17 fevereiro 2006

Guiné 63/74 - DXLVIII: Nem santos nem pecadores (David Guimarães)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > CART 24 Guiné > Zona Leste > Xitole > 1970: "Eu e a Helena" (DG).

O Xitole era, tal como Bambadinca, sede posto administrativo, pertencendo ambos ao concelho de Bafatá (zona leste), segunda cidade da província. A povoação que vivia no Xitole era, no entanto, menos numerosa do que a de Bambadinca, sede do BART 2917 (1970/72). Ir a Bafatá mudar o óleo (expressão castrense para ir às putas...) era um luxo para o pessoal do Xitole e de Mansambo... Tinham que se contentar com as conquistas amorosas locais... (LG)

© David J. Guimarães (2005)



Texto do David Guimarães (ex-furriel miliciano da CART 2716, Xitole, 1970/1972)

Até que enfim!... Acho que sim - não poderá haver tabus e ainda bem que o Zé Neto, o Zé Teixeira, o Jorge Cabral e o Luís são, afinal, os responsáveis por quebrarem o tabu... Falaram de algo que também é guerra... Foi e marcou a nossa guerra: a lavadeira, o cabaço, etc, etc... Ai, ai, ai, que começo a falar demais, ou talvez não...

Creio que nunca houve grandes abusos nesse sentido, nunca foi preciso apontar a G3 a nenhuma bajuda, já uns pesos, enfim ... Que mal fazia, se era dinheiro de guerra!...

Também é importante todos dizermos que, nesse capítulo, não fomos nem santos nem pecadores. Eramos humanos, soldados que passávamos uma vida metido entre matos, entre perigos e guerras esforçados... E pela noite dentro, a escapadela da ordem, na tabanca. Ai que maravilha!... Foram muitos e belos romances... E aqueles que podiam ir a Bafatá, eram uns sortudos... Eu só no fim da comissão é que soube o que era Bafatá!...

Lembro-me de um romance de um camarada que comprou a liberdade de uma mulher. Os nativos pensaram que ele se tinha casado com ela... Bem, porreiro para ele! Não é segredo, foi verdade, e a testemunha foi o chefe de posto, isso mesmo, aquele que a mulher - linda ali, no Xitole!!! - morria de amores por um camarada nosso, já falecido...

E não vamos contar a do tenente que, às 4 horas da manhã, estava sentado no colo de um soldado.... Tudo boquiaberto? Aconteceu no Saltinho, sim ... Fora aquele camarada - ai Senhor do Céu ! - que um dia, estava eu a dormir no palácio das confusões, e ele por cima de mim:
- Guimarães! - dizia o B..., camarada do Xime - porra, estás bem?
- Deixem-me dormir! - pedia eu... Porra...
- Pois é, estás porreiro!!! Pois é e pois é... E eu dormi mesmo....

De manhã fui perguntar se estava tudo com os copos durante a noite, que nem me deixavam dormir... Então disseram-me:
- Ó seu c...., então não sabes que o fulano tem uma amante que é um cabo !?
Respondi eu:
- F...-se, que perigo em que eu estava... Porra!!! Já viram a mina mesmo ali, mesmo por cima de mim!... - Estavamos num beliche... Quem me perguntar, prometo que não digo o nome do camarada furriel - nem me lembro do nome... Sei apenas que foi meu carmarada de recruta nas Caldas da Rainha... Um dia a CCAÇ 12 acompanhou uma coluna ao Saltinho... Houve no caminho um acidente onde morreu um soldado africano, condutor, e um furriel ficou ferido... Bem lá ficou o camarada em convalescença no Xitole:
- Ai que vocês são tão simpáticos....
- Bem, bem...

E o Cardoso (outro furriel que estava lá desde 1966) ... Esse pedia-me para eu fazer guarda mais pela noite... Vinha-me acordar, para eu seguir para a tabanca: vinha sempre de casa da Mariana, com as calças na mão, descomposto... E ria, ria... Lá ia eu, sempre furioso:
- Seu porco! - e ia ter com a Mariana e ela, coitada, queixava-se:
- Guimarás (pronúncia dela), Cardoso manga de tolo, mas Mariana gostar dele....

Isto também era guerra - ou, se quiserem, os intervalos de guerra, que eram poucos... O suficiente, afinal, para se apanhar uma borracheira ou ir, com lindos penteados, passear à tabanda, para bajuda ver ou para quem aparecesse, pelos vistos....

Um abraço, David

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