04 março 2006

Guiné 63/74 - DCV: A última noite em Canjadude (CCAÇ 5) (João Carvalho)

Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 > 1974 > A azáfama dos últimos dias ...© João Carvalho (2006)

Guiné > Bissau > 1974 > A peluda à vista para os tugas da CCAÇ 5... © João Carvalho (2006)

Olá, Luís:

A fotos que se publicam,em anexo, mostram: a primeira, os preparativos para a saída definitiva das NT de Canjadude, após a independência; a segunda, a chegada a Bissau, ao QG, para em seguida apanharmos o avião de volta à Metropole.

Relacionado com a retirada das NT de Canjadude, vou contar-te mais um dos episódios por que passei nesses lugares longínquos, mas que não nos saiem da memória.



A última noite em Canjadude


Finalmente chegou o dia! Pegar nos trapos e deixar Canjadude para regressar à metrópole. Peluda!!! Aquele regresso tão ansiosamente esperado!!!

Carregam-se as Berliet Tramagal e os Mercedes Unimog, com tudo o que era possível lá encaixar: caixotes com armamento, malas, etc, etc. A azáfama é grande, pois a quantidade de tralha para trazer é enorme e o dia é curto.

Com o aproximar do fim do dia, constatando-se que era quase impossível carregar tudo, foi decidido que partiria nesse dia uma coluna em direcção a Nova Lamego e que no dia seguinte algumas viaturas voltariam a Canjadude para transportar o resto, assim como um mini grupo das NT que ainda ficavam uma noite a tomar conta do resto dos pertences. Fui incluído nos que ficavam.

Depois de assistir à partida da coluna, dirigi-me para o abrigo, para me deitar um bocado, pois carregar viaturas deixa-nos um pouco cansados.

Como o abrigo já tinha diversas camas sem ocupação, pois os camaradas já tinham partido, as camas vagas foram ocupadas pelas tropas do PAIGC (ex-IN).

Nessa altura começaram os problemas. Um dos nossos camaradas furriéis do mini grupo (não me lembro qual) quis tirar o seu armário (caixote), para ir dar a um dos nossos soldados africanos que vivia na tabanca e a quem já o tinha prometido há muito.

Um dos soldados do PAIGC começou a refilar, porque aquilo agora era deles e que dalí não saia nada. A situação começou a ficar um bocado esquisita, se assim se pode dizer. Os ex-IN, deitados, com garrafas de cerveja (manga delas) e Kalashnikov na mão, não davam bom agouro àquela noite.

Saímos do abrigo e fizemos uma mini-reunião. A partida era complicada. Ainda havia bastante tralha para carregar e a única viatura existente era uma Berliet que tinha um buraco enorme no radiador.

A probabilidade de chegar a Nova Lamego durante a noite e com uma viatura naquele estado, era bastante remota. A alternativa era ficar e esperar que nada de grave acontecesse.

Foi decidido partir. Mesmo com a grande probabilidade de passar a noite no meio da picada, era mais seguro do que ficar.

Carregámos a Berliet de tal forma que, lá em cima da tralha, quase era necessário fazer equilibrio para não vir parar ao meio do chão. O nosso camarada mecânico resolveu improvisar (como bom português) e deitou no radiador água e cimento (sim, cimento em pó!).

Finalmente partimos. Pelo caminho, andando muito devagar devido à carga instável, fomos sempre deitando água (a pouca que conseguimos transportar) no radiador da bendita Berliet.

Já perto do final da picada, relativamente próximo da estrada alcatroada, fomos encontrar, para nosso espanto, parte das viaturas que tinham saído, ainda durante o dia, de Canjadude (Avarias também acontecem às máquinas que parecem estar em bom estado).

O mini grupo chegou ainda nessa noite a Nova Lamego, enquanto as viaturas que avariaram na picada, tiveram de esperar pelo dia seguinte para serem rebocadas.

Estas nossas estadias por aquela maravilhosa África foram cheias de pequenos episódios bons e maus, mas que nos marcaram, não há dúvida nenhuma.

João Carvalho

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