21 maio 2005

Guiné 69/71 - XXIII: Os anjos da morte

Excertos do diário de um tuga:

Bambadinca, 20 de Agosto de 1969:


Nisto os páras são bons. Têm de ser bons. Tiram efeito do factor surpresa. Do terror que vem dos ares. Como os anjos do céu das visões místicas de Santa Teresinha, empunhando espadas de fogo, eles caem fulminantes sobre o objectivo e em poucos minutos desbaratam o IN ou obrigam-no a uma retirada desastrosa. Os seus contactos com tudo o que mexe no chão são breves mas mortais. Vejo nos meus camaradas, milicianos, uma secreta, inconfessável, admiração por esta elite da tropa.

A nós, tropa-macaca, puseram-nos no anfiteatro, em semicírculo, nas proximidades da bolanha do Rio Biesse. Eles são os actores, nós os espectadores. Quando muito somos simples figurantes. É uma peça de teatro com três actos. Acto final: um heliassalto, a presa, os roncos... Eles são chitas, especialistas nos 100 metros. Nós, somos chacais, verdadeiros corredores de fundo. Eu cheiro a merda que tresando, aqui postado na orla da mata.

Há um mês que andamos pela região de Camará [ a nordeste de Mansambo, no regulado de Badora, no limite do Sector L1] em patrulhamentos ofensivos. De dia e de noite, ao calor e à chuva, como uma matilha de cães a reconhecer o terreno, a bater a coutada, a farejar a caça, para depois virem os anjos do céu, em formação, em voso raso sobre os palmares, cair sobre as pobres presas encurraladas.

A primeira vaga é lançada a oeste da bolanha, penetrando os paras logo de imediato na espessa mata que se estende para sul e onde há dias tínhamos localizado um acampamento. Eles vêm de Bafatá, de helicóptero. Impecáveis no seu fato camuflado de arcanjos da morte. Frescos, perfumados.

Devido ao mau tempo, os T-6 não puderam bombardear previamente a zona. De qualquer modo, o helicanhão, aterrador como um dragão alado, lança o pânico entre os guerrilheiros, pondo-os em debanbandada, enquanto na estrada as forças de Mansanbo fecham o cerco, cortando uma possível retirada para Biro, do outro lado da estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole.

Cinco minutos depois é capturado um guerrilheiro armado de RPG-2. Do interrogatório sumário, os paras arrancam-lhe poucas informações. Diz apenas chamar-se Malan Mané, pertencer a um bigrupo (reforçado, ou sejam, oitenta homens), comandado por Mamadu Indjai e disperso em pequenos grupos pela mata. Pelo apelido, Mané, parece-me ser mandinga. Ficará aqui preso em Bambadinca, depois de esprimido pelos paras e pelos pides.

Sucedem-se mais duas vagas de helicópteros e os paras passam então a percorrer a mata no sentido norte-sul. Ouvem-se tiros de rajada, para além do matraquear do helicanhão: são feitos dois mortos e capturadas três armas automáticas. Fraco resultado, fraco ronco, para tanto aparato bélico. Afinal, trata-se de uma operação a nível de agrupamento, envolvendo o sector L1 (Bambadinca) e o COP 7 (Bafatá).E, no mínimo,o combate não é leal: há um guerrilheiro para cinco combatentes nossos...

Quanto a acampamentos ou arrecadações de material, nada de importante é detectado. Passado o efeito de surpresa, os guerrilheiros, dispersos em pequenos grupos, conseguem fugir da zona do heliassalto, e retiram-se muito provavelmente na direcção do Biro.

O pano cai sobre o palco: a tropa especial regressa a Bafatá, a tropa-macaca segue para Bambadinca e Mansambo.

PS - Soube-se mais tarde que Mamadu Indjai, o mítico comandante do Sector 2 no meu tempo, foi ferido com gravidade em trocas de tiros com as forças de Mansambo e evacuado. Fiquei com uma secreta admiração por este homem que nunca chegarei a conhecer. Nem sei se hoje está vivo ou morto, depois das lutas fraticidas que ocorreram no seio do PAIGC antes e depois da independência. Lisboa, 21.05.2005.

Guiné 69/71 - XXIII: Os anjos da morte

Excertos do diário de um tuga:

Bambadinca, 20 de Agosto de 1969:


Nisto os páras são bons. Têm de ser bons. Tiram efeito do factor surpresa. Do terror que vem dos ares. Como os anjos do céu das visões místicas de Santa Teresinha, empunhando espadas de fogo, eles caem fulminantes sobre o objectivo e em poucos minutos desbaratam o IN ou obrigam-no a uma retirada desastrosa. Os seus contactos com tudo o que mexe no chão são breves mas mortais. Vejo nos meus camaradas, milicianos, uma secreta, inconfessável, admiração por esta elite da tropa.

A nós, tropa-macaca, puseram-nos no anfiteatro, em semicírculo, nas proximidades da bolanha do Rio Biesse. Eles são os actores, nós os espectadores. Quando muito somos simples figurantes. É uma peça de teatro com três actos. Acto final: um heliassalto, a presa, os roncos... Eles são chitas, especialistas nos 100 metros. Nós, somos chacais, verdadeiros corredores de fundo. Eu cheiro a merda que tresando, aqui postado na orla da mata.

Há um mês que andamos pela região de Camará [ a nordeste de Mansambo, no regulado de Badora, no limite do Sector L1] em patrulhamentos ofensivos. De dia e de noite, ao calor e à chuva, como uma matilha de cães a reconhecer o terreno, a bater a coutada, a farejar a caça, para depois virem os anjos do céu, em formação, em voso raso sobre os palmares, cair sobre as pobres presas encurraladas.

A primeira vaga é lançada a oeste da bolanha, penetrando os paras logo de imediato na espessa mata que se estende para sul e onde há dias tínhamos localizado um acampamento. Eles vêm de Bafatá, de helicóptero. Impecáveis no seu fato camuflado de arcanjos da morte. Frescos, perfumados.

Devido ao mau tempo, os T-6 não puderam bombardear previamente a zona. De qualquer modo, o helicanhão, aterrador como um dragão alado, lança o pânico entre os guerrilheiros, pondo-os em debanbandada, enquanto na estrada as forças de Mansanbo fecham o cerco, cortando uma possível retirada para Biro, do outro lado da estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole.

Cinco minutos depois é capturado um guerrilheiro armado de RPG-2. Do interrogatório sumário, os paras arrancam-lhe poucas informações. Diz apenas chamar-se Malan Mané, pertencer a um bigrupo (reforçado, ou sejam, oitenta homens), comandado por Mamadu Indjai e disperso em pequenos grupos pela mata. Pelo apelido, Mané, parece-me ser mandinga. Ficará aqui preso em Bambadinca, depois de esprimido pelos paras e pelos pides.

Sucedem-se mais duas vagas de helicópteros e os paras passam então a percorrer a mata no sentido norte-sul. Ouvem-se tiros de rajada, para além do matraquear do helicanhão: são feitos dois mortos e capturadas três armas automáticas. Fraco resultado, fraco ronco, para tanto aparato bélico. Afinal, trata-se de uma operação a nível de agrupamento, envolvendo o sector L1 (Bambadinca) e o COP 7 (Bafatá).E, no mínimo,o combate não é leal: há um guerrilheiro para cinco combatentes nossos...

Quanto a acampamentos ou arrecadações de material, nada de importante é detectado. Passado o efeito de surpresa, os guerrilheiros, dispersos em pequenos grupos, conseguem fugir da zona do heliassalto, e retiram-se muito provavelmente na direcção do Biro.

O pano cai sobre o palco: a tropa especial regressa a Bafatá, a tropa-macaca segue para Bambadinca e Mansambo.

PS - Soube-se mais tarde que Mamadu Indjai, o mítico comandante do Sector 2 no meu tempo, foi ferido com gravidade em trocas de tiros com as forças de Mansambo e evacuado. Fiquei com uma secreta admiração por este homem que nunca chegarei a conhecer. Nem sei se hoje está vivo ou morto, depois das lutas fraticidas que ocorreram no seio do PAIGC antes e depois da independência. Lisboa, 21.05.2005.

20 maio 2005

Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho

1. Desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole (CART 2413). A coluna prosseguiu com apoio aéreo.

Nove meses depois, fez-se a abertura desse itinerário, mais exactamente a 4 de Agosto de 1969. Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Destacamento A.

Nessa operação, não foram encontradas minas nem abatizes mas o IN emboscou 1 Gr Com do Dest B, constituído por forças da CART 2413 do Xitole, na Ponte dos Fulas, quando as NT estavam a reabastecer-se de água.

O mês de Agosto de 1969 foi de actividade operacional intensa no regulado do Corubal, onde o IN se tinha instalado, dispondo de uma cadeia de acampamentos temporários que lhe dava ligação às suas bases mais recuadas, junto ao Rio Corubal, a oeste portanto da estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole.

Nesse mês, as tabancas em autodefesa de Afiá, Candamã e Camará, e as NT (CCAÇ 12 e CART 2339) tinham sido atacadas ou flageladas. Por exemplo, a 15 de Agosto, Camará tinha sido duramente atacada por um grupo IN, com armas automáticas, morteiro 82 e metralhadora pesada 12.7,, sofrendo a população (fula) três mortos e nove feridos.

A actividade operacional no mês de Agosto culminaria com a Op Nada Consta, em que intervieram forças paraquedistas, que fizeram um heli-assalto a um acampamento IN previamente identificado, na região de Camará, enquanto as restantes forças das NT (CCAÇ 12, PEL CAÇ 53 e CART 2339) faziam manobras de emboscada, cerco e eventual perseguição, nas proximidades da bolanha do Rio Biesse.

Tratou-se de uma operação conjunta do Sector L1 (Bambadinca) e do COP 7 (Zona Leste, Bafatá). Na primeira vaga de assalto, os paras fizeram um prisioneiro, armado de RGP-2, de seu nome Malan Mané. Através dele soube-se que no local havia 80 homens, comandados por Mamadu Indjai, dispersos em pequenos grupos pela mata. Nessa operação, o IN sofreu ainda dois mortos e vários feridos graves, entre os quais o seu comandante (soube-se mais tarde), vítima de emboscada pelas forças da CART 2339, montada no itinerário Mansambo-Xitole.

O IN retirou na direcção de Biro.Os paras foram a este acampamento no dia seguinte, capturando mais material.

2. A 30 de Agosto, os 1º, 3º e 4º Gr Comb da CCAÇ 12 fizeram um patrulhamento ofensivo na região do Rio Biesse, passando por Demba Ioba, Sambel Bere e Sinchã Mamadi, até à estrada de Mansambo. Ao longo trajecto, e utilizando o prisioneiro como guia, percorreram nada mais do que seis acampamentos do IN, recém-abandonados, ao longo de um trilho principal que conduzia à região de Biro.

No primeiro acampamento, encontrou-se o cadáver de um chefe IN, identificado pelo guia e prisioneiro, e que teria morrido em consequência de ferimentos recebidos em combate, durante a Op Nada Consta, a 18 de Agosto. Em escassos dias, em menos de duas semanas, as formigas carnívoras e os abutres tinham-no reduzido a um esqueleto desconjuntado. Vestia uma espécie de dólmen impermeável, ainda em bom estado, assim como as botas. Num outro acampamento a seguir, foi encontrado um maço de cartas escritas em árabe (Mamadu Indjai era mandinga e muçulmano), com a planta do aquartelamento de Mansambo, as posições da artilharia, a localização dos abrigos-casernas e dos espaldões de morteiro.

3. Para dar uma ideia do carácter quase pioneiro das primeiras colunas que a CCAÇ 12 efectuou na estrada Mansambo-Xitole, com viaturas exclusivamente militares e num itinerário em muitos troços intransitável, esburacado pelas minas e pela erosão das chuvas, invadido pelo capim e pelos arbustos, em que se tornava necessário fazer a picagem de mais de 3O Km, e sempre com o fantasma do IN a acompanhar as NT, vale a pena transcrever aqui um trecho do relatório da Op Belo Dia III, em que participaram o 2º e o 4º Gr Comb da CCAÇ 12, juntamente com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Dest A (A distância de Bambadinca, a Mansambo, Ponte dos Fulas, XItole e Saltinho era, respectivamente, 18, 33, 35 e 55 quilómetros, segundo informação do Humberto Reis, que dispõe dos 73 mapas cartográficos da Guiné-Bissau à escala de 1/50000):

"A coluna de reabastecimento atingiu Mansambo, proveniente de Bambadinca, às 17.30h do dia 7 de Novembro de 1969, tendo 1 Gr Comb da CART 2339 patrulhado e picado o itinerário até ao limite N da sua ZA [Na prática, percorreu a distância de 18 km., entre Bambadinca e Mansambo à velocidade de 1 quilómetro e meio por hora].

"O Dest A [CART 2339 e CCAÇ 12] partiu de Mansambo às 5.00h do dia seguinte para cumprimento da sua missão [ou seja, prosseguir com a coluna até ao Xitole]. A escassas dezenas de metros a sul da ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas 2 minas A/P [antipessoal], tendo-se verificado pela sua análise que se encontravam montadas há muito tempo (fazendo parte provavelmente do campo de minas implantadas pelo IN e detectadas no decurso da Op Nada Consta).

"Entretanto fora tentada por várias vezes a montagem de guardas de flanco, sem contudo se ter conseguido devido à densa arborização do terreno, o mesmo se verificando a partir do Rio Bissari por a natureza do terreno, bolanha com muita altura de água, capim bastante alto com densas manchas de lianas entrançadas, impossibilitar a progressão.

"Num troço de 3 Km, compreendido entre 1 Km após a ponte do Rio Bissari e 1 Km antes da ponte do Rio Jagarajá, a coluna ia sofrendo atascamentos sucessivos conjugados com avarias [mecânicas]que impossibilitavam uma progressão normal.

"Entretanto verificou-se o atascamento da 7ª viatura que ficou completamente enterrada no lodaçal do itinerário, e de mais algumas viaturas que se Ihe seguiam e que foi impossível desatascar.

"Foi decidido então fraccionar o Destacamento A [CART 2339 e CCAÇ 12] deixando 2 Gr Comb no local a tentar desatascar as viaturas e mandar prosseguir o resto da coluna até ao encontro do Dest B [CART 2413, Xitole], o que se verificou pelas 15.30h.

"Feito o transbordo, foi decidido pelo PCV [posto de comando aéreo] que o Dest B regrasse ao Xitole, vindo no dia seguinte transportar a restante carga. Entretanto deixaria um Gr Com (-) a reforçar o Dest A que pernoitou junto das viaturas, montando segurança próxima à estrada.

"Às 5 da manhã do dia 9 [dois dias depois do início da operação], iniciou-se o transbordo da carga para as viaturas que estavam à frente da viatura imobilizada e que entretanto fora desatascada, embora continuasse avariada. Pelas 8h, contactou-se com o Dest B que entretanto se aproximara, fez-se o transbordo da carga, reorganizou-se a coluna e empreendeu-se o regresso a Mansambo que foi atingido pelas 11.45, não sem ter havido mais alguns atascamentos".


4. A próxima coluna logística realizar-se-ia a 30 de Novembro de 1969, segundo um novo conceito de execução (Op Alabarda Comprida). Foram constituídos 3 Destacamentos:

(i) Ao Dest A (2 Gr Comb da CCAC 12) coube a missão de escoltar a coluna até ao Xitole, formando três fracções (na testa, no meio e na rectaguarda) e reagindo pelo fogo e pela manobra a toda e qualquer acção IN;

(ii) Os Dest B e C (6 Gr Comb, das CART 2339 e 2413) constituíam uma força de segurança descontínua ao longo do itinerário Bambadinca-Mansambo-Xitole (cerca de 35 km), patrulhando e montando emboscadas nos locais de mais provável utilização pelo IN para uma eventual acção contra as NT.

A coluna decorreu normalmente, tendo chegado ao Xitole por volta das 11h da manhã e regressado nesse mesmo dia, contrariamente ao que se estava previsto (e se temia), uma vez que o estado do itinerário era péssimo. Pelo Dest C (CART 2413, Xitole) foram detectados vestígios recentes dum grupo IN, estimado em 20/50 elementos, que teria vindo do Galo Corubal em acção de reconhecimento.

A actividade operacional da CCAÇ 12, durante o mês de Outubro de 1969, caracterizar-se, de resto, pela ausência de contacto directo com o IN que não deixou, no entanto de manifestar-se, apesar de particularmente afectado pela destruição de três acampamentos importantes - Camará e Biro (Op Nada Consta, a 18 e 19 Agosto); e Poindon (Op Pato Rufia, 27 de Setembro) -, captura de material, baixas humanas e evacuação do comandante do Sector 2 (Mamadu Indjai, um dos míticos comandantes da guerrilha do PAIGC que já em 26 de Fevereiro de 1969 se destacara pelo ataque a duas lanchas da marinha no Rio Buba).

No referido mês de Outubro de 1969, o IN flagelou num só dia o destacamento de milícias de Taibatá (pelas 9.30 h.), o Xime (às 14h.) e Mansambo (16h.), estes útimos duas unidades da NT em quadrícula (CART 2520 e 2339, respectivamente).

A 14 de Novembro, a CCAÇ 12 efectuaria a última coluna logística para Xitole/Saltinho, integrada numa operação. Após o regresso, os Gr Com das unidades em quadrícula na área, empenhados na segurança da estrada Mansambo-Xitole, executariam um patrulhamento ofensivo entre os Rios Timinco e Buba, não tendo sido detectados quaisquer vestígios IN (Op Corça Encarnada).

A partir de então, estas colunas de reabastecimento das NT em unidades de quadrícula, aquarteladas em Mansambo, Xitole e Saltinho, tomariam um carácter de quase rotina, passando a realizar-se periodicamente (duas vezes por mês, em média), e com viaturas civis, escoltadas por forças da CCAÇ 12. A segurança ao longo do itinerário continuava, no entanto, a movimentar seis Gr Comb das unidades em quadrícula de Mansambo, Xitole e Saltinho. Na prática, isto significava que o abastecimento das NT nestas tês unidades implicava a mobilização de forças equivalentes a um batalhão (3 companhias).

O Saltinho, embora passasse a depender operacionalmente do Sector L5 (Galomaro), a partir da data em que as NT evacuaram Quirafo, continuava no entanto ligada ao Sector L1 para efeitos logísticos, uma vez que a estrada Galomaro-Saltinho se mantinha parcialmente interdita desde o início das chuvas devido à actividade do IN na região.

(Sobre a situção posterior nesta região, veja-se o depoimento de um operações especial, o Eusébio, que esteve no Saltinho, entre finais de 1971 e Março de 1974).

Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho

1. Desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole (CART 2413). A coluna prosseguiu com apoio aéreo.

Nove meses depois, fez-se a abertura desse itinerário, mais exactamente a 4 de Agosto de 1969. Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Destacamento A.

Nessa operação, não foram encontradas minas nem abatizes mas o IN emboscou 1 Gr Com do Dest B, constituído por forças da CART 2413 do Xitole, na Ponte dos Fulas, quando as NT estavam a reabastecer-se de água.

O mês de Agosto de 1969 foi de actividade operacional intensa no regulado do Corubal, onde o IN se tinha instalado, dispondo de uma cadeia de acampamentos temporários que lhe dava ligação às suas bases mais recuadas, junto ao Rio Corubal, a oeste portanto da estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole.

Nesse mês, as tabancas em autodefesa de Afiá, Candamã e Camará, e as NT (CCAÇ 12 e CART 2339) tinham sido atacadas ou flageladas. Por exemplo, a 15 de Agosto, Camará tinha sido duramente atacada por um grupo IN, com armas automáticas, morteiro 82 e metralhadora pesada 12.7,, sofrendo a população (fula) três mortos e nove feridos.

A actividade operacional no mês de Agosto culminaria com a Op Nada Consta, em que intervieram forças paraquedistas, que fizeram um heli-assalto a um acampamento IN previamente identificado, na região de Camará, enquanto as restantes forças das NT (CCAÇ 12, PEL CAÇ 53 e CART 2339) faziam manobras de emboscada, cerco e eventual perseguição, nas proximidades da bolanha do Rio Biesse.

Tratou-se de uma operação conjunta do Sector L1 (Bambadinca) e do COP 7 (Zona Leste, Bafatá). Na primeira vaga de assalto, os paras fizeram um prisioneiro, armado de RGP-2, de seu nome Malan Mané. Através dele soube-se que no local havia 80 homens, comandados por Mamadu Indjai, dispersos em pequenos grupos pela mata. Nessa operação, o IN sofreu ainda dois mortos e vários feridos graves, entre os quais o seu comandante (soube-se mais tarde), vítima de emboscada pelas forças da CART 2339, montada no itinerário Mansambo-Xitole.

O IN retirou na direcção de Biro.Os paras foram a este acampamento no dia seguinte, capturando mais material.

2. A 30 de Agosto, os 1º, 3º e 4º Gr Comb da CCAÇ 12 fizeram um patrulhamento ofensivo na região do Rio Biesse, passando por Demba Ioba, Sambel Bere e Sinchã Mamadi, até à estrada de Mansambo. Ao longo trajecto, e utilizando o prisioneiro como guia, percorreram nada mais do que seis acampamentos do IN, recém-abandonados, ao longo de um trilho principal que conduzia à região de Biro.

No primeiro acampamento, encontrou-se o cadáver de um chefe IN, identificado pelo guia e prisioneiro, e que teria morrido em consequência de ferimentos recebidos em combate, durante a Op Nada Consta, a 18 de Agosto. Em escassos dias, em menos de duas semanas, as formigas carnívoras e os abutres tinham-no reduzido a um esqueleto desconjuntado. Vestia uma espécie de dólmen impermeável, ainda em bom estado, assim como as botas. Num outro acampamento a seguir, foi encontrado um maço de cartas escritas em árabe (Mamadu Indjai era mandinga e muçulmano), com a planta do aquartelamento de Mansambo, as posições da artilharia, a localização dos abrigos-casernas e dos espaldões de morteiro.

3. Para dar uma ideia do carácter quase pioneiro das primeiras colunas que a CCAÇ 12 efectuou na estrada Mansambo-Xitole, com viaturas exclusivamente militares e num itinerário em muitos troços intransitável, esburacado pelas minas e pela erosão das chuvas, invadido pelo capim e pelos arbustos, em que se tornava necessário fazer a picagem de mais de 3O Km, e sempre com o fantasma do IN a acompanhar as NT, vale a pena transcrever aqui um trecho do relatório da Op Belo Dia III, em que participaram o 2º e o 4º Gr Comb da CCAÇ 12, juntamente com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Dest A (A distância de Bambadinca, a Mansambo, Ponte dos Fulas, XItole e Saltinho era, respectivamente, 18, 33, 35 e 55 quilómetros, segundo informação do Humberto Reis, que dispõe dos 73 mapas cartográficos da Guiné-Bissau à escala de 1/50000):

"A coluna de reabastecimento atingiu Mansambo, proveniente de Bambadinca, às 17.30h do dia 7 de Novembro de 1969, tendo 1 Gr Comb da CART 2339 patrulhado e picado o itinerário até ao limite N da sua ZA [Na prática, percorreu a distância de 18 km., entre Bambadinca e Mansambo à velocidade de 1 quilómetro e meio por hora].

"O Dest A [CART 2339 e CCAÇ 12] partiu de Mansambo às 5.00h do dia seguinte para cumprimento da sua missão [ou seja, prosseguir com a coluna até ao Xitole]. A escassas dezenas de metros a sul da ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas 2 minas A/P [antipessoal], tendo-se verificado pela sua análise que se encontravam montadas há muito tempo (fazendo parte provavelmente do campo de minas implantadas pelo IN e detectadas no decurso da Op Nada Consta).

"Entretanto fora tentada por várias vezes a montagem de guardas de flanco, sem contudo se ter conseguido devido à densa arborização do terreno, o mesmo se verificando a partir do Rio Bissari por a natureza do terreno, bolanha com muita altura de água, capim bastante alto com densas manchas de lianas entrançadas, impossibilitar a progressão.

"Num troço de 3 Km, compreendido entre 1 Km após a ponte do Rio Bissari e 1 Km antes da ponte do Rio Jagarajá, a coluna ia sofrendo atascamentos sucessivos conjugados com avarias [mecânicas]que impossibilitavam uma progressão normal.

"Entretanto verificou-se o atascamento da 7ª viatura que ficou completamente enterrada no lodaçal do itinerário, e de mais algumas viaturas que se Ihe seguiam e que foi impossível desatascar.

"Foi decidido então fraccionar o Destacamento A [CART 2339 e CCAÇ 12] deixando 2 Gr Comb no local a tentar desatascar as viaturas e mandar prosseguir o resto da coluna até ao encontro do Dest B [CART 2413, Xitole], o que se verificou pelas 15.30h.

"Feito o transbordo, foi decidido pelo PCV [posto de comando aéreo] que o Dest B regrasse ao Xitole, vindo no dia seguinte transportar a restante carga. Entretanto deixaria um Gr Com (-) a reforçar o Dest A que pernoitou junto das viaturas, montando segurança próxima à estrada.

"Às 5 da manhã do dia 9 [dois dias depois do início da operação], iniciou-se o transbordo da carga para as viaturas que estavam à frente da viatura imobilizada e que entretanto fora desatascada, embora continuasse avariada. Pelas 8h, contactou-se com o Dest B que entretanto se aproximara, fez-se o transbordo da carga, reorganizou-se a coluna e empreendeu-se o regresso a Mansambo que foi atingido pelas 11.45, não sem ter havido mais alguns atascamentos".


4. A próxima coluna logística realizar-se-ia a 30 de Novembro de 1969, segundo um novo conceito de execução (Op Alabarda Comprida). Foram constituídos 3 Destacamentos:

(i) Ao Dest A (2 Gr Comb da CCAC 12) coube a missão de escoltar a coluna até ao Xitole, formando três fracções (na testa, no meio e na rectaguarda) e reagindo pelo fogo e pela manobra a toda e qualquer acção IN;

(ii) Os Dest B e C (6 Gr Comb, das CART 2339 e 2413) constituíam uma força de segurança descontínua ao longo do itinerário Bambadinca-Mansambo-Xitole (cerca de 35 km), patrulhando e montando emboscadas nos locais de mais provável utilização pelo IN para uma eventual acção contra as NT.

A coluna decorreu normalmente, tendo chegado ao Xitole por volta das 11h da manhã e regressado nesse mesmo dia, contrariamente ao que se estava previsto (e se temia), uma vez que o estado do itinerário era péssimo. Pelo Dest C (CART 2413, Xitole) foram detectados vestígios recentes dum grupo IN, estimado em 20/50 elementos, que teria vindo do Galo Corubal em acção de reconhecimento.

A actividade operacional da CCAÇ 12, durante o mês de Outubro de 1969, caracterizar-se, de resto, pela ausência de contacto directo com o IN que não deixou, no entanto de manifestar-se, apesar de particularmente afectado pela destruição de três acampamentos importantes - Camará e Biro (Op Nada Consta, a 18 e 19 Agosto); e Poindon (Op Pato Rufia, 27 de Setembro) -, captura de material, baixas humanas e evacuação do comandante do Sector 2 (Mamadu Indjai, um dos míticos comandantes da guerrilha do PAIGC que já em 26 de Fevereiro de 1969 se destacara pelo ataque a duas lanchas da marinha no Rio Buba).

No referido mês de Outubro de 1969, o IN flagelou num só dia o destacamento de milícias de Taibatá (pelas 9.30 h.), o Xime (às 14h.) e Mansambo (16h.), estes útimos duas unidades da NT em quadrícula (CART 2520 e 2339, respectivamente).

A 14 de Novembro, a CCAÇ 12 efectuaria a última coluna logística para Xitole/Saltinho, integrada numa operação. Após o regresso, os Gr Com das unidades em quadrícula na área, empenhados na segurança da estrada Mansambo-Xitole, executariam um patrulhamento ofensivo entre os Rios Timinco e Buba, não tendo sido detectados quaisquer vestígios IN (Op Corça Encarnada).

A partir de então, estas colunas de reabastecimento das NT em unidades de quadrícula, aquarteladas em Mansambo, Xitole e Saltinho, tomariam um carácter de quase rotina, passando a realizar-se periodicamente (duas vezes por mês, em média), e com viaturas civis, escoltadas por forças da CCAÇ 12. A segurança ao longo do itinerário continuava, no entanto, a movimentar seis Gr Comb das unidades em quadrícula de Mansambo, Xitole e Saltinho. Na prática, isto significava que o abastecimento das NT nestas tês unidades implicava a mobilização de forças equivalentes a um batalhão (3 companhias).

O Saltinho, embora passasse a depender operacionalmente do Sector L5 (Galomaro), a partir da data em que as NT evacuaram Quirafo, continuava no entanto ligada ao Sector L1 para efeitos logísticos, uma vez que a estrada Galomaro-Saltinho se mantinha parcialmente interdita desde o início das chuvas devido à actividade do IN na região.

(Sobre a situção posterior nesta região, veja-se o depoimento de um operações especial, o Eusébio, que esteve no Saltinho, entre finais de 1971 e Março de 1974).

18 maio 2005

Guiné 69/71 - XXI: "O ataque e assalto do IN ao destacamento de Cantacunda (1968)"

Texto da autoria de A. Marques Lopes, coronel (DFA), na situação de reforma, que esteve, em 1967, na Zona Leste da Guiné, sub-sector de Geba, integrado na CART 1690:

Caros amigos:

Vou-vos, então, dizer alguma coisa sobre Cantacunda. Era um dos destacamentos da CART 1690, em 1967 e 1968 (regressou em Março de 1969), que tinha sede na tabanca de Geba. Esta companhia tinha uma quadrícula de 1.600 km2 na zona do Óio. Os nomes dos destacamentos estão indicados no mapa do Geba. Mas, desses nomes, Sinchã Jobel e Samba Culo eram bases do PAIGC. Um dia hei-de falar-vos deles.

Conheci bem este destacamento de Cantacunda. Caracterizava-se pelas péssimas condições das instalações do pessoal e pelos deficientíssimos meios e condições de defesa. Ficava a cerca de 50 kms da sede da companhia. Sem luz eléctrica (como todos os destacamentos da CART 1690), nem um miserável gerador. Estava, como se vê pelo relatório (e pelo mapa que vos envio), pegado à floresta.

O armamento era: umas ultrapassadas metralhadoras pesadas Dreyses e Bredas, morteiro 81 e 60. Os abrigos eram uns buracos (ver a fotografia que envio), de difícil acesso e sem condições interiores. E com poucos efectivos, um pelotão, normalmente. No dia deste ataque estavam lá apenas duas secções. Eu não estava, na altura. Situava-se relativamente perto da base de Samba Culo, do PAIGC.

O soldado Aguiar (João Alves Aguiar) foi o único que tentou resistir com a G3 à boca do abrigo e morreu, por isso. Onze foram capturados, entre eles o furriel que comandava o destacamento, o Vaz. Foram libertados, depois, aquando da tentativa de invasão na Guiné-Conakri (Operação Mar Verde). Menos o Armindo Correia Paulino e o Luís dos Santos Marques, que morreram lá de cólera. Apesar das péssimas condições e dos fracos efectivos, é evidente (e sei que foi assim, porque me contaram) que houve desleixo e facilitismo em excesso. Se não tivesse havido, não tenho dúvidas que as coisas não teriam sido tão fáceis para os atacantes.


Ataque a Catacunda. 10/11 de Abril de 1968. Desenrolar da acção:


"No dia 10 do corrente cerca das 00H00, o destacamento de Cantancunda foi atacado por numeroso grupo IN.

"Devido à hora a que o ataque foi realizado, a guarnição do destacamento encontrava-se quase toda a dormir na caserna. Devido à configuração do terreno (do lado Norte do destacamento existe uma floresta que dista, no máximo de 5 metros do arame farpado; do lado Poente essa floresta prolonga-se e verifica-se que havia 2 aberturas no arame farpado:uma que durante a noite era fechada com um cavalo de frisa, outra que devido às obras e construção da pista de aterragem se encontrava aberta; do lado Sul existia a tabanca cujas moranças confinavam com o arame farpado; do lado Nascente existe uma bolanha), e devido também à falta de iluminação exterior, o IN pôde aproximar-se do arame farpado sem ser detectado pelas sentinelas e abrir fogo com bazookas e lança rocketes sobre a caserna, tendo em seguida atacado pelos lados Norte, Poente e Sul: pelo lado Norte o IN atirou com troncos de árvores para cima do arame farpado tendo em seguida ultrapassado o mesmo; do lado Poente afastou o cavalo de frisa e penetrou por essa abertura, e pelo lado da pista; pelo lado Sul infiltrou-se pelas tabancas que queimou e em seguida penetrou no aquartelamento.

"Devido à simultaneidade com que os movimentos foram efectuados (os mesmos foram comandados do exterior por apitos), verificou-se que as NT não puderam atingir os abrigos e foram surpreendidos no meio da parada. Note-se, contudo, que alguns elementos das NT ainda conseguiram atingir os abrigos (por exemplo os 1°s. Cabos Esteves E Coutinho e os Soldados Areia e Aguiar, tendo este último sido morto no local e os restantes conseguido escapar).

"Devido ao numeroso grupo IN não foi possível contudo organizar uma defesa eficaz pelo que as NT foram obrigadas a abandonar o destacamento. No entanto só 9 elementos é que conseguiram escapar, tendo 11 desaparecido (provavelmente feitos prisioneiros) e 1 morto.

"Possíveis causas do insucesso das NT:

- O poder de fogo do IN;

-O grande numero de elementos que constituíam o grupo IN;

-A violência com que o ataque foi desencadeado;

-A pontaria certeira do grupo IN, que acertou os primeiros disparos na caserna das NT;

-O comando eficaz do grupo IN;

-A falta de iluminação existente no destacamento;

-Possível insuficiência de abrigos;

-As proximidades da mata do arame farpado;

-As proximidades da tabanca do arame farpado;

-O reduzido efectivo das NT;

-Possível abrandamento das condições de segurança;

-Longa distância deste destacamento à Sede da Companhia (cerca de 50 kms)

"Comentários: Posteriormente veio a saber-se, por declarações de alguns milícias e elementos da população civil detidos para averiguações, que o ataque teve a conivência do próprio Comandante da milícia e de elementos da população [local]. Todos os elementos que [o IN] precisava, tais como distâncias para colocar as armas pesadas, local da entrada no destacamento e vias de acesso ao mesmo, foram fornecidos por eles."

Um abraço.

A. Marques Lopes

Nota de L.G. - As fotos estão disponíveis na página Subsídios para a História da Guerra Colonial > Guiné (3) > Ontros Sectores da Zona Leste

Guiné 69/71 - XXI: "O ataque e assalto do IN ao destacamento de Cantacunda (1968)"

Texto da autoria de A. Marques Lopes, coronel (DFA), na situação de reforma, que esteve, em 1967, na Zona Leste da Guiné, sub-sector de Geba, integrado na CART 1690:

Caros amigos:

Vou-vos, então, dizer alguma coisa sobre Cantacunda. Era um dos destacamentos da CART 1690, em 1967 e 1968 (regressou em Março de 1969), que tinha sede na tabanca de Geba. Esta companhia tinha uma quadrícula de 1.600 km2 na zona do Óio. Os nomes dos destacamentos estão indicados no mapa do Geba. Mas, desses nomes, Sinchã Jobel e Samba Culo eram bases do PAIGC. Um dia hei-de falar-vos deles.

Conheci bem este destacamento de Cantacunda. Caracterizava-se pelas péssimas condições das instalações do pessoal e pelos deficientíssimos meios e condições de defesa. Ficava a cerca de 50 kms da sede da companhia. Sem luz eléctrica (como todos os destacamentos da CART 1690), nem um miserável gerador. Estava, como se vê pelo relatório (e pelo mapa que vos envio), pegado à floresta.

O armamento era: umas ultrapassadas metralhadoras pesadas Dreyses e Bredas, morteiro 81 e 60. Os abrigos eram uns buracos (ver a fotografia que envio), de difícil acesso e sem condições interiores. E com poucos efectivos, um pelotão, normalmente. No dia deste ataque estavam lá apenas duas secções. Eu não estava, na altura. Situava-se relativamente perto da base de Samba Culo, do PAIGC.

O soldado Aguiar (João Alves Aguiar) foi o único que tentou resistir com a G3 à boca do abrigo e morreu, por isso. Onze foram capturados, entre eles o furriel que comandava o destacamento, o Vaz. Foram libertados, depois, aquando da tentativa de invasão na Guiné-Conakri (Operação Mar Verde). Menos o Armindo Correia Paulino e o Luís dos Santos Marques, que morreram lá de cólera. Apesar das péssimas condições e dos fracos efectivos, é evidente (e sei que foi assim, porque me contaram) que houve desleixo e facilitismo em excesso. Se não tivesse havido, não tenho dúvidas que as coisas não teriam sido tão fáceis para os atacantes.


Ataque a Catacunda. 10/11 de Abril de 1968. Desenrolar da acção:


"No dia 10 do corrente cerca das 00H00, o destacamento de Cantancunda foi atacado por numeroso grupo IN.

"Devido à hora a que o ataque foi realizado, a guarnição do destacamento encontrava-se quase toda a dormir na caserna. Devido à configuração do terreno (do lado Norte do destacamento existe uma floresta que dista, no máximo de 5 metros do arame farpado; do lado Poente essa floresta prolonga-se e verifica-se que havia 2 aberturas no arame farpado:uma que durante a noite era fechada com um cavalo de frisa, outra que devido às obras e construção da pista de aterragem se encontrava aberta; do lado Sul existia a tabanca cujas moranças confinavam com o arame farpado; do lado Nascente existe uma bolanha), e devido também à falta de iluminação exterior, o IN pôde aproximar-se do arame farpado sem ser detectado pelas sentinelas e abrir fogo com bazookas e lança rocketes sobre a caserna, tendo em seguida atacado pelos lados Norte, Poente e Sul: pelo lado Norte o IN atirou com troncos de árvores para cima do arame farpado tendo em seguida ultrapassado o mesmo; do lado Poente afastou o cavalo de frisa e penetrou por essa abertura, e pelo lado da pista; pelo lado Sul infiltrou-se pelas tabancas que queimou e em seguida penetrou no aquartelamento.

"Devido à simultaneidade com que os movimentos foram efectuados (os mesmos foram comandados do exterior por apitos), verificou-se que as NT não puderam atingir os abrigos e foram surpreendidos no meio da parada. Note-se, contudo, que alguns elementos das NT ainda conseguiram atingir os abrigos (por exemplo os 1°s. Cabos Esteves E Coutinho e os Soldados Areia e Aguiar, tendo este último sido morto no local e os restantes conseguido escapar).

"Devido ao numeroso grupo IN não foi possível contudo organizar uma defesa eficaz pelo que as NT foram obrigadas a abandonar o destacamento. No entanto só 9 elementos é que conseguiram escapar, tendo 11 desaparecido (provavelmente feitos prisioneiros) e 1 morto.

"Possíveis causas do insucesso das NT:

- O poder de fogo do IN;

-O grande numero de elementos que constituíam o grupo IN;

-A violência com que o ataque foi desencadeado;

-A pontaria certeira do grupo IN, que acertou os primeiros disparos na caserna das NT;

-O comando eficaz do grupo IN;

-A falta de iluminação existente no destacamento;

-Possível insuficiência de abrigos;

-As proximidades da mata do arame farpado;

-As proximidades da tabanca do arame farpado;

-O reduzido efectivo das NT;

-Possível abrandamento das condições de segurança;

-Longa distância deste destacamento à Sede da Companhia (cerca de 50 kms)

"Comentários: Posteriormente veio a saber-se, por declarações de alguns milícias e elementos da população civil detidos para averiguações, que o ataque teve a conivência do próprio Comandante da milícia e de elementos da população [local]. Todos os elementos que [o IN] precisava, tais como distâncias para colocar as armas pesadas, local da entrada no destacamento e vias de acesso ao mesmo, foram fornecidos por eles."

Um abraço.

A. Marques Lopes

Nota de L.G. - As fotos estão disponíveis na página Subsídios para a História da Guerra Colonial > Guiné (3) > Ontros Sectores da Zona Leste

17 maio 2005

Guiné 69/71 - XX: "Foi você que pediu uma kalash?"

Texto da autoria de David. J. Guimarães (ex-CART 2716, Xitole, Sector L1, Zona Leste, Guiné, 1969/71):

Como é possível que nós tenhamos saudades... até de armas ? É verdade, a costureirinha, os RPG 2 e 7, os morteiros 62 e 82 bem como os 120 mm, os canhões em recuo, etc...

Pois, é verdade, aquele matraquear esquisito das Kalashnikov... Nas emboscadas nunca se sabia onde estavam elas, se à frente se por detrás de nós. Só quando já se tinha experiência de guerra conseguíamos distinguir bem [o som da kalash]...Era um estampido bem diferente das nossas G3... Mas, afinal, quem não sentiu isso?!

Isto, esta guerra tremenda, também tinha os seus episódios anedóticos, por falta de experiência [da nossa parte]. Lembro-me bem primeiro ataque ao quartel do Xitole: ai que nós estávamos lá há pouquinho tempo!... Bem, foi assim: no início da noite ouve-se uns estampidos de espingardas junto ao (mas do lado de fora do) aquartelamento. Todo o mundo correu para as valas e despejou-se em toda a volta do aquartelamento uns vinte minutos de fogo!!! Sabem o que estou a dizer. Isso mesmo, todos para seu lado, direitinhos como aqui tínhamos aprendido. Disparávamos para as zonas donde poderiam vir eles! Ouvimos cessar fogo, alguém aos berros....

As armas pesadas, os nossos morteiros 81, tinham resolvido o problema e eles tinham nos assustado mesmo. Deram meia dúzia de tiros e apanharam com granadas de morteiro nas costas... É claro que estes homens de armas pesadas eram aqueles que ficavam nas sobreposições e, durante um tempo, eram quem nos valia... Não fossem eles e nem faço ideia o que aconteceria...

Então comecei a perceber por que razão, logo ao desembarcar do Xime, a caminho do Xitole, via dedos em riste a chamar-nos periquitos... É isso mesmo, a guerra também tinha que ser aprendida no terreno... Nem Caldas da Rainha nem Vendas Novas nem nenhum campo militar daqui - nem tão pouco as urzes e tojos do monte de Santa Luzia, em Viana... Qual quê?!

Lembrei-me na altura de um aspirante de Lamego que em Viana explicava assim:
-Vocês façam isto, fitem o inimigo e atirem assim!...

Sábias palavras de quem fazia a guerra em Viana e enfim estava convicto que o que vinha nos livros é que estava certo:
- Não se esqueçam, caminhem curvados, o primeiro olha para a esquerda, o segundo para a direita, a arma aperrada à cintura.... Assim, sempre até ao último homem do grupo de combate... etc., etc., etc.

Um camarada que eu rendi na Ponte dos Fulas e que era de Almada (da companhia anterior, nem sei o nome) dizia-me:

- Olha, Guimarães, aqui não é a Metrópole, nós é que sabemos o que fazemos. Eles lá não percebem puto disto...

Ele tinha razão, pois tinha!...

Hoje envio três fotografias. Queria falar um pouco de algo que não vi nos filmes tão bem feitos que o Sousa e Castro fez o favor de me enviar e que se referem à visita dos camaradas à Guiné[em Novembro de 2000].

No Xitole, para lá da pista de aviões, a 5 Km há uma ponte que atravessa(ava) o Rio Corubal, ligando a estrada de Bambadinca-Xitole à Aldeia Formosa.... Essa ponte está interrompida com um pegão dentro da água... Essa ponte mantem-se lá, inoperante, e não foi reconstruída...

A história é que essa ponte teria sido interrompida pela nossas tropas no início da guerra. Outra versão é que que tinham sido os naturais. Uma terceira versão é que tinha sido o Corubal e as chuvas que teriam causado o colapso da ponte... Fico à espera que alguém me conte a versão verdadeira. Alguém da Guiné saberá? Desconfio que não, pois dela resta a história somente.

Seguem em anexo duas fotografias da tal ponte [a Ponte Marechal Carmona], pois ela é só meia ponte: a fotografia que mostra a interrupção, não saiu, que pena! Mas, enfim, é essa. Onde estou eu é exactamente na entrada do lado do caminho para o aquartelamento... Nota-se que ela está inclinada... Era importanete esta zona, pois que, como em todas as pontes, eram feitas operações de reconhecimento regulares...

Segue aí outra fotografia de um amigo. Um rapaz que na altura trabalhava na nossa ferrugem [a oficina de mecânica auto]. Hoje é motorista do Governador (...). Logo me chamou pelo nome recordando-se muito bem de mim, 30 anos depois:

- Saido Baldé (era o Saido)... Guimarães!!! A viola???

Isso mesmo, eu tocava viola também.... Sei que, em Bambadinca, Vacas de Carvalho e um Alferes Machado, do meu Batalhão, tocavam também. Um Português combatente terá sempre um instrumento de música ao lado, e gente ligada ao fado: é o nosso fado...

David J. Guimarães

Guiné 69/71 - XX: "Foi você que pediu uma kalash?"

Texto da autoria de David. J. Guimarães (ex-CART 2716, Xitole, Sector L1, Zona Leste, Guiné, 1969/71):

Como é possível que nós tenhamos saudades... até de armas ? É verdade, a costureirinha, os RPG 2 e 7, os morteiros 62 e 82 bem como os 120 mm, os canhões em recuo, etc...

Pois, é verdade, aquele matraquear esquisito das Kalashnikov... Nas emboscadas nunca se sabia onde estavam elas, se à frente se por detrás de nós. Só quando já se tinha experiência de guerra conseguíamos distinguir bem [o som da kalash]...Era um estampido bem diferente das nossas G3... Mas, afinal, quem não sentiu isso?!

Isto, esta guerra tremenda, também tinha os seus episódios anedóticos, por falta de experiência [da nossa parte]. Lembro-me bem primeiro ataque ao quartel do Xitole: ai que nós estávamos lá há pouquinho tempo!... Bem, foi assim: no início da noite ouve-se uns estampidos de espingardas junto ao (mas do lado de fora do) aquartelamento. Todo o mundo correu para as valas e despejou-se em toda a volta do aquartelamento uns vinte minutos de fogo!!! Sabem o que estou a dizer. Isso mesmo, todos para seu lado, direitinhos como aqui tínhamos aprendido. Disparávamos para as zonas donde poderiam vir eles! Ouvimos cessar fogo, alguém aos berros....

As armas pesadas, os nossos morteiros 81, tinham resolvido o problema e eles tinham nos assustado mesmo. Deram meia dúzia de tiros e apanharam com granadas de morteiro nas costas... É claro que estes homens de armas pesadas eram aqueles que ficavam nas sobreposições e, durante um tempo, eram quem nos valia... Não fossem eles e nem faço ideia o que aconteceria...

Então comecei a perceber por que razão, logo ao desembarcar do Xime, a caminho do Xitole, via dedos em riste a chamar-nos periquitos... É isso mesmo, a guerra também tinha que ser aprendida no terreno... Nem Caldas da Rainha nem Vendas Novas nem nenhum campo militar daqui - nem tão pouco as urzes e tojos do monte de Santa Luzia, em Viana... Qual quê?!

Lembrei-me na altura de um aspirante de Lamego que em Viana explicava assim:
-Vocês façam isto, fitem o inimigo e atirem assim!...

Sábias palavras de quem fazia a guerra em Viana e enfim estava convicto que o que vinha nos livros é que estava certo:
- Não se esqueçam, caminhem curvados, o primeiro olha para a esquerda, o segundo para a direita, a arma aperrada à cintura.... Assim, sempre até ao último homem do grupo de combate... etc., etc., etc.

Um camarada que eu rendi na Ponte dos Fulas e que era de Almada (da companhia anterior, nem sei o nome) dizia-me:

- Olha, Guimarães, aqui não é a Metrópole, nós é que sabemos o que fazemos. Eles lá não percebem puto disto...

Ele tinha razão, pois tinha!...

Hoje envio três fotografias. Queria falar um pouco de algo que não vi nos filmes tão bem feitos que o Sousa e Castro fez o favor de me enviar e que se referem à visita dos camaradas à Guiné[em Novembro de 2000].

No Xitole, para lá da pista de aviões, a 5 Km há uma ponte que atravessa(ava) o Rio Corubal, ligando a estrada de Bambadinca-Xitole à Aldeia Formosa.... Essa ponte está interrompida com um pegão dentro da água... Essa ponte mantem-se lá, inoperante, e não foi reconstruída...

A história é que essa ponte teria sido interrompida pela nossas tropas no início da guerra. Outra versão é que que tinham sido os naturais. Uma terceira versão é que tinha sido o Corubal e as chuvas que teriam causado o colapso da ponte... Fico à espera que alguém me conte a versão verdadeira. Alguém da Guiné saberá? Desconfio que não, pois dela resta a história somente.

Seguem em anexo duas fotografias da tal ponte [a Ponte Marechal Carmona], pois ela é só meia ponte: a fotografia que mostra a interrupção, não saiu, que pena! Mas, enfim, é essa. Onde estou eu é exactamente na entrada do lado do caminho para o aquartelamento... Nota-se que ela está inclinada... Era importanete esta zona, pois que, como em todas as pontes, eram feitas operações de reconhecimento regulares...

Segue aí outra fotografia de um amigo. Um rapaz que na altura trabalhava na nossa ferrugem [a oficina de mecânica auto]. Hoje é motorista do Governador (...). Logo me chamou pelo nome recordando-se muito bem de mim, 30 anos depois:

- Saido Baldé (era o Saido)... Guimarães!!! A viola???

Isso mesmo, eu tocava viola também.... Sei que, em Bambadinca, Vacas de Carvalho e um Alferes Machado, do meu Batalhão, tocavam também. Um Português combatente terá sempre um instrumento de música ao lado, e gente ligada ao fado: é o nosso fado...

David J. Guimarães

16 maio 2005

Guiné 69/71 - XIX: O festival das kalash, das 'costureirinhas', dos rockets e dos katiousha

1. No Sector L1, na Zona Leste da Guiné, ao tempo da 1ª comissão da CCAÇ 12 (Maio de 1969/Março de 1971), o armamento utilizado pela guerrilha do PAIGC (o IN, para abreviar) era equivalente ou até superior ao nosso.

Esse armamento era praticamente todo de origem soviética, produzido na ex-URSS ou noutros países do bloco soviético. Mas também de origem chinesa. De facto, recordo-me de termos também apreendido material de fabrico chinês (por exemplo, granadas de RPG).

Na época, e pelo menos na Zona Leste, o IN não dispunha, naturalmente, de meios aéreos ou navais nem de artilharia pesada. Não me consta, por exemplo, que tivesse antiaéreas, apenas referenciadas no meu tempo nas zonas fronteiriças, no norte e no sul (Parece que a metralhadora mais usada pelo PAIGC, tal como pela FRELIMO, era a ZPU-4, uma arma de quatro canos, de calibre 14.5, de fabrico soviético, instalada em reboque).

De uma maneira geral, um bigrupo (40 a 50 guerrilheiros) estava equipado com o seguinte armamento ligeiro:

(i) pistolas-metralhadoras PPSH, de calibre 7.62, de origem russa(as famosas e enervantes “costureirinhas"): não tinha equivalente nas NT, já que no mato não usávamos a pistola-metralhadora fabricada na FBP; a PPSH (ou Shpagin) tinha uma cadência de tiro 700/900 por minuto, e usava dois tiposd e carregadores: um circular (tambor) e outro curvo;

(ii) espingardas automáticas Kalashnikov, dotadas de carregadores curvos de 30 munições de 7.62 (com uma cadência de tiro, portanto, superior à nossa G-3, que dispunha de carregadores de 20 munições, de 7.62); era considerada uma arma de elite, pelo que nem todos os combatentes do PAIG a podiam usar;

(iii) espingarda semiautomática Simonov, também de origem russa e do mesmo calibre, dotada de uma baioneta extensível (era vulgar encontrar-se nos acampamentos do IN, sendo possivelmenet mais utilizada por elementos da população em autodefesa, nas áeras controladas pela guerrilha);

(iv) metralhadoras ligeiras Degtyarev, também de calibre 7.62, com tambor (não sei se eram melhores ou piores que a nossa HK-21, de fita, que encravava com alguma facilidade, nas difíceis condições do mato, debaixo de fogo, com o calor, com a chuva, com o pó...);

(v) 2 morteiros de 60;

(v) vários RPG-2 ou RPG-7 (Os RPG são lança-granadas-foguetes antipessoal).

A kalash, a famosa AK-47, desenhada pelo russo Mikhail Timofeevich Kalashnikov (nascido em 1919) equipava na altura todos os exércitos de guerrilha do mundo, além dos exércitos do Pacto de Varsóvia. Até meados dos anos 90 calcula-se que se tenham fabricado mais de 70 milhões de kalash, de acordo com o modelo oficial ou em versões pirateadas.

Esta arma continua no imaginário de todos os ex-combatentes da Guiné. Recordo-me de em Bambadinca, no regresso da operação de invasão a Conakry, alguns tipos da 1ª Companhia de Comandos Africanos andarem a oferecer-nos kalash, que faziam parte parte dos seus roncos, pelo preço de três ou quatro garrafas de uísque velho ou dez de uísque novo (500 escudos).




2. Segundo informações de um prisioneiro feito pelas NT, na região do Xime, de nome Malan Mané, de etnia balanta, em Julho de 1969 o grupo especial de roqueteiros da zona do Poidon que se deslocavam todas as manhãs para Ponta Varela a fim de atacar as embarcações em circulação no Rio Geba e/ou defender a entrada do Rio Corubal, dispunham seis lança-granadas RPG-2.

O RPG (em inglês, rocket-propelled grenade launcher), e sobretudo o RPG-7, era a arma mais temida pelos nossos soldados não só nas emboscadas, nas estradas e picadas, como sobretudo no mato, nas emboscadas em L.

O RPG-2 era uma arma anticarro, de fabrico soviético. O carregamento da granada, de formato cónico, era feito pela boca. O caklibre do tubo, era de 40 mm. E o da granada, 82 mm. O seu alcance, contra pessoal, não ia além dos 150 metros. O RPG-7 era já mais sofisticado do ponto de vista tecnol+ogico: o seu sistema de autodestruição da granada permitaia que fosse disparada para o ar, tal como o nosso dilagrama, provocando uma chuva de terríveis estilhaços.

As mortíferas lâminas de aço dos rockets foram responsáveis pela maior parte das 15 baixas (6 mortos e 9 nove feridos) sofridas pelas NT no decurso da Operação Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970, que sofremos a caminho da Ponta do Inglês.
Tanto o RPG-2 como o RPG-7 também eram muito eficazes contra as nossas viaturas, embora não praticamente não utilizassemos viatuars blindas na Guuiné (No Sector L1, havia apenas um PEL REC, praticamente inoperacional...). Contra alvos fixos o RPG era eficaz até 100 metros (O RPG-7 tinha mais alcance: 500 metros).

Muito certeiro e de fácil manejo, o RPG era muito mais adequado àquele tipo de terreno (floresta tropical e savana arbustiva, de capim alto e denso) e de guerra (de guerrilha) do que o nosso lança-granadas, a pesada bazuca americana de 8.9, uma clássica arma anti-tanque... O mais caricato é que as NT só dispunham de munições anti-carro (!). Devido ao seu peso, o transporte das granadas de bazuca, sobretudo em operações no mato, eram um problema, pelo que era frequente recorrer-se a carregadores nativos. Só mais tarde passámos a usar o lança-granadas dos paraquedistas, de calibre 3.7.

Em cada um dos grupos de combate da CCAÇ 12 havia pelo menos um ou dois apontadores de dilagrama (dispositivo de lançamento de granadas de mão). Mas esta arma não gozava das nossas simpatias, por ser perigosa e pouco eficiente: a primeira morte a que assisti, a meu lado, a do Ieró Jaló, do 1º Grupo de Combate foi causada por um dilagrama (Região do Xime, Op Pato Rufia, 8 de Setembro de 1969).

A granada era uma granada de mão defensiva, m/963, sendo montada em suporte com um encaixe oco que se adaptava no cano da espingarda automática G-3. No seu lançamento usava-se um cartucho de salva (sem bala). Para o disparo tirava-se o carregador e introduzia-se manualmente o cartucho de salva. Este compasso de espera, aliado à impossibilidade temporária do uso da G-3 e ao risco do seu manuseamento,
tornaram o dilagrama uma arma muito impopular entre as NT .

Nos ataques e flagelações às nossas posições fixas (aquartelamentos do exército, destacamentos de milícia, tabancas em autodefesa), os guerrilheiros utilizavam frequentemente o não menos temível canhão sem recuo (75, de origem chinesa, e 82, de origem soviética). Por razões logísticas e de transporte, era armas sobretudo utilizadas em ataques planeados. Tal como o morteiro 82, com um alcance de 3 km. EStas armas pesadas equipavam os grupos de artilharia, referenciados em Mangai, junto ao Rio Corubal, e Madina/Belel, no regulado do Cuor, a norte do Geba. (Vd. mapa do Sector L1).

Os grupos especiais do IN, quer de artilharia (canhão sem recuo e morteiro 82) quer de RPG, eram extremamente móveis. Em contrapartida, as NT praticamente não usavam o canhão sem recuo.

Por vezes O IN utilizava também a metralhadora pesada Goryunov, de calibre 7.62, que também podia ser usada como antiaérea. E sobretudo a Degtyarev, de origem russa, mas de calibre 12.7, equivalente à nossa Breda ou à nossa Browning(que estava instalada nalguns aquartelamentos: em Bambadinca, por exemplo, varria a pista de aviação). Pelo menos num dos ataques uma tabanca em autodefesa, Afiá, Candamã opu Camará (já não me lemrbo qual),no regulado de Badora, foram encontrados invólucros de 12.7, portanto da Degtyarev.

Ainda no nosso tempo apareceram, na Guiné, os primeiros foguetões Katiousha, de 122 mm, inicialmente pouco certeiros, é certo, mas com grande poder de destruição e não menos impacto psicológico junto das NT e populações. De fácil manejo e de relativamente fácil transporte, seriam utilizados preferencialmente contra os grandes alvos militares (aeroporto de Bissalanca…) e concentrações urbanas (Bolama, Bissau...).As granadas, com um peso de 18 kg. (dos quais 6.5 de explosivo), tinha um raio de morte de 160 m2, e ao explodir produzir cerca de 15 mil estilhaços.

Só mais tarde, já em 1973, apareceriam os mísseis terra-ar que os egípcios também utilizaram contra os tanques israelitas na guerra do Kippour. Com eles seria posta em cheque a nossa até então incontestada supremacia aérea.

Recorde-se que a utilização dos mísseis terra-ar Strella (SA-7 Grail-Strella) pelo IN, pela primeira vez em 25 de Março de 1973, foi responsável pela queda de um Fiat G-91 (pilotado pelo tenente Pessoa). Esta arma antiaéra embora bastante efeicaz contr as nossas aeronaves (helicópteros, avionetas, bombadeiros T-6, caças Fiat G-91, subsónicos). Este míssil era dotado de um acabeça com detector de infracvermelhos,s endo por isso atraído pela fonte de calor emitida pelos motrortes das aerobnaves. A sua velocidade era impressionante (mach 1,5 ou 1600 km/hora). O seu alcance era contudo limitado: pouco mais de 3 km. Os nossos helicópteros e restantes aeronaves, para não serem atingidos, tinham que passar a rasar a copa das árvores ou voar acima dos 1500 metros de altitude.

O Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, tem uma boa página em que se compara os armamentos das duas partes em conflito. Sobre a artilharia onde, aparentemente, as NT levavam vantagem, o documento diz que "na Guiné, a situação em 1966 era a utilização dos obuses 8,8 cm por pequenas unidades (nove pelotões a duas bocas de fogo cada), mas a partir de 1968 passaram a existir meios mais modernos e mais potentes", a saber: (i) 19 obuses de 10.5 cm, correspondendo a três baterias; (ii) seis obuses de 14 cm, correspondendo a uma bateria; (iii) seis peças de 11.4 cm, correspondendo a uma bateria. "Estes últimos materiais, dado o seu alcance, já permitiam o apoio a vários aquartelamentos a partir de uma posição central, mas a falta de meios de aquisição de objectivos impedia uma contrabateria eficaz. As dificuldades apontadas para os morteiros eram semelhantes às da artilharia, se bem que na Guiné, dada a sua menor extensão e a quadrícula mais apertada das unidades, os problemas fossem menores", pode-se ler-se ainda no documento em referência.

De qualquer modo, da comparação do IN e das NT, tira-se a conclusão da "equivalência" do armamento entre as partes em conflito: "se exceptuarmos a artilharia (com as limitações já apontadas) e as viaturas blindadas (de emprego também limitado), pode dizer-se que o combate terrestre se travou, salvaguardando os efectivos, 'entre iguais' "...

Guiné 69/71 - XIX: O festival das kalash, das 'costureirinhas', dos rockets e dos katiousha

1. No Sector L1, na Zona Leste da Guiné, ao tempo da 1ª comissão da CCAÇ 12 (Maio de 1969/Março de 1971), o armamento utilizado pela guerrilha do PAIGC (o IN, para abreviar) era equivalente ou até superior ao nosso.

Esse armamento era praticamente todo de origem soviética, produzido na ex-URSS ou noutros países do bloco soviético. Mas também de origem chinesa. De facto, recordo-me de termos também apreendido material de fabrico chinês (por exemplo, granadas de RPG).

Na época, e pelo menos na Zona Leste, o IN não dispunha, naturalmente, de meios aéreos ou navais nem de artilharia pesada. Não me consta, por exemplo, que tivesse antiaéreas, apenas referenciadas no meu tempo nas zonas fronteiriças, no norte e no sul (Parece que a metralhadora mais usada pelo PAIGC, tal como pela FRELIMO, era a ZPU-4, uma arma de quatro canos, de calibre 14.5, de fabrico soviético, instalada em reboque).

De uma maneira geral, um bigrupo (40 a 50 guerrilheiros) estava equipado com o seguinte armamento ligeiro:

(i) pistolas-metralhadoras PPSH, de calibre 7.62, de origem russa(as famosas e enervantes “costureirinhas"): não tinha equivalente nas NT, já que no mato não usávamos a pistola-metralhadora fabricada na FBP; a PPSH (ou Shpagin) tinha uma cadência de tiro 700/900 por minuto, e usava dois tiposd e carregadores: um circular (tambor) e outro curvo;

(ii) espingardas automáticas Kalashnikov, dotadas de carregadores curvos de 30 munições de 7.62 (com uma cadência de tiro, portanto, superior à nossa G-3, que dispunha de carregadores de 20 munições, de 7.62); era considerada uma arma de elite, pelo que nem todos os combatentes do PAIG a podiam usar;

(iii) espingarda semiautomática Simonov, também de origem russa e do mesmo calibre, dotada de uma baioneta extensível (era vulgar encontrar-se nos acampamentos do IN, sendo possivelmenet mais utilizada por elementos da população em autodefesa, nas áeras controladas pela guerrilha);

(iv) metralhadoras ligeiras Degtyarev, também de calibre 7.62, com tambor (não sei se eram melhores ou piores que a nossa HK-21, de fita, que encravava com alguma facilidade, nas difíceis condições do mato, debaixo de fogo, com o calor, com a chuva, com o pó...);

(v) 2 morteiros de 60;

(v) vários RPG-2 ou RPG-7 (Os RPG são lança-granadas-foguetes antipessoal).

A kalash, a famosa AK-47, desenhada pelo russo Mikhail Timofeevich Kalashnikov (nascido em 1919) equipava na altura todos os exércitos de guerrilha do mundo, além dos exércitos do Pacto de Varsóvia. Até meados dos anos 90 calcula-se que se tenham fabricado mais de 70 milhões de kalash, de acordo com o modelo oficial ou em versões pirateadas.

Esta arma continua no imaginário de todos os ex-combatentes da Guiné. Recordo-me de em Bambadinca, no regresso da operação de invasão a Conakry, alguns tipos da 1ª Companhia de Comandos Africanos andarem a oferecer-nos kalash, que faziam parte parte dos seus roncos, pelo preço de três ou quatro garrafas de uísque velho ou dez de uísque novo (500 escudos).




2. Segundo informações de um prisioneiro feito pelas NT, na região do Xime, de nome Malan Mané, de etnia balanta, em Julho de 1969 o grupo especial de roqueteiros da zona do Poidon que se deslocavam todas as manhãs para Ponta Varela a fim de atacar as embarcações em circulação no Rio Geba e/ou defender a entrada do Rio Corubal, dispunham seis lança-granadas RPG-2.

O RPG (em inglês, rocket-propelled grenade launcher), e sobretudo o RPG-7, era a arma mais temida pelos nossos soldados não só nas emboscadas, nas estradas e picadas, como sobretudo no mato, nas emboscadas em L.

O RPG-2 era uma arma anticarro, de fabrico soviético. O carregamento da granada, de formato cónico, era feito pela boca. O caklibre do tubo, era de 40 mm. E o da granada, 82 mm. O seu alcance, contra pessoal, não ia além dos 150 metros. O RPG-7 era já mais sofisticado do ponto de vista tecnol+ogico: o seu sistema de autodestruição da granada permitaia que fosse disparada para o ar, tal como o nosso dilagrama, provocando uma chuva de terríveis estilhaços.

As mortíferas lâminas de aço dos rockets foram responsáveis pela maior parte das 15 baixas (6 mortos e 9 nove feridos) sofridas pelas NT no decurso da Operação Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970, que sofremos a caminho da Ponta do Inglês.
Tanto o RPG-2 como o RPG-7 também eram muito eficazes contra as nossas viaturas, embora não praticamente não utilizassemos viatuars blindas na Guuiné (No Sector L1, havia apenas um PEL REC, praticamente inoperacional...). Contra alvos fixos o RPG era eficaz até 100 metros (O RPG-7 tinha mais alcance: 500 metros).

Muito certeiro e de fácil manejo, o RPG era muito mais adequado àquele tipo de terreno (floresta tropical e savana arbustiva, de capim alto e denso) e de guerra (de guerrilha) do que o nosso lança-granadas, a pesada bazuca americana de 8.9, uma clássica arma anti-tanque... O mais caricato é que as NT só dispunham de munições anti-carro (!). Devido ao seu peso, o transporte das granadas de bazuca, sobretudo em operações no mato, eram um problema, pelo que era frequente recorrer-se a carregadores nativos. Só mais tarde passámos a usar o lança-granadas dos paraquedistas, de calibre 3.7.

Em cada um dos grupos de combate da CCAÇ 12 havia pelo menos um ou dois apontadores de dilagrama (dispositivo de lançamento de granadas de mão). Mas esta arma não gozava das nossas simpatias, por ser perigosa e pouco eficiente: a primeira morte a que assisti, a meu lado, a do Ieró Jaló, do 1º Grupo de Combate foi causada por um dilagrama (Região do Xime, Op Pato Rufia, 8 de Setembro de 1969).

A granada era uma granada de mão defensiva, m/963, sendo montada em suporte com um encaixe oco que se adaptava no cano da espingarda automática G-3. No seu lançamento usava-se um cartucho de salva (sem bala). Para o disparo tirava-se o carregador e introduzia-se manualmente o cartucho de salva. Este compasso de espera, aliado à impossibilidade temporária do uso da G-3 e ao risco do seu manuseamento,
tornaram o dilagrama uma arma muito impopular entre as NT .

Nos ataques e flagelações às nossas posições fixas (aquartelamentos do exército, destacamentos de milícia, tabancas em autodefesa), os guerrilheiros utilizavam frequentemente o não menos temível canhão sem recuo (75, de origem chinesa, e 82, de origem soviética). Por razões logísticas e de transporte, era armas sobretudo utilizadas em ataques planeados. Tal como o morteiro 82, com um alcance de 3 km. EStas armas pesadas equipavam os grupos de artilharia, referenciados em Mangai, junto ao Rio Corubal, e Madina/Belel, no regulado do Cuor, a norte do Geba. (Vd. mapa do Sector L1).

Os grupos especiais do IN, quer de artilharia (canhão sem recuo e morteiro 82) quer de RPG, eram extremamente móveis. Em contrapartida, as NT praticamente não usavam o canhão sem recuo.

Por vezes O IN utilizava também a metralhadora pesada Goryunov, de calibre 7.62, que também podia ser usada como antiaérea. E sobretudo a Degtyarev, de origem russa, mas de calibre 12.7, equivalente à nossa Breda ou à nossa Browning(que estava instalada nalguns aquartelamentos: em Bambadinca, por exemplo, varria a pista de aviação). Pelo menos num dos ataques uma tabanca em autodefesa, Afiá, Candamã opu Camará (já não me lemrbo qual),no regulado de Badora, foram encontrados invólucros de 12.7, portanto da Degtyarev.

Ainda no nosso tempo apareceram, na Guiné, os primeiros foguetões Katiousha, de 122 mm, inicialmente pouco certeiros, é certo, mas com grande poder de destruição e não menos impacto psicológico junto das NT e populações. De fácil manejo e de relativamente fácil transporte, seriam utilizados preferencialmente contra os grandes alvos militares (aeroporto de Bissalanca…) e concentrações urbanas (Bolama, Bissau...).As granadas, com um peso de 18 kg. (dos quais 6.5 de explosivo), tinha um raio de morte de 160 m2, e ao explodir produzir cerca de 15 mil estilhaços.

Só mais tarde, já em 1973, apareceriam os mísseis terra-ar que os egípcios também utilizaram contra os tanques israelitas na guerra do Kippour. Com eles seria posta em cheque a nossa até então incontestada supremacia aérea.

Recorde-se que a utilização dos mísseis terra-ar Strella (SA-7 Grail-Strella) pelo IN, pela primeira vez em 25 de Março de 1973, foi responsável pela queda de um Fiat G-91 (pilotado pelo tenente Pessoa). Esta arma antiaéra embora bastante efeicaz contr as nossas aeronaves (helicópteros, avionetas, bombadeiros T-6, caças Fiat G-91, subsónicos). Este míssil era dotado de um acabeça com detector de infracvermelhos,s endo por isso atraído pela fonte de calor emitida pelos motrortes das aerobnaves. A sua velocidade era impressionante (mach 1,5 ou 1600 km/hora). O seu alcance era contudo limitado: pouco mais de 3 km. Os nossos helicópteros e restantes aeronaves, para não serem atingidos, tinham que passar a rasar a copa das árvores ou voar acima dos 1500 metros de altitude.

O Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, tem uma boa página em que se compara os armamentos das duas partes em conflito. Sobre a artilharia onde, aparentemente, as NT levavam vantagem, o documento diz que "na Guiné, a situação em 1966 era a utilização dos obuses 8,8 cm por pequenas unidades (nove pelotões a duas bocas de fogo cada), mas a partir de 1968 passaram a existir meios mais modernos e mais potentes", a saber: (i) 19 obuses de 10.5 cm, correspondendo a três baterias; (ii) seis obuses de 14 cm, correspondendo a uma bateria; (iii) seis peças de 11.4 cm, correspondendo a uma bateria. "Estes últimos materiais, dado o seu alcance, já permitiam o apoio a vários aquartelamentos a partir de uma posição central, mas a falta de meios de aquisição de objectivos impedia uma contrabateria eficaz. As dificuldades apontadas para os morteiros eram semelhantes às da artilharia, se bem que na Guiné, dada a sua menor extensão e a quadrícula mais apertada das unidades, os problemas fossem menores", pode-se ler-se ainda no documento em referência.

De qualquer modo, da comparação do IN e das NT, tira-se a conclusão da "equivalência" do armamento entre as partes em conflito: "se exceptuarmos a artilharia (com as limitações já apontadas) e as viaturas blindadas (de emprego também limitado), pode dizer-se que o combate terrestre se travou, salvaguardando os efectivos, 'entre iguais' "...