego, do foro jurídico, da educação";

(ii) o acompanhar quer dizer "estar presente nos momentos mais difíceis, dando primazia ao diálogo com as pessoas envolvidas, ouvindo as suas angústias e problemas, orientando-as nos passos que têm que dar para darem solução aos seus problemas, estando a seu lado, sempre que necessário";

e, por fim, (iii) defender é promover a "defesa dos direitos dos refugiados e deslocados à força (...), não só nas zonas de conflito, mas também a nível internacional, sempre que tal se torna necessário e possível".

Em Portugal, que é um país actualmente não de acolhimento de refugidados, como sobretudo de imigração, destaca-se o seu programa de apoio ao emprego, para além da assistência médica e do apoio jurídico e psicossocial. Na sua página na Net, o seu apelo nº 1 é "Empregos precisam-se!". Cerca de sessenta pessoas, nomeadamente imigrantes do leste Europeu, procuram diariamente o JSR.

Um outro programa, coordenado com sucesso pelo JRS, tem sido o da creditação e de inserção de médicos e de enfermeiros do leste Europeu no nosso sistema de saúde.

3. As pessoas que lá trabalham, a começar pela sua directora, a antropóloga Rosário Farmhouse, merecem as minhas, as nossas palmas. Elas, de facto, dão voz a quem a não tem.


Para saberes mais os problemas dos imigrantes em Portugal, consulta:

ACIME - Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas

Observatório da Imigração

Programa do XVII Governo Constitucional > Novas Políticas Sociais > Para uma política de imigração inclusiva

SOS Racismo

Portugas que merecem as nossas palmas - XVI: O Serviço Jesuíta aos Refugiados

1. "Cada vez mais, o nosso Gabinete Social é solicitado pelos Hospitais para arranjarmos solução para os imigrantes doentes, que ali se encontram internados, que não têm família em Portugal e que estão em vias de terem alta 'clínica', mas longe de terem alta 'social'. Em desespero de causa, muitos imigrantes são deixados pelos Hospitais à porta do nosso serviço, para que lhes encontremos uma resposta de vida mais digna em Portugal. Não é tarefa fácil, porque eles se encontram ainda visivelmente debilitados. Só graças ao grande esforço da nossa técnica, em conjunto com o de organizações parceiras, se vão encontrando algumas soluções para a vida destas pessoas.

"Também os outros serviços do JRS têm sido igualmente muito procurados, pelo que precisávamos de um reforço dos nossos recursos humanos. Neste novo ano lectivo, são vários os estagiários dos cursos de Política Social, de Serviço Social, de Sociologia e de Relações Internacionais que entraram para o JRS. Estes jovens terão aqui um primeiro contacto com a vida laboral e com a realidade social, através da problemática da imigração. Neste Boletim temos o testemunho de alguns deles".

Notícias do JSR - Boletim trimestral do JRS-Portugal. 7 (Julho-Setembro de 2004). Directora: Rosário Farmhouse.


2. O Serviço Jesuíta aos Refugiados (Estrada da Torre, 26 – 1750-296 Lisboa; telef. 21 754 16 20, Fax 21 754 16 25;e-mail: jrs-portugal@netcabo.pt) é uma organização internacional da Igreja Católica, sob a responsabilidade da Companhia de Jesus (vulgo, jesuítas).

O JSR (do inglês, Jesuit Refugee Service) foi fundado em 1980 pelo então Superior Geral da Companhia de Jesus, o Padre Pedro Arrupe, tocado pelo drama dos boat people, os refugiados vietnamitas, largamente noticiado na época.

O JRS tem como missão "acompanhar, servir e defender" (sic) os direitos das pessoas refugiadas e deslocadas à força, em qualquer parte do mundo. Está presente em 70 países, incluindo o espaço lusófono (Portugal, Angola, Brasil e Timor Leste).

O que se entende por servir, acompanhar e defender ?

(i) ao servir, o JRS procura "resolver os principais problemas que atingem tais pessoas, em síntese, nas áreas do social, da saúde, do emprego, do foro jurídico, da educação";

(ii) o acompanhar quer dizer "estar presente nos momentos mais difíceis, dando primazia ao diálogo com as pessoas envolvidas, ouvindo as suas angústias e problemas, orientando-as nos passos que têm que dar para darem solução aos seus problemas, estando a seu lado, sempre que necessário";

e, por fim, (iii) defender é promover a "defesa dos direitos dos refugiados e deslocados à força (...), não só nas zonas de conflito, mas também a nível internacional, sempre que tal se torna necessário e possível".

Em Portugal, que é um país actualmente não de acolhimento de refugidados, como sobretudo de imigração, destaca-se o seu programa de apoio ao emprego, para além da assistência médica e do apoio jurídico e psicossocial. Na sua página na Net, o seu apelo nº 1 é "Empregos precisam-se!". Cerca de sessenta pessoas, nomeadamente imigrantes do leste Europeu, procuram diariamente o JSR.

Um outro programa, coordenado com sucesso pelo JRS, tem sido o da creditação e de inserção de médicos e de enfermeiros do leste Europeu no nosso sistema de saúde.

3. As pessoas que lá trabalham, a começar pela sua directora, a antropóloga Rosário Farmhouse, merecem as minhas, as nossas palmas. Elas, de facto, dão voz a quem a não tem.


Para saberes mais os problemas dos imigrantes em Portugal, consulta:

ACIME - Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas

Observatório da Imigração

Programa do XVII Governo Constitucional > Novas Políticas Sociais > Para uma política de imigração inclusiva

SOS Racismo