18 fevereiro 2006

Guiné 63/74 - DLVIII: Bajudas, nem vê-las! (Carlos Marques dos Santos)

Guiné > Zona Leste > Subsector de Geba > Sare Gana > 1968 > o Fur Mil Marques dos Santos (CART 2339, Fá e Mansambo, 1968/69)

© Carlos Marques dos Santos (2006)


1. Acabo de ler um texto sobre Sara Gana (1) e lembrei-me de aditar um conjunto de fotos que atestam a minha passagem por essa tabanca, muito antes de vós e felizmente sem os problemas como os que foram descritos posteriormente.

Guiné > Zona leste > Subsector de Geba Sare Gana > Putos da tabanca armados em "autênticos guerrilheiros"...© Carlos Marques dos Santos (2006)


Estive aí muito poucos dias, pois a nossa missão era reforçar o sector de Geba.
São fotos de uma vida calma, da infância que aí vivia na altura.

A foto da disputa de comida que eu vi, com os meus olhos, impressionou na altura.
O que estava em disputa era somente uma terrina de sopa, sobra do almoço do meu Pelotão.Aquela disputa era a sério. Seria fome? (2)

Guiné > Zona Leste > Subsector de Geba > Sare Gana > 1968 > CART 2339 (Fá e Nansambo,m 1968/69) > Crianças disputando comida da tropa...© Carlos Marques dos Santos (2006)


2. Em relação ao tema que lançaste sobre as relações sexuais, não tenho nada a dizer.
Até nisso fomos privilegiados. Estivemos sempre dentro do arame farpado e sem população, excepto os picadores e suas mulheres. Bajudas, nem vê-las!

No final da comissão ainda houve duas saídas para Bafatá, para fim de semana.
Ao meu pelotão não chegou a vez.

Melhor ainda. Viemos embora para casa. Tinha terminado o mato. Esperava-nos Bissau e o Uíge, em contraposição com o Ana Mafalda de ida, de vómitos e sofrimento de toda a Companhia.

Foi a minha estreia em cruzeiros. No regresso fomos tratados com senhores.
Só que não vieram todos.

Um Abraço
Carlos Marques dos Santos

______

Nota de L.G.

(1) Vd post de 17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLII: Fátima, a furtiva gazela

"(...) Os dias em Sare Ganà [ no subsector de Geba, a noroeste de Bafatá] ainda vão sendo suportáveis, à aparte o calor, as moscas e o estado de sítio...As noites, essas, é que são longas e penosas (...) Resta-me a companhia silenciosa e furtiva da Fátima, uma das mulheres do comandante da milícia (...)".

Vd. também post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXI: Sare Ganá, a última tabanca de Joladu

(2) Vd post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXII: As aldeias fulas em autodefesa


" (...) Hoje, de resto, só há duas alternativas para um homem fula: (i) oferece-se como voluntário para o exército colonial, passando primeiro pela milícia; ou (ii) emigra todo os anos, na época das chuvas, para o chão de francês (Senegal) a fim de trabalhar nos campos de mancarra.

"É a única maneira de fugir ao universo concentraccionário da sua tabanca,e sobretudo à fome. Essa fome visceral que leva as crianças a aproveitar tudo aquilo que nós, tugas, nos damos ao luxo de deitar fora (vi-as aqui a assaram na brasa as vísceras de um frango que o bom do Suleimane me arranjou e reparti-las equitativamente entre si).

"Fome, subnutrição, doença, carências de toda a ordem (roupas, medicamentos...) contrastam, de modo chocante, com a relativa opulência com que um tuga , como eu, aqui vive: ainda ontem me vieram trazer o reabastecimento semanal e, entre outros produtos enlatados, deixaram-me cinco quilos (!) de fiambre dinamarquês, para dois mecos, para mim e para o operador de transmissões, já que as praças são desarranchadas. Tivemos de o comer em menos de vinte e quatro horas, sob pena de se estragar com o calor, e, uma vez aberta a lata, repartir o resto do fiambre pelos putos da aldeia e soldados africanos da secção. É claro que lhe chamaram um figo, não tendo desconfiado sequer que tal iguaria pudesse ser feita de carne.. de porco!" (...).

Sem comentários: