31 março 2006

Guiné 63/74 - DCLXIII: Diário do CMS (CART 2339)(1): Um homem ficou para trás e não há voluntários para o ir buscar...

Felizmente que há mais vida, para além da blogosfera... É o que eu deduzo da última mensagem do nosso CMS (Carlos Marques Santos), ex-furriel mil, CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69...

A esta hora, o CMS já terá partido, de manhã cedo, para França (região de Biarritz ) em viagem de uma semana em autocaravana. (Que os bons irãs das florestas do Corubal o acompanhem e o tragam de volta, são e salvo!).

Pede-nos desculpa por nos últimos tempos não ter dito nada no blogue, pois tem ocupado o seu tempo noutras andanças, "apesar de todos os dias vêr o que há de novo"...

Promete organizar qualquer coisa depois de vir de França". Mesmo assim mandou-nos umas notas do seu diário, com a seguinte legenda: "dois meses de Guiné e muita experiência".


Notas do Diário do CMS


5 de Abril de 1968

Às 15h, saída de Fá Mandinga para mais uma operação (Op Gavião). Desta vez para a zona do Enxalé, via Xime.

O [Rio] Geba foi atravessado de lancha. Do Enxalé saímos cerca da meia-noite iniciando mais um passo para o desconhecido. Dois meses de mato e já tínhamos tido a nossa dose. Andámos a corta mato até às 3.30h.

O guia turra capturado, como sempre, perdeu-se. Descanso até às 5.00h, seguindo as NT depois em progressão normal.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 >Brasão da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69)

© Carlos Marques Santos (2005)



Perto do objectivo vimos, na mata, dois nativos. Fugiram e nós continuámos. A CART 2338, nossa companheira de andanças, está a atacar o objectivo. A Companhia de Mansoa também.

Cerca do meio-dia sofremos um ataque de abelhas. Desespero em muitos de nós. Eu também fui completamente picado. Há camaradas inchados. Disformes. Há 2 camaradas desmaiados. Faz-se uma maca. Soam tiros...
- EMBOSCADA!

Um nativo do Pel Caç Nat 53 é atingido e morto. O ataque IN continua. Regressamos.

Sofremos 5 emboscadas, mas apesar de tudo correu sem grandes azares. O IN tem baixas. Fogem. Seguimos para o Enxalé. Mais 2 ataques de abelhas. CHOROS. Desespero. Há que fugir. Desorientação total. Armas abandonadas.

Compreendo agora - pois noutra ocasião e lá para a frente no tempo de comissão, estive debaixo de fogo - o que estar nestas mesmas circunstâncias. 45 minutos intermináveis. Antes o fogo do IN.

Chegámos ao Enxalé cerca das 18.00h. Soube-se depois que tinha ficado um homem da Cart 2338 desmaiado no local dos acontecimentos.

Quem vai procurá-lo? Ninguém. Não há voluntários.

Triste vida a da GUERRA e da sobrevivência. Mas nem sempre foi assim!

Passamos para o Xime e chegámos a Fá Mandinga às 03.00h da manhã do dia de 7 de Abril de 1968.

Estou exausto. Estamos todos exaustos.

Boas notícias: o nosso homem desmaiado, soube-se, apareceu por ele no Enxalé! Já li uma estória semelhante nesta tertúlia. Ou será o mesmo protagonista?

No dia seguinte, 8 de Abril de 1968, voltamos ao Enxalé procurar as armas perdidas. Na progressão ouvimos rebentamentos. Será Mato Cão?

Recuperámos 2 armas. Regressámos a Fá Mandinga sem incidentes.

10 de Abril de 1968

Há emboscada na estrada Xime-Bambadinca. Não houve incidentes, são as notícias que nos chegam.

14 de Abril de 1968

Dia de Páscoa, aqui, igual aos outros.

© Carlos Marques dos Santos (2006)

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