07 janeiro 2006

Guiné 63/74 - CDXXIX: O básico apaixonado (estórias cabralianas)

Guiné > Fá Mandinga > Novembro de 1969 > Alguns dos elementos do Pel Caç Nat 63 >

Legenda: Soldado Django, Furriel Branquinho, Soldado Carvalho Atibeti, Soldado Duá, Alferes Cabral, Soldado Preto Turbado, 1º Cabo Rocha, Soldado Samba, 1º Cabo Injai, 1º Cabo Monteiro, 1º Cabo Marçal, Soldado Alfa (?), Soldado Maqueiro Adão, (?), 1º Cabo João, Soldado Alfa.

© Jorge Cabral (2005)


Texto de Jorge Cabral (ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71) (1):


O básico apaixonado

O Pel Caç Nat 63 esteve quase sempre em Destacamentos. Comigo em Fá e Missirá. Antes no Saltinho, e depois no Mato Cão.

Para os Destacamentos eram mandados os "especialistas" que a CCS [do Batalhão sediado em Bambadinca] não queria. Assim, tive maqueiros que não podiam ver sangue, motoristas epilépticos e até um apontador de morteiros cego de um olho. Tudo boa rapaziada, aliás!

Como cozinheiros, eram enviados os básicos, dos quais me lembro especialmente de um, pastor em Trás-os-Montes, semi-analfabeto, de uma ingenuidade tocante. Foi este que me pediu para escrever uma "bonita" carta à namorada. E assim fiz.

Ainda recordo algumas frases: "Beijo-te nos rins desta espingarda, bebendo-te no ventre da bazuca. Contigo celebro o orgasmo do canhão. Serei seta no teu alvo aberto à volúpia do sempre. Nunca mais eu, nunca mais tu, apenas um corpo, o nosso, no êxtase da eternidade...".

Enviada a carta, também eu fiquei à espera da resposta. Quinze dias depois, procurou-me o básico, entristecido:
– O meu Alferes é pecador?
– Eu? Porquê? - Estendeu-me então um aerograma com três linhas:
– Não escrevas mais poucas vergonhas. O Senhor Padre disse-me que pecou não só quem as escreveu, mas também quem as leu… Confessa-te, que eu já me confessei… Arminda.

Ainda ganharei o céu?

___________

(1) Vd posts anteriores, de 5 de Janeiro de 2006 >

Guiné 63/74 - CDXXII: Rally turra ? (estórias cabralianas)

Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum...

Guiné 63/74 - CDXXIX: O básico apaixonado (estórias cabralianas)

Guiné > Fá Mandinga > Novembro de 1969 > Alguns dos elementos do Pel Caç Nat 63 >

Legenda: Soldado Django, Furriel Branquinho, Soldado Carvalho Atibeti, Soldado Duá, Alferes Cabral, Soldado Preto Turbado, 1º Cabo Rocha, Soldado Samba, 1º Cabo Injai, 1º Cabo Monteiro, 1º Cabo Marçal, Soldado Alfa (?), Soldado Maqueiro Adão, (?), 1º Cabo João, Soldado Alfa.

© Jorge Cabral (2005)


Texto de Jorge Cabral (ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71) (1):


O básico apaixonado

O Pel Caç Nat 63 esteve quase sempre em Destacamentos. Comigo em Fá e Missirá. Antes no Saltinho, e depois no Mato Cão.

Para os Destacamentos eram mandados os "especialistas" que a CCS [do Batalhão sediado em Bambadinca] não queria. Assim, tive maqueiros que não podiam ver sangue, motoristas epilépticos e até um apontador de morteiros cego de um olho. Tudo boa rapaziada, aliás!

Como cozinheiros, eram enviados os básicos, dos quais me lembro especialmente de um, pastor em Trás-os-Montes, semi-analfabeto, de uma ingenuidade tocante. Foi este que me pediu para escrever uma "bonita" carta à namorada. E assim fiz.

Ainda recordo algumas frases: "Beijo-te nos rins desta espingarda, bebendo-te no ventre da bazuca. Contigo celebro o orgasmo do canhão. Serei seta no teu alvo aberto à volúpia do sempre. Nunca mais eu, nunca mais tu, apenas um corpo, o nosso, no êxtase da eternidade...".

Enviada a carta, também eu fiquei à espera da resposta. Quinze dias depois, procurou-me o básico, entristecido:
– O meu Alferes é pecador?
– Eu? Porquê? - Estendeu-me então um aerograma com três linhas:
– Não escrevas mais poucas vergonhas. O Senhor Padre disse-me que pecou não só quem as escreveu, mas também quem as leu… Confessa-te, que eu já me confessei… Arminda.

Ainda ganharei o céu?

___________

(1) Vd posts anteriores, de 5 de Janeiro de 2006 >

Guiné 63/74 - CDXXII: Rally turra ? (estórias cabralianas)

Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum...

Guiné 63/74: CDXXVIII: Comentário do Zé Neto sobre "O Meu Diário"

Texto do José Neto, capitão (reformado), o patriarca da nossa tertúlia: era o Sargento da CART 1613, em Guileje, tendo feito uma comissão entre 1967 e 1968.

Tenho acompanhado com interesse especial o Diário do José Teixeira por uma simples razão: Eu estava em Buba, com a CART 1613 (Os Lenços Verdes) quando a companhia dele [a CCAÇ 2381] lá desembarcou. Éramos a companhia de apoio ao novo Batalhão (BCAÇ 2835),"dita" em descanso depois de onze meses em Guileje.

A flagelação de 22 de Julho ao quartel de Buba que ele descreve foi "realmente uma brincadeira", pois foi efectuada a partir do outro lado do rio e dali "até com uma fisga se acertava no cu dum cozinheiro", mas não acertaram uma. Fraca pontaria? Não sei.

Desse evento guardo dois momentos hilariantes: (i) um capitão do comando do Batalhão (morreu há dias,Coronel) envergando um colete anti-balas vermelho que fazia parte do seu enxoval, acachapado numa vala e a guinchar como um desalmado; (ii) e a sessão fotográfica dos "maçaricos" (Comandantes incluídos) junto dos invólucros canelados de transporte das
granadas que o IN lá deixou.

Portanto o Zé Teixeira pisou o mesmo chão e ao mesmo tempo que eu.

Guiné 63/74: CDXXVIII: Comentário do Zé Neto sobre "O Meu Diário"

Texto do José Neto, capitão (reformado), o patriarca da nossa tertúlia: era o Sargento da CART 1613, em Guileje, tendo feito uma comissão entre 1967 e 1968.

Tenho acompanhado com interesse especial o Diário do José Teixeira por uma simples razão: Eu estava em Buba, com a CART 1613 (Os Lenços Verdes) quando a companhia dele [a CCAÇ 2381] lá desembarcou. Éramos a companhia de apoio ao novo Batalhão (BCAÇ 2835),"dita" em descanso depois de onze meses em Guileje.

A flagelação de 22 de Julho ao quartel de Buba que ele descreve foi "realmente uma brincadeira", pois foi efectuada a partir do outro lado do rio e dali "até com uma fisga se acertava no cu dum cozinheiro", mas não acertaram uma. Fraca pontaria? Não sei.

Desse evento guardo dois momentos hilariantes: (i) um capitão do comando do Batalhão (morreu há dias,Coronel) envergando um colete anti-balas vermelho que fazia parte do seu enxoval, acachapado numa vala e a guinchar como um desalmado; (ii) e a sessão fotográfica dos "maçaricos" (Comandantes incluídos) junto dos invólucros canelados de transporte das
granadas que o IN lá deixou.

Portanto o Zé Teixeira pisou o mesmo chão e ao mesmo tempo que eu.

06 janeiro 2006

Guiné 63/74 - CDXXVII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (5): Mampatá, Agosto-Setembro de 1968

Guiné > Mampatá > 1968

O 1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381


©José Teixeira (2005)


1. Comentário de L.G.


Zé Teixeira:

Olha, estou muito sensibilizado pela leitura do teu diário. Apesar da tua juventude, revelaste na guerra, na Guiné, ser um grande homem, um grande português, um grande profissional e um grande cristão... Como homem e como português, eu também tinha as mesmas angústias éticas do que tu...

O meu diário não era tão detalhado. Só escrevia de tempos a tempos... Tenho aqui publicado alguns excertos... Os meus parabéns pela tua postura… Tu transmites, pela escrita, simples, sincera, a quente, em cima dos acontecimentos, muito do que todos nós sentíamos e pensávamos...

Sei que havia mais jovens, como tu e eu, que passavam para o papel as suas perplexidades e angústias, ao longo da comissão na Guiné... Não era fácil: havia um censor em cada de nós, tínhamos medo de expressar, por escrito, o que víamos, ouvíamos, sentíamos e pensávamos... Houve cartas que nunca cheguei a pôr no correio... Eram tempos de castração mental, de repressão política, de intimidação...

Bom, espero que os nossos camaradas hoje saibam contextualizar a tua escrita, e sobretudo tenham sensibilidade para te ler e compreender, sem preconceitos... Podes mandar mais fotos da época se as tiveres: eu vou publicando o teu diário, por meses e lugares…

2. Continuação da publicação de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):


Mampatá, 12 de Agosto de 1968

Mais uma vez mudei de sítio. Agora pertenço ao Destacamento de Mampatá, para onde vim ontem de tarde com o meu pelotão. Cerca de 50 tabancas e alguns abrigos para militares. As camas são colchões pneumáticos colocados no chão dos abrigos. A cozinha e a Enfermaria são tipo estrela.

Não sei o tempo que estarei por aqui. Em princípio será por um mês e isto não me desagrada. Pelo menos estamos mais livres do fogo IN pois os abrigos são muito seguros.


Mampatá, 14 de Agosto de 1968

Hoje acordei ao som do Morteiro e das costureirinhas (2). O IN atacou ao amanhecer. Estava a lavar-me quando ouço um rebentamento perto de mim. Dei um salto, entro no abrigo. Aguardei uns minutos e quando acalmou saí para preparar o Posto de Socorros. Felizmente não houve qualquer azar.

Segundo se apurou estavam emboscados no cruzamento à espera da viatura que ia a Aldeia Formosa e no momento de rebentar a emboscada faziam fogo sobre Mampatá para que não fôssemos em socorro dos colegas. Felizmente um africano localizou-os e ao verem-se descobertos atacaram a povoação sem provocar danos.


Mampatá, 19 de Agosto de 1968

Hoje pelas 20 horas, tivemos a segunda visita do IN a Mampatá. Acabava de chegar da Tabanca com o Rodrigues de Torres Novas quando ouvi a primeira saída. Em cerca de 10 minutos mandou-nos 106 granadas de canhão sem recuo, como confirmámos pelos invólucros que deixaram na mata ao pressentirem a nossa perseguição. Queimaram uma Tabanca (3).

De Aldeia Formosa as NT mandaram algumas granadas de obus que assustaram o IN. Mampatá defendeu-se com os Morteiros 81 e 60 e com a Breda. Montei rapidamente o Posto de Socorros, mas não chegou a ser necessário.


Mampatá, 23 de Agosto de 1968

Mais uma etapa díficil para a CCAÇ 2381. Quem diria que, após uma coluna a Gandembel na qual se levantaram 57 minas A/P e quatro fornilhos depois da passagem por Xamarra (4) e sem ninguém contar, surge a terrível emboscada que provoca cinco feridos.

É sempre assim, onde menos se conta, quando a calma e a confiança volta ao espírito, quando se julga que o perigo já passou, surge de entre o arvoredo, traiçoeiramente o inimigo.

Um viver constante em estado de guerra arrasa o espírito. A parte física ressente-se , as conversas entre camaradas tornam-se por tudo ou nada exaltadas, pequenos quezílias, tornam-se problemas.

O homem é fruto do ambiente em que vive. Se o ambiente é de paz, sente-se a vida nos corações, a calma e a confiança no "outro ", vive-se a paz. Quando o troar dos canhões se ouve longe ou perto, quando existe guerra entre os homens, existe guerra no seu espírito. O espírito torna-se selvagem. Trava-se uma luta entre o antigo e o novo, entre o amor e o sangue. Um jovem que ainda ontem só pensava em amar, hoje não vacila em disparar sobre um inimigo, mesmo ferido inofensivo, inutilizado, a precisar de uma mão salvadora...

Antes de ontem e ontem, Buba foi atacada. Os Páras têm tido um trabalho intenso. Hoje bateram a zona de onde costumam atacar Aldeia Formosa. Há alguns dias que patrulham a zona envolvente de Gandembel e com bons resultados. vários mortos, manga de feridos e material apreendido.

Hoje escrevi para a Metrópole. As minhas últimas cartas não me agradam. Será que o meu amor está a diminuir ?... ou a ânsia de amar mais, me faz julgar que não consigo dar a entender quanto amo ?


Mampatá, 26 de Agosto de 1968

Estou preocupado. Seguiu hoje nova coluna para Buba e o Sector continua infestado de IN. Antes de ontem atacaram Aldeia Formosa, Gandembel e Nhala. Desta vez em Aldeia Formosa destruiram o morteiro 120. Nem os roncos dos Páras conseguem acalmar a situação, bem pelo contrário parecem enfurecidos.

Em Mampatá tudo está calmo. Os espíritos estão voltados para a estrada de Buba. Os ouvidos estão atentos a qualquer rebentamento... São camaradas que atravessam o perigo.

Senti uma enorme alegria aquando do ataque a Xamarra: vi os meus camaradas correrem em socorro dos que estavam em perigo.

Ontem recebi uma carta de um amor em férias. Que bem me fez esta carta...

Mostravas preocupação por estar magro, a mim parece-me o contrário, mas o mais importante foi o que escreveste "se precisares de alguma coisa diz, tua mãe ou eu mesmo te mando". ão preciso de nada a não ser voltar, no entanto não calculas quanto fiquei intimamente satisfeito e feliz com a tua atitude.

Parece incrível, desde manhã que há feridos na coluna para Buba, um dos quais sem um pé e só às 17 horas é que o Hélio fez a sua aparição para a evacuação. Não admira que haja mortos na Guiné.

Vivem-se horas angustiantes na guerra.


Mampatá, 27 de Agosto de 1968

A coluna para Buba passou a noite em Nhala. De lá foi feita a evacuação do Alzira que ficou sem um pé numa A/P que pisou quando saltou da viatura ao cair debaixo de fogo, numa emboscada. Acabou a guerra para ele.

Manga de fogo durante o dia de ontem. A coluna de Buba foi atacada na bolanha, os páras estacionados em Gandembel andavam a patrulhar a zona e encontraram um caminho, seguiram-no e penetraram sem saber num acampamento IN, ainda desconhecido. Apanhados de surpresa , o IN reagiu. Mesmo assim sofreram 29 mortos. Os Páras tiveram dois feridos.

O IN atacou Aldeia Formosa, Gandembel (grande ataque), Guileje e Buba.


Mampatá, 31 de Agosto de 1968

Acabaram-se as colunas para Buba e Gandembel durante uns meses e ainda bem. Era um bom quebra cabeças, pois sempre que havia colunas havia emboscadas e minas A/P e A/C para nossa diversão.

Na última coluna a Gandembel foram detectadas 57 minas A/P [antipessoal] e alguns fornilhos num pequeno espaço. A coluna teve de regressar, sem atingir o objectivo (levar mantimentos à Companhia estacionada em Gandembel e Ponte Balana), depois de duas tentativas de encontro com os camaradas que em sentido oposto tinham vindo montar a proteção à minha Companhia.

Na primeira tentativa, há a lamentar seis mortos e um desaparecido na Companhia de Gandembel. Na segunda tentativa rebentou uma A/P que feriu um colega meu. Tudo porque havia minas na estrada, fornilhos nas bermas e a floresta estava armadilhada.


Mampatá, 7 de Setembro de 1968

Tenho que reagir. Estou-me portando pior que os outros. Onde está a minha força de vontade de viver segundo o meu projecto de vida ?

Sinto-me só... recomeço a luta tanta vez... como fugir ?...Eu não quero matar. Eu não quero morrer. Quero viver, mas esta vida, não.

Tenho de encarar as situações com naturalidade. Confiar. Reagir... reagir com todas as minhas forças.

José Teixeira


_____

Notas de L.G.:

(1) Iniciado em 1 de Janeiro de 2006. Vd post > Guiné 63/74 - CDX: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (1): Buba, Julho de 1968

(2) Costureirinha, a célebre pistola-metralhadora PPSH

(3) Julgo que o autor quer dizer uma palhota ou morança (agregado familiar). O conjunto das moranças (diversas palhotas de um agregado familiar) correspondia a uma tabanca (povoação)

(4) Chamarra, a sul de Guebo (Aldeia Formosa), segundo os Serviços Cartográficos do Exército: vd. mapa geral da Província da Guiné (1961)

Guiné 63/74 - CDXXVII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (5): Mampatá, Agosto-Setembro de 1968

Guiné > Mampatá > 1968

O 1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381


©José Teixeira (2005)


1. Comentário de L.G.


Zé Teixeira:

Olha, estou muito sensibilizado pela leitura do teu diário. Apesar da tua juventude, revelaste na guerra, na Guiné, ser um grande homem, um grande português, um grande profissional e um grande cristão... Como homem e como português, eu também tinha as mesmas angústias éticas do que tu...

O meu diário não era tão detalhado. Só escrevia de tempos a tempos... Tenho aqui publicado alguns excertos... Os meus parabéns pela tua postura… Tu transmites, pela escrita, simples, sincera, a quente, em cima dos acontecimentos, muito do que todos nós sentíamos e pensávamos...

Sei que havia mais jovens, como tu e eu, que passavam para o papel as suas perplexidades e angústias, ao longo da comissão na Guiné... Não era fácil: havia um censor em cada de nós, tínhamos medo de expressar, por escrito, o que víamos, ouvíamos, sentíamos e pensávamos... Houve cartas que nunca cheguei a pôr no correio... Eram tempos de castração mental, de repressão política, de intimidação...

Bom, espero que os nossos camaradas hoje saibam contextualizar a tua escrita, e sobretudo tenham sensibilidade para te ler e compreender, sem preconceitos... Podes mandar mais fotos da época se as tiveres: eu vou publicando o teu diário, por meses e lugares…

2. Continuação da publicação de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):


Mampatá, 12 de Agosto de 1968

Mais uma vez mudei de sítio. Agora pertenço ao Destacamento de Mampatá, para onde vim ontem de tarde com o meu pelotão. Cerca de 50 tabancas e alguns abrigos para militares. As camas são colchões pneumáticos colocados no chão dos abrigos. A cozinha e a Enfermaria são tipo estrela.

Não sei o tempo que estarei por aqui. Em princípio será por um mês e isto não me desagrada. Pelo menos estamos mais livres do fogo IN pois os abrigos são muito seguros.


Mampatá, 14 de Agosto de 1968

Hoje acordei ao som do Morteiro e das costureirinhas (2). O IN atacou ao amanhecer. Estava a lavar-me quando ouço um rebentamento perto de mim. Dei um salto, entro no abrigo. Aguardei uns minutos e quando acalmou saí para preparar o Posto de Socorros. Felizmente não houve qualquer azar.

Segundo se apurou estavam emboscados no cruzamento à espera da viatura que ia a Aldeia Formosa e no momento de rebentar a emboscada faziam fogo sobre Mampatá para que não fôssemos em socorro dos colegas. Felizmente um africano localizou-os e ao verem-se descobertos atacaram a povoação sem provocar danos.


Mampatá, 19 de Agosto de 1968

Hoje pelas 20 horas, tivemos a segunda visita do IN a Mampatá. Acabava de chegar da Tabanca com o Rodrigues de Torres Novas quando ouvi a primeira saída. Em cerca de 10 minutos mandou-nos 106 granadas de canhão sem recuo, como confirmámos pelos invólucros que deixaram na mata ao pressentirem a nossa perseguição. Queimaram uma Tabanca (3).

De Aldeia Formosa as NT mandaram algumas granadas de obus que assustaram o IN. Mampatá defendeu-se com os Morteiros 81 e 60 e com a Breda. Montei rapidamente o Posto de Socorros, mas não chegou a ser necessário.


Mampatá, 23 de Agosto de 1968

Mais uma etapa díficil para a CCAÇ 2381. Quem diria que, após uma coluna a Gandembel na qual se levantaram 57 minas A/P e quatro fornilhos depois da passagem por Xamarra (4) e sem ninguém contar, surge a terrível emboscada que provoca cinco feridos.

É sempre assim, onde menos se conta, quando a calma e a confiança volta ao espírito, quando se julga que o perigo já passou, surge de entre o arvoredo, traiçoeiramente o inimigo.

Um viver constante em estado de guerra arrasa o espírito. A parte física ressente-se , as conversas entre camaradas tornam-se por tudo ou nada exaltadas, pequenos quezílias, tornam-se problemas.

O homem é fruto do ambiente em que vive. Se o ambiente é de paz, sente-se a vida nos corações, a calma e a confiança no "outro ", vive-se a paz. Quando o troar dos canhões se ouve longe ou perto, quando existe guerra entre os homens, existe guerra no seu espírito. O espírito torna-se selvagem. Trava-se uma luta entre o antigo e o novo, entre o amor e o sangue. Um jovem que ainda ontem só pensava em amar, hoje não vacila em disparar sobre um inimigo, mesmo ferido inofensivo, inutilizado, a precisar de uma mão salvadora...

Antes de ontem e ontem, Buba foi atacada. Os Páras têm tido um trabalho intenso. Hoje bateram a zona de onde costumam atacar Aldeia Formosa. Há alguns dias que patrulham a zona envolvente de Gandembel e com bons resultados. vários mortos, manga de feridos e material apreendido.

Hoje escrevi para a Metrópole. As minhas últimas cartas não me agradam. Será que o meu amor está a diminuir ?... ou a ânsia de amar mais, me faz julgar que não consigo dar a entender quanto amo ?


Mampatá, 26 de Agosto de 1968

Estou preocupado. Seguiu hoje nova coluna para Buba e o Sector continua infestado de IN. Antes de ontem atacaram Aldeia Formosa, Gandembel e Nhala. Desta vez em Aldeia Formosa destruiram o morteiro 120. Nem os roncos dos Páras conseguem acalmar a situação, bem pelo contrário parecem enfurecidos.

Em Mampatá tudo está calmo. Os espíritos estão voltados para a estrada de Buba. Os ouvidos estão atentos a qualquer rebentamento... São camaradas que atravessam o perigo.

Senti uma enorme alegria aquando do ataque a Xamarra: vi os meus camaradas correrem em socorro dos que estavam em perigo.

Ontem recebi uma carta de um amor em férias. Que bem me fez esta carta...

Mostravas preocupação por estar magro, a mim parece-me o contrário, mas o mais importante foi o que escreveste "se precisares de alguma coisa diz, tua mãe ou eu mesmo te mando". ão preciso de nada a não ser voltar, no entanto não calculas quanto fiquei intimamente satisfeito e feliz com a tua atitude.

Parece incrível, desde manhã que há feridos na coluna para Buba, um dos quais sem um pé e só às 17 horas é que o Hélio fez a sua aparição para a evacuação. Não admira que haja mortos na Guiné.

Vivem-se horas angustiantes na guerra.


Mampatá, 27 de Agosto de 1968

A coluna para Buba passou a noite em Nhala. De lá foi feita a evacuação do Alzira que ficou sem um pé numa A/P que pisou quando saltou da viatura ao cair debaixo de fogo, numa emboscada. Acabou a guerra para ele.

Manga de fogo durante o dia de ontem. A coluna de Buba foi atacada na bolanha, os páras estacionados em Gandembel andavam a patrulhar a zona e encontraram um caminho, seguiram-no e penetraram sem saber num acampamento IN, ainda desconhecido. Apanhados de surpresa , o IN reagiu. Mesmo assim sofreram 29 mortos. Os Páras tiveram dois feridos.

O IN atacou Aldeia Formosa, Gandembel (grande ataque), Guileje e Buba.


Mampatá, 31 de Agosto de 1968

Acabaram-se as colunas para Buba e Gandembel durante uns meses e ainda bem. Era um bom quebra cabeças, pois sempre que havia colunas havia emboscadas e minas A/P e A/C para nossa diversão.

Na última coluna a Gandembel foram detectadas 57 minas A/P [antipessoal] e alguns fornilhos num pequeno espaço. A coluna teve de regressar, sem atingir o objectivo (levar mantimentos à Companhia estacionada em Gandembel e Ponte Balana), depois de duas tentativas de encontro com os camaradas que em sentido oposto tinham vindo montar a proteção à minha Companhia.

Na primeira tentativa, há a lamentar seis mortos e um desaparecido na Companhia de Gandembel. Na segunda tentativa rebentou uma A/P que feriu um colega meu. Tudo porque havia minas na estrada, fornilhos nas bermas e a floresta estava armadilhada.


Mampatá, 7 de Setembro de 1968

Tenho que reagir. Estou-me portando pior que os outros. Onde está a minha força de vontade de viver segundo o meu projecto de vida ?

Sinto-me só... recomeço a luta tanta vez... como fugir ?...Eu não quero matar. Eu não quero morrer. Quero viver, mas esta vida, não.

Tenho de encarar as situações com naturalidade. Confiar. Reagir... reagir com todas as minhas forças.

José Teixeira


_____

Notas de L.G.:

(1) Iniciado em 1 de Janeiro de 2006. Vd post > Guiné 63/74 - CDX: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (1): Buba, Julho de 1968

(2) Costureirinha, a célebre pistola-metralhadora PPSH

(3) Julgo que o autor quer dizer uma palhota ou morança (agregado familiar). O conjunto das moranças (diversas palhotas de um agregado familiar) correspondia a uma tabanca (povoação)

(4) Chamarra, a sul de Guebo (Aldeia Formosa), segundo os Serviços Cartográficos do Exército: vd. mapa geral da Província da Guiné (1961)

Guiné 63/74 - CDXVI: Curriculum vitae de um atirador de artilharia (Carlos Marques dos Santos)

O Carlos Marques dos Santos, em 2005. Vive em Coimbra, é professor de educação física (reformado).

© Carlos Marques dos Santos (2005)


Curriculum Vitae (abreviado) :

Assentou praça em Mafra (EPI) em Setembro de 1966. Especialidade de Atirador de Artilharia em Vendas Novas.

Iniciou a formação da Companhia (CART 2339) no RAL 3, Évora, em 28 de Agosto de 1967.

É natural de Coimbra, da Freguesia de Santo António dos Olivais; estudou no antigo Liceu Normal de D. João III e no Colégio S. Pedro em Coimbra; foi atleta federado de Basquetebol e Andebol, treinador e dirigente desportivo na modalidade de Basquetebol; presidente da Direcção e da Assembleia Geral do Olivais F. Clube e Vice-Presidente da Associação de Basquetebol de Coimbra.

Diplomado em Educação Física, voltou ao Liceu D. João III como professor (hoje Escola Secundária José Falcão, nome alterado depois do 25 de Abril de 74, fazendo parte da Comissão de Gestão). Efectivou na Esc. Sec. de Avelar Brotero, onde integrou como Vice-Presidente o Conselho Directivo.

Foi professor de Mobilidade (técnicas de Orientação e Bengala) de alunos invisuais durante 32 anos. É actualmente aposentado e reside na Rua Gago Coutinho, 17 A-6.ºA – 3030-326 Coimbra (...).

Guiné > Mansambo > 1968 > O Fur Mil Atirador de Artilharia Marques dos Santos junto a um dos abrigos do aquartelamento

© Carlos Marques dos Santos (2005)


Na Guiné onde chegou a bordo do navio Ana Mafalda (parecia uma traineira!) (1), em 21 de Janeiro 1968, esteve em Fá Mandinga e Mansambo, onde foi rendido pela CCAÇ 2404.

Regressou a casa, em Dezembro de 1969, no navio Uíge, a 13 desse mês, dois anos após a partida para a Guiné.

Realizou treino operacional com a CART1746 (Xime) , entrando em intervenção no Sector L1 (2) até 22 de Novembro de 1969 .

Em 25 de Fevereiro de 1968, participa pela 1.ª vez numa operação de grande envergadura (Op Grão Mongol), com as CART 1646 e 2338, pelkotões de milícia e Pel Caç Nat. Esta acção foi elogiada pelo BART 1904 (Bambadinca) (1).


Guiné > CART 2339 (1968/69) > Brazão

© Carlos Marques dos Santos (2005)



Em Fevereiro de 1968 inicia-se a construção, de raiz, do futuro aquartelamento sede de Mansambo, com a construção e ocupação programada para operacionais e serviços. O meu Grupo de Combate (o 3º) só em Julho de 1968 se deslocou definitivamente de Fá para este aquartelamento fortificado.

Foi inaugurado oficialmente em 21 de Janeiro de 1969, com a presença de diversas entidades e grande festa. A nova iluminação - até aí era com bazookas [garrfas de cerveja de 0,6 l] e mechas embebidas em óleo – foi inaugurada com "fogo de artifício” – balas tracejantes a serem disparadas de G-3.

O projecto era do BENG [Batalhão de Engenharia] 447.
Mansambo ( a Cart2339)foi atacado em 28 de Junho de 1968, pela primeira de muitas vezes.

Guiné > Mansambo > 1968/69 >

Esquema dos vários abrigos do aquartelamento fortificado, projecto do BENG 447, construído pela CART 2239 ao longo de 1968 e inaugurado oficialmente em 21 de Janeiro de 1969. Baptismo de fogo: 28 de Junho de 1968.

© Carlos Marques dos Santos (2005)



Nota importante:

Em 3 e 4 de Fevereiro de 1968 estivemos envolvidos no cordão de tropas que, à volta de Bafatá, fez segurança ao Presidente da República, Américo Tomaz. Laranjas apanhadas das árvores e bolachas foi a nossa comida, em dia e meio.

Samba Silate, Demba Taco, Taibatá, Galo Corubal, Salicuta, Dando, Nova Lamego, Che-Che, Canjadude, Enxalé, Mato Cão, Geba, Cantacunda (onde os turras levaram 11 dos nossos – Abril de 1968), Sarabanda, Sincha Setu, Camamudo, Sare Gana (4), Banjara, Sambulacunda, Bantajã, Finete, Satecuta, Xitole, Burontoni, Poidão, Ganguiró, Bissaque, Moricanhe, Mussa Iero, Belel, Sinchã Camisa, Sambulacunda, etc., etc., etc.,: pelo menos um terço do Leste da Guiné (hoje Bissau) foi feita a pé. Sem água, sem comida, com abelhas e formigas, com mortos, feridos e desaparecidos.

É a Guerra. É tempo de haver Paz. Só quem lá esteve é que percebe.

Coimbra, 5 de Janeiro de 2006.

________

Notas de L.G.


(1) Vd pots de A. Mareques Lopes > 27 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967)

(2) Vd. post de 28 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VIII: O sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (1);

e post de 3 de maio de 2005 > Guiné 69/71 - XI: O Sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (2)

(3) Julgo ter sido este Batalhão que construiu o aquartelamento de Bambadinca, tendo sido rendido pelo BCAÇ 2852 (1968/70). O BART 1904 tem feito encontros anuais de convívio do seu pessoal: vd. página da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas, ponto de encontro

(4) Vd meu post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXI: Sare Ganá, a última tabanca de Joladu
(2) Vd. post de A. Marques Lopes, de 28 de Maio de 1969 > Guiné 69/71 - XXIX: Um ataque a Sare Ganá (1968)

Guiné 63/74 - CDXVI: Curriculum vitae de um atirador de artilharia (Carlos Marques dos Santos)

O Carlos Marques dos Santos, em 2005. Vive em Coimbra, é professor de educação física (reformado).

© Carlos Marques dos Santos (2005)


Curriculum Vitae (abreviado) :

Assentou praça em Mafra (EPI) em Setembro de 1966. Especialidade de Atirador de Artilharia em Vendas Novas.

Iniciou a formação da Companhia (CART 2339) no RAL 3, Évora, em 28 de Agosto de 1967.

É natural de Coimbra, da Freguesia de Santo António dos Olivais; estudou no antigo Liceu Normal de D. João III e no Colégio S. Pedro em Coimbra; foi atleta federado de Basquetebol e Andebol, treinador e dirigente desportivo na modalidade de Basquetebol; presidente da Direcção e da Assembleia Geral do Olivais F. Clube e Vice-Presidente da Associação de Basquetebol de Coimbra.

Diplomado em Educação Física, voltou ao Liceu D. João III como professor (hoje Escola Secundária José Falcão, nome alterado depois do 25 de Abril de 74, fazendo parte da Comissão de Gestão). Efectivou na Esc. Sec. de Avelar Brotero, onde integrou como Vice-Presidente o Conselho Directivo.

Foi professor de Mobilidade (técnicas de Orientação e Bengala) de alunos invisuais durante 32 anos. É actualmente aposentado e reside na Rua Gago Coutinho, 17 A-6.ºA – 3030-326 Coimbra (...).

Guiné > Mansambo > 1968 > O Fur Mil Atirador de Artilharia Marques dos Santos junto a um dos abrigos do aquartelamento

© Carlos Marques dos Santos (2005)


Na Guiné onde chegou a bordo do navio Ana Mafalda (parecia uma traineira!) (1), em 21 de Janeiro 1968, esteve em Fá Mandinga e Mansambo, onde foi rendido pela CCAÇ 2404.

Regressou a casa, em Dezembro de 1969, no navio Uíge, a 13 desse mês, dois anos após a partida para a Guiné.

Realizou treino operacional com a CART1746 (Xime) , entrando em intervenção no Sector L1 (2) até 22 de Novembro de 1969 .

Em 25 de Fevereiro de 1968, participa pela 1.ª vez numa operação de grande envergadura (Op Grão Mongol), com as CART 1646 e 2338, pelkotões de milícia e Pel Caç Nat. Esta acção foi elogiada pelo BART 1904 (Bambadinca) (1).


Guiné > CART 2339 (1968/69) > Brazão

© Carlos Marques dos Santos (2005)



Em Fevereiro de 1968 inicia-se a construção, de raiz, do futuro aquartelamento sede de Mansambo, com a construção e ocupação programada para operacionais e serviços. O meu Grupo de Combate (o 3º) só em Julho de 1968 se deslocou definitivamente de Fá para este aquartelamento fortificado.

Foi inaugurado oficialmente em 21 de Janeiro de 1969, com a presença de diversas entidades e grande festa. A nova iluminação - até aí era com bazookas [garrfas de cerveja de 0,6 l] e mechas embebidas em óleo – foi inaugurada com "fogo de artifício” – balas tracejantes a serem disparadas de G-3.

O projecto era do BENG [Batalhão de Engenharia] 447.
Mansambo ( a Cart2339)foi atacado em 28 de Junho de 1968, pela primeira de muitas vezes.

Guiné > Mansambo > 1968/69 >

Esquema dos vários abrigos do aquartelamento fortificado, projecto do BENG 447, construído pela CART 2239 ao longo de 1968 e inaugurado oficialmente em 21 de Janeiro de 1969. Baptismo de fogo: 28 de Junho de 1968.

© Carlos Marques dos Santos (2005)



Nota importante:

Em 3 e 4 de Fevereiro de 1968 estivemos envolvidos no cordão de tropas que, à volta de Bafatá, fez segurança ao Presidente da República, Américo Tomaz. Laranjas apanhadas das árvores e bolachas foi a nossa comida, em dia e meio.

Samba Silate, Demba Taco, Taibatá, Galo Corubal, Salicuta, Dando, Nova Lamego, Che-Che, Canjadude, Enxalé, Mato Cão, Geba, Cantacunda (onde os turras levaram 11 dos nossos – Abril de 1968), Sarabanda, Sincha Setu, Camamudo, Sare Gana (4), Banjara, Sambulacunda, Bantajã, Finete, Satecuta, Xitole, Burontoni, Poidão, Ganguiró, Bissaque, Moricanhe, Mussa Iero, Belel, Sinchã Camisa, Sambulacunda, etc., etc., etc.,: pelo menos um terço do Leste da Guiné (hoje Bissau) foi feita a pé. Sem água, sem comida, com abelhas e formigas, com mortos, feridos e desaparecidos.

É a Guerra. É tempo de haver Paz. Só quem lá esteve é que percebe.

Coimbra, 5 de Janeiro de 2006.

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Notas de L.G.


(1) Vd pots de A. Mareques Lopes > 27 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967)

(2) Vd. post de 28 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VIII: O sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (1);

e post de 3 de maio de 2005 > Guiné 69/71 - XI: O Sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (2)

(3) Julgo ter sido este Batalhão que construiu o aquartelamento de Bambadinca, tendo sido rendido pelo BCAÇ 2852 (1968/70). O BART 1904 tem feito encontros anuais de convívio do seu pessoal: vd. página da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas, ponto de encontro

(4) Vd meu post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXI: Sare Ganá, a última tabanca de Joladu
(2) Vd. post de A. Marques Lopes, de 28 de Maio de 1969 > Guiné 69/71 - XXIX: Um ataque a Sare Ganá (1968)

Guiné 63/74 - CDXXV: A Op Nada Consta vista pelo lado da CART 2339 (Mansambo)

Texto do Carlos Marques dos Santos (ex-furriel miliciano da CERT 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/70)

Amigo Albano:

Li a mensagem de saudação da minha entrada na tertúlia, mas não estou só para ir buscar memórias ao baú das recordações. Interessa-me mais o encadear dos factos ocorridos na guerra colonial.

Acontece que, ao ler um relato de uma operação realizada em conjunto com Paras - CCP122 e 123 (1), eu me tenha revisto no "outro lado". O que quero dizer? É simples.

A descrição que li, levou-me a perceber que "alguém" das NT esteve a empurrar o IN para o nosso lado, CART 2339, que tinha uma emboscada montada para esse efeito (Op Nada Consta)(2). As emboscadas servem para isso mesmo.

Eu estava lá, atento, atrás de um baga-baga, de arma na mão. Dois IN aparecem à minha frente, a 30 metros. O carregador da minha G-3 cai e não consegui disparar. Hoje penso: ainda bem.

A bazuca da minha secção é disparada, talvez para a linha de progressão da coluna do bigrupo que viria atrás. Informações posteriores dão conta que Mamadu Indjai, o comandante, tinha sido atingido.

Esta acção foi louvada pelos altos responsáveis. Mas, há que regressar a Mansambo e passar um pontão (rio Bissari), que era vital para atingir a sede da Companhia, sob pena de lá ficarmos todos.

No regresso, rápido, porque o tempo era escasso, tendo em vista uma retaliação do IN, leva-nos a descobrir um campo de minas - 10 antipessoais e uma anticarro(?). Esta era redonda como uma roda de um carro de mão. O relato de operações diz que é uma A/P reforçada. Seria ?

Tínhamos passado por cima delas no caminho de ida para a tal emboscada. No dia seguinte (21 de Agosto de 1969) fomos fazer o reconhecimento. Levantámos todas. Eu próprio levantei uma, com uma faca de mato que andava sempre comigo. Recebi 1.000$ por esse feito (que hoje digo, de grande irresponsabilidade).

Um carregador nativo, depois de levantada a mina A/C (?), transportava-a para a sede da Companhia, à cabeça, depois de ter sido desactivada a espoleta. Mas, havia outra (tal como na canção…) espoleta..... E mina estoirou.

Desapareceu parte do carregador nativo, houve feridos (um soldado do meu pelotão ficou totalmente surdo de um ouvido e, até hoje, ainda não foi ressarcido desse trauma, não psicológico, mas físico).

Em suma, vou continuar a ler e a relacionar factos que tenham a ver com a minha vida "vivida".

Um abraço do Marques dos Santos.
Coimbra

____________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 21 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXIII: Os anjos da morte


(2)Vd post de 30 de Jukho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969)

Guiné 63/74 - CDXXV: A Op Nada Consta vista pelo lado da CART 2339 (Mansambo)

Texto do Carlos Marques dos Santos (ex-furriel miliciano da CERT 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/70)

Amigo Albano:

Li a mensagem de saudação da minha entrada na tertúlia, mas não estou só para ir buscar memórias ao baú das recordações. Interessa-me mais o encadear dos factos ocorridos na guerra colonial.

Acontece que, ao ler um relato de uma operação realizada em conjunto com Paras - CCP122 e 123 (1), eu me tenha revisto no "outro lado". O que quero dizer? É simples.

A descrição que li, levou-me a perceber que "alguém" das NT esteve a empurrar o IN para o nosso lado, CART 2339, que tinha uma emboscada montada para esse efeito (Op Nada Consta)(2). As emboscadas servem para isso mesmo.

Eu estava lá, atento, atrás de um baga-baga, de arma na mão. Dois IN aparecem à minha frente, a 30 metros. O carregador da minha G-3 cai e não consegui disparar. Hoje penso: ainda bem.

A bazuca da minha secção é disparada, talvez para a linha de progressão da coluna do bigrupo que viria atrás. Informações posteriores dão conta que Mamadu Indjai, o comandante, tinha sido atingido.

Esta acção foi louvada pelos altos responsáveis. Mas, há que regressar a Mansambo e passar um pontão (rio Bissari), que era vital para atingir a sede da Companhia, sob pena de lá ficarmos todos.

No regresso, rápido, porque o tempo era escasso, tendo em vista uma retaliação do IN, leva-nos a descobrir um campo de minas - 10 antipessoais e uma anticarro(?). Esta era redonda como uma roda de um carro de mão. O relato de operações diz que é uma A/P reforçada. Seria ?

Tínhamos passado por cima delas no caminho de ida para a tal emboscada. No dia seguinte (21 de Agosto de 1969) fomos fazer o reconhecimento. Levantámos todas. Eu próprio levantei uma, com uma faca de mato que andava sempre comigo. Recebi 1.000$ por esse feito (que hoje digo, de grande irresponsabilidade).

Um carregador nativo, depois de levantada a mina A/C (?), transportava-a para a sede da Companhia, à cabeça, depois de ter sido desactivada a espoleta. Mas, havia outra (tal como na canção…) espoleta..... E mina estoirou.

Desapareceu parte do carregador nativo, houve feridos (um soldado do meu pelotão ficou totalmente surdo de um ouvido e, até hoje, ainda não foi ressarcido desse trauma, não psicológico, mas físico).

Em suma, vou continuar a ler e a relacionar factos que tenham a ver com a minha vida "vivida".

Um abraço do Marques dos Santos.
Coimbra

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 21 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXIII: Os anjos da morte


(2)Vd post de 30 de Jukho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969)

Guiné 63/74 - CDXXIV: Capelão, precisa-se, para tertúlia de ex-combatentes

Mensagem do Sousa de Castro:

Pe. Costa Pereira:

Temos uma tertúlia virtual formada na Net que escreve estórias reais, passadas por cada um de nós, do tempo da guerra colonial na Guiné (e só na Guiné). Somos mais de quarenta ex-combatentes, desde 1963 a 1974, que vai escrevendo e digitalizando fotos da época para publicação no Blogue-fora-nada que é da autoria do ex-Furriel Luís Graça que pertenceu à CCAÇ 12 sediada em Bambadinca [169/71].

Já temos um Cmdt(Coronel), já temos alferes, furriéis, cabos e soldados, precisamos de um Alferes Capelão, função que o Pe. Costa Pereira desempenhou (e bem) no BART 3873 em Bambadinca, de 1972 a 1974.

Por isso, em nome da tertúlia, venho convidá-lo a visitar o nosso blogue e a participar no nosso grupo virtual. Aproveito para lhe dizer que sou o António Manuel Sousa de Castro da CART 3494 (Xime) que viveu em Baroselas.

Guiné 63/74 - CDXXIV: Capelão, precisa-se, para tertúlia de ex-combatentes

Mensagem do Sousa de Castro:

Pe. Costa Pereira:

Temos uma tertúlia virtual formada na Net que escreve estórias reais, passadas por cada um de nós, do tempo da guerra colonial na Guiné (e só na Guiné). Somos mais de quarenta ex-combatentes, desde 1963 a 1974, que vai escrevendo e digitalizando fotos da época para publicação no Blogue-fora-nada que é da autoria do ex-Furriel Luís Graça que pertenceu à CCAÇ 12 sediada em Bambadinca [169/71].

Já temos um Cmdt(Coronel), já temos alferes, furriéis, cabos e soldados, precisamos de um Alferes Capelão, função que o Pe. Costa Pereira desempenhou (e bem) no BART 3873 em Bambadinca, de 1972 a 1974.

Por isso, em nome da tertúlia, venho convidá-lo a visitar o nosso blogue e a participar no nosso grupo virtual. Aproveito para lhe dizer que sou o António Manuel Sousa de Castro da CART 3494 (Xime) que viveu em Baroselas.

05 janeiro 2006

Guiné 63/74 - CDXXIII: Mansambo revisitado (Novembro de 2000)

Texto do Albano Costa, o nosso homem de Guidage e de... Guifões!

1. Amigo Luís Graça:

Quero deixar aqui a minha satisfação em termos estado juntos, nas vésperas de Natal, com o Marques Lopes, o José Teixeira, o Allen e o Hugo Costa, numa amena cavaqueira em casa dos teus estimados cunhados (o meu muito obrigado pela simpatia com que eles nos receberam, assim como a tua esposa), mas isto é mesmo assim, a «nossa» Guiné tem destas coisas.

Aquilo que muitos dos nossos camaradas que por lá passaram, e que ainda hoje não conseguem esquecer, aqueles tempos muito difíceis, espero que este blogue (em que és, e muito bem o seu comandante) sirva para fazer com que esses mesmos camaradas ao ter o conhecimento deste invento - cada vez maior - os faça mudar de opinião e possam, a partir do dia em que entrem nele, ver a Guiné, outrora muito má (por causa dos políticos da época), agora com outros olhos, e que sintam o povo guineense e português um só povo. Acho que vale a pena transmitir esta mensagem.

Quem tiver possibilidades em lá ir, e puder passar pela zona aonde esteve, que vá porque vale a pena. Luís, como dizes no blogue e muito bem, em Março o Allen vai à Guiné com o seu jipe e eu, claro, gostava muito de lá voltar, que estas coisas o que custa é a primeira vez, porque depois o «bichinho» está sempre cá dentro e quer lá voltar. Que o digam o Casimiro do Porto, o Armindo de Moreira de Cónegos, o Camilo (algarvio): estes são alguns dos que foram «mordidos», assim como o Hugo Costa que me disse:
- Pai, gostava de fazer uma viagem de jipe à Guiné. - E eu não resisti e já estou a preparar-me para o deixar ir, o Hugo Costa também foi daqueles que ficou apaixonado por aquele povo.

2. Agora para o nosso novo tertuliano Marques dos Santos [ex-furriel miliciano da CART 2339, Mansambo, 1968/70, afecta ao BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70].

Em primeiro de tudo estou a escrever estas letrinhas para te felicitar pela tua entrada neste blogue. É que estas coisas estão a fazer com que nós possamos desabafar aquilo que tem andando dentro de nós e que procuramos esquecer, mas não conseguimos. Foram momentos passados e com o andar da idade mais vai saltando para a nossa mente e, tirando as nossas «caras metades» que lá vão fazendo um esforço para nos aturar, mais ninguém quer saber de nós. E aqui que eu vou encontrando um bom passatempo para relembrar aqueles tempos de menino e moço.

Tenho lido as [tuas] memórias, e fiquei a pensar como está a fazer tão bem ao Marques dos Santos a ir ao fundo do baú buscar todas aquelas recordações. Eu por mim quando vou ao fundo do meu, sinto-me bem.

Agora eu quero informar que quando voltei à Guiné - foram das coisas maravilhosas por que passei na minha vida, e adorava lá voltar, quem sabe - quando estive em Mansambo, andámos atrás do dito quartel e só encontrámos um pequeno monumento à entrada do mesmo.

Só agora é que dá para entender porque não existiam as casernas, é que pela tua descrição eram abrigos, claro, esses ficaram com o tempo todos tapados, e não se via nada. Mas não desanimes, que agora existe lá muita população e muito hospitaleira como vai demonstrada nas fotos que envio, do quartel, e as outras, quem sabe se ainda recordas alguém, os meninos esses são filhos de guineenses do teu tempo. Há imagens muito interessantes, quem sabe talvez um dia as possas ver.

Se tiveres possibilidades de ir à Guiné vai sem qualquer receio: aquele povo adora-nos, eu aqui falo por aquilo que senti. Foi um dilema muito grande dentro de mim para me decidir a ir e confesso que mesmo quando lá cheguei ainda tinha um certo receio mas ao fim de umas horas apercebi-me que aquele povo gosta mesmo dos «irmãos» portugueses.

Albano Costa


Legendas das fotos de Mansambo



Estrada nova, fica a 50 metros, ao lado da antiga que passa pelo meio das belas tabancas


Lúcio, Casimiro, Armindo e Carlos [quatro dos camaradas que fizeram a viagem à Guiné com o Albano e mais outros tantos em Novembro de 2000], posando ao lado da placa que indica a povoação de Mansambo, do lado do antigo quartel


A pequena picada que dá, pelo meio das belas tabancas, em direcção ao antigo quartel


A entrada do quartel de Mansambo é isto ou o que resta...



A entrada do quartel de Mansambo também tem este monumento,o brazão da CART 2714 ("Bravos e Leais"), pertencente ao BART 2917 (1970/1972). Já em 1996, era o único que restava de pé.


População de Mansambo. Em 1969/71, apenas existia meia dúzia de famílias, ad dos guias e picadores que trabalhavam para as NT.


Na despedida da população de Mansambo... Era sempre o momento mais triste sentido por todos nós...


Um camião avariado na estrada Mansambo-Xitole... Isto faz-te lembrar alguma coisa, ó Marques dos Santos ? Sim, as colunas logístics Bambadinca - Mansambo - Xitole - Saltinho...

Créditos fotográficos : © Albano Costa (2006)

3. Comentário de Carlos Marques dos Santos, depois de visualizar estas imagens:

Mansambo, antes e agora. Até eu fiquei de boca aberta. Mansambo, aquilo??? Mas está explicado. No meu tempo só havia uma tabanca com meia dúzia de pessoas. O Leonardo era o chefe. O Lali Baló - ou Baldé (?) - e uma mulher lindíssima mais um filho pequenino.

Um Abraço, Marques dos Santos (Cart 2339, 1968/69)

Guiné 63/74 - CDXXIII: Mansambo revisitado (Novembro de 2000)

Texto do Albano Costa, o nosso homem de Guidage e de... Guifões!

1. Amigo Luís Graça:

Quero deixar aqui a minha satisfação em termos estado juntos, nas vésperas de Natal, com o Marques Lopes, o José Teixeira, o Allen e o Hugo Costa, numa amena cavaqueira em casa dos teus estimados cunhados (o meu muito obrigado pela simpatia com que eles nos receberam, assim como a tua esposa), mas isto é mesmo assim, a «nossa» Guiné tem destas coisas.

Aquilo que muitos dos nossos camaradas que por lá passaram, e que ainda hoje não conseguem esquecer, aqueles tempos muito difíceis, espero que este blogue (em que és, e muito bem o seu comandante) sirva para fazer com que esses mesmos camaradas ao ter o conhecimento deste invento - cada vez maior - os faça mudar de opinião e possam, a partir do dia em que entrem nele, ver a Guiné, outrora muito má (por causa dos políticos da época), agora com outros olhos, e que sintam o povo guineense e português um só povo. Acho que vale a pena transmitir esta mensagem.

Quem tiver possibilidades em lá ir, e puder passar pela zona aonde esteve, que vá porque vale a pena. Luís, como dizes no blogue e muito bem, em Março o Allen vai à Guiné com o seu jipe e eu, claro, gostava muito de lá voltar, que estas coisas o que custa é a primeira vez, porque depois o «bichinho» está sempre cá dentro e quer lá voltar. Que o digam o Casimiro do Porto, o Armindo de Moreira de Cónegos, o Camilo (algarvio): estes são alguns dos que foram «mordidos», assim como o Hugo Costa que me disse:
- Pai, gostava de fazer uma viagem de jipe à Guiné. - E eu não resisti e já estou a preparar-me para o deixar ir, o Hugo Costa também foi daqueles que ficou apaixonado por aquele povo.

2. Agora para o nosso novo tertuliano Marques dos Santos [ex-furriel miliciano da CART 2339, Mansambo, 1968/70, afecta ao BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70].

Em primeiro de tudo estou a escrever estas letrinhas para te felicitar pela tua entrada neste blogue. É que estas coisas estão a fazer com que nós possamos desabafar aquilo que tem andando dentro de nós e que procuramos esquecer, mas não conseguimos. Foram momentos passados e com o andar da idade mais vai saltando para a nossa mente e, tirando as nossas «caras metades» que lá vão fazendo um esforço para nos aturar, mais ninguém quer saber de nós. E aqui que eu vou encontrando um bom passatempo para relembrar aqueles tempos de menino e moço.

Tenho lido as [tuas] memórias, e fiquei a pensar como está a fazer tão bem ao Marques dos Santos a ir ao fundo do baú buscar todas aquelas recordações. Eu por mim quando vou ao fundo do meu, sinto-me bem.

Agora eu quero informar que quando voltei à Guiné - foram das coisas maravilhosas por que passei na minha vida, e adorava lá voltar, quem sabe - quando estive em Mansambo, andámos atrás do dito quartel e só encontrámos um pequeno monumento à entrada do mesmo.

Só agora é que dá para entender porque não existiam as casernas, é que pela tua descrição eram abrigos, claro, esses ficaram com o tempo todos tapados, e não se via nada. Mas não desanimes, que agora existe lá muita população e muito hospitaleira como vai demonstrada nas fotos que envio, do quartel, e as outras, quem sabe se ainda recordas alguém, os meninos esses são filhos de guineenses do teu tempo. Há imagens muito interessantes, quem sabe talvez um dia as possas ver.

Se tiveres possibilidades de ir à Guiné vai sem qualquer receio: aquele povo adora-nos, eu aqui falo por aquilo que senti. Foi um dilema muito grande dentro de mim para me decidir a ir e confesso que mesmo quando lá cheguei ainda tinha um certo receio mas ao fim de umas horas apercebi-me que aquele povo gosta mesmo dos «irmãos» portugueses.

Albano Costa


Legendas das fotos de Mansambo



Estrada nova, fica a 50 metros, ao lado da antiga que passa pelo meio das belas tabancas


Lúcio, Casimiro, Armindo e Carlos [quatro dos camaradas que fizeram a viagem à Guiné com o Albano e mais outros tantos em Novembro de 2000], posando ao lado da placa que indica a povoação de Mansambo, do lado do antigo quartel


A pequena picada que dá, pelo meio das belas tabancas, em direcção ao antigo quartel


A entrada do quartel de Mansambo é isto ou o que resta...



A entrada do quartel de Mansambo também tem este monumento,o brazão da CART 2714 ("Bravos e Leais"), pertencente ao BART 2917 (1970/1972). Já em 1996, era o único que restava de pé.


População de Mansambo. Em 1969/71, apenas existia meia dúzia de famílias, ad dos guias e picadores que trabalhavam para as NT.


Na despedida da população de Mansambo... Era sempre o momento mais triste sentido por todos nós...


Um camião avariado na estrada Mansambo-Xitole... Isto faz-te lembrar alguma coisa, ó Marques dos Santos ? Sim, as colunas logístics Bambadinca - Mansambo - Xitole - Saltinho...

Créditos fotográficos : © Albano Costa (2006)

3. Comentário de Carlos Marques dos Santos, depois de visualizar estas imagens:

Mansambo, antes e agora. Até eu fiquei de boca aberta. Mansambo, aquilo??? Mas está explicado. No meu tempo só havia uma tabanca com meia dúzia de pessoas. O Leonardo era o chefe. O Lali Baló - ou Baldé (?) - e uma mulher lindíssima mais um filho pequenino.

Um Abraço, Marques dos Santos (Cart 2339, 1968/69)

Guiné 63/74 - CDXXII: Rally turra ? (estórias cabralianas)

Numa tarde de tédio convenci o motorista da viatura existente em Missirá, um humilde Unimog, a dar um passeio. Pretendia visitar o Enxalé, seguindo pela estrada de Mato Cão, pela qual não passava qualquer veículo há muito tempo.

Progredimos alguns quilómetros, e perto de S. Belchior, ouvimos tiros, pelo que retrocedemos, perdendo no regresso um jericã.

E o caso teria ficado por aqui, se oito dias depois não fosse chamado ao Batalhão, onde o Major das Operações, me deu conta de uma inquietante informação: os turras possuíam viaturas, com as quais efectuavam abastecimentos, talvez de Mero. Até um jericã tinha sido encontrado. Fiz um ar preocupado como me competia, e afirmei que iria averiguar e fazer explodir o tal jericã, que devia estar minado.

Logo no dia seguinte, fui buscar o jericã, e não pensei mais no assunto. Porém, o Major não se esqueceu, e através de mensagem ordenou-me que informasse qual a origem dos indícios encontrados. Lá lhe respondi: “Viatura ligeira, presumivelmente soviética, detectados restos de aguardente de cana no jericã destruído”.

Tudo isto se passou a curtos dias do meu regresso pelo que desconheço as consequências da minha tão sábia informação…

Será que ordenaram aos turras que soprassem o balão?

Jorge Cabral

(ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71)

Guiné 63/74 - CDXXII: Rally turra ? (estórias cabralianas)

Numa tarde de tédio convenci o motorista da viatura existente em Missirá, um humilde Unimog, a dar um passeio. Pretendia visitar o Enxalé, seguindo pela estrada de Mato Cão, pela qual não passava qualquer veículo há muito tempo.

Progredimos alguns quilómetros, e perto de S. Belchior, ouvimos tiros, pelo que retrocedemos, perdendo no regresso um jericã.

E o caso teria ficado por aqui, se oito dias depois não fosse chamado ao Batalhão, onde o Major das Operações, me deu conta de uma inquietante informação: os turras possuíam viaturas, com as quais efectuavam abastecimentos, talvez de Mero. Até um jericã tinha sido encontrado. Fiz um ar preocupado como me competia, e afirmei que iria averiguar e fazer explodir o tal jericã, que devia estar minado.

Logo no dia seguinte, fui buscar o jericã, e não pensei mais no assunto. Porém, o Major não se esqueceu, e através de mensagem ordenou-me que informasse qual a origem dos indícios encontrados. Lá lhe respondi: “Viatura ligeira, presumivelmente soviética, detectados restos de aguardente de cana no jericã destruído”.

Tudo isto se passou a curtos dias do meu regresso pelo que desconheço as consequências da minha tão sábia informação…

Será que ordenaram aos turras que soprassem o balão?

Jorge Cabral

(ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71)

Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum...

Guiné > Fá Mandinga > Novembro de 1969 > O Alf Mil Art Cabral e parte dos seus feros guerreiros do Pel Caç Nat 63, incluindo a cabra e o cão.

© Jorge Cabral (2005)


1. Amigo Luís,

Continuo diariamente a acompanhar o teu/nosso blogue, o qual me propícia um fantástico manancial de recordações. Agradeço que corrijas a "arma" a que pertencia, a fim de não suscitar a ira dos homens dos obuses. Era Alferes Miliciano de Artilharia, especialidade sofrida em Vendas Novas, onde fui aspirante durante largos meses, sendo então amigo de alguns jovens Tenentes que mais tarde tiveram papel determinante na Revolução de Abril. Foi nessa altura que convivi com o Agordela e com o Passos Marques, os quais na Guiné voltei a encontrar.

Envio três "histórias" e duas fotos, e um grande abraço, extensivo ao Humberto [Reis], magnífico fornecedor das imagens dos caminhos e trilhos, os quais ainda percorro na busca das bajudas...

Até sempre em todos os dias.

Jorge

(ex-Alf Mil Art, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71)


2. A grande história da guerra da Guiné nunca se fará sem a petite histoire do Cabral, do Jorge Cabral... Ele acaba de me mandar três estórias, qual delas a mais deliciosa, e que eu vou servir como slow food... Meus amigos, isto são pequenas obras-primas de nosso humor castrense, da irreverência e do non-sense que aprendemos a cultivar na Guiné, longe do Vietname, e que nos ajudou a resistir a tudo (sem esquecer o uísque, com ou sem água de Perrier). O absurdo (daquela guerra, do nosso quotidiano, das patéticas figuras de alguns dos nossos comandantes...) só se podia combater com o absurdo do nosso (quase sempre bom) humor...

Aqui vai a primeira estória. Estou grato ao Jorge, por ter arranjado um bocadinho do seu escasso tempo para nós e de se ter lembrado destes gourmands da Guiné...


A mulher do Major e o castigo do Cabral


Quando de Missirá me deslocava a Bambadinca, seguia sempre a mesma rotina. Primeiro visitava o Bar do Soldado, até porque aí tinha que liquidar as despesas alcoólicas efectuadas pelo meu Soldado Ocamari Nanque, que se encontrava preso.

Desta personagem, que depois passou a ordenança do Polidoro Monteiro (1), papel gordo do Biombo, ex-soldado na Índia, falarei um dia.

Feitas as contas, bem acompanhadas de várias libações e seguindo uma hierarquia ascendente, passava ao Bar dos Sargentos, onde continuava a "matar a sede" e só por fim aterrava no Bar dos Oficiais.

Naquele dia quando entrei fiquei surpreendido. Além do simpático e solícito barman, apenas uma branca jovem senhora ali se encontrava. Desconhecendo em absoluto de quem se tratava, reparei que a mesma ficou espantada com a minha aparição. (Na verdade o meu aspecto não era muito civilizado. Enlameado até ao peito – havia atravessado a bolanha de Finete, ostentava um estrambólico bigode e amparava-me num pingalim-bengala prateado).

Logo da porta encomendei:
- Rapaz, uma sandes de chocolate e um whisky quádruplo - e, vendo pelo canto do olho a reacção da dama, iniciei um absurdo monólogo sobre a minha dieta alimentar:
- Ando cheio de fome, os presuntos de macaco não me sabem a nada, a sopa de formigas causa-me azia, até a vinagrada de orelhas de turra me provoca urticária...

O espanto da jovem dera lugar ao pânico, até que entrou o Major, que vendo a mulher pálida e aterrada, se afligiu:
– Que tens querida? Estás mal disposta? Olha, apresento-te o Alferes Cabral, de Missirá.
Não me estendeu a mão, nada balbuciou, saiu quase a correr…
Logo nessa noite recebi uma mensagem:
- Alferes Cabral proibido de se deslocar a Bambadinca, durante sessenta dias.

Cumprido o "castigo" voltei, mas nunca mais vi a mulher do Major. Contaram-me que a avisavam logo que eu entrava no quartel...

_______

Nota de L.G.

(1) Tenente-coronel, spinolista, último comandante do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) na altura em que os quadros metropolitanos da CCAÇ 12 foram rendiidos individualmente (Fevereiro/Março de 1971).

Esta figura já aqui foi evocada, neste blogue, duas ou três vezes, pelo David Guimarães e por mim:

Vd post de 26 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXVI: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (6)

Vd post de 29d e Abril de 2005 > Guiné 69/71 - IX: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (1)

Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum...

Guiné > Fá Mandinga > Novembro de 1969 > O Alf Mil Art Cabral e parte dos seus feros guerreiros do Pel Caç Nat 63, incluindo a cabra e o cão.

© Jorge Cabral (2005)


1. Amigo Luís,

Continuo diariamente a acompanhar o teu/nosso blogue, o qual me propícia um fantástico manancial de recordações. Agradeço que corrijas a "arma" a que pertencia, a fim de não suscitar a ira dos homens dos obuses. Era Alferes Miliciano de Artilharia, especialidade sofrida em Vendas Novas, onde fui aspirante durante largos meses, sendo então amigo de alguns jovens Tenentes que mais tarde tiveram papel determinante na Revolução de Abril. Foi nessa altura que convivi com o Agordela e com o Passos Marques, os quais na Guiné voltei a encontrar.

Envio três "histórias" e duas fotos, e um grande abraço, extensivo ao Humberto [Reis], magnífico fornecedor das imagens dos caminhos e trilhos, os quais ainda percorro na busca das bajudas...

Até sempre em todos os dias.

Jorge

(ex-Alf Mil Art, comandante do Pel Caç Nat 63, destacado em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71)


2. A grande história da guerra da Guiné nunca se fará sem a petite histoire do Cabral, do Jorge Cabral... Ele acaba de me mandar três estórias, qual delas a mais deliciosa, e que eu vou servir como slow food... Meus amigos, isto são pequenas obras-primas de nosso humor castrense, da irreverência e do non-sense que aprendemos a cultivar na Guiné, longe do Vietname, e que nos ajudou a resistir a tudo (sem esquecer o uísque, com ou sem água de Perrier). O absurdo (daquela guerra, do nosso quotidiano, das patéticas figuras de alguns dos nossos comandantes...) só se podia combater com o absurdo do nosso (quase sempre bom) humor...

Aqui vai a primeira estória. Estou grato ao Jorge, por ter arranjado um bocadinho do seu escasso tempo para nós e de se ter lembrado destes gourmands da Guiné...


A mulher do Major e o castigo do Cabral


Quando de Missirá me deslocava a Bambadinca, seguia sempre a mesma rotina. Primeiro visitava o Bar do Soldado, até porque aí tinha que liquidar as despesas alcoólicas efectuadas pelo meu Soldado Ocamari Nanque, que se encontrava preso.

Desta personagem, que depois passou a ordenança do Polidoro Monteiro (1), papel gordo do Biombo, ex-soldado na Índia, falarei um dia.

Feitas as contas, bem acompanhadas de várias libações e seguindo uma hierarquia ascendente, passava ao Bar dos Sargentos, onde continuava a "matar a sede" e só por fim aterrava no Bar dos Oficiais.

Naquele dia quando entrei fiquei surpreendido. Além do simpático e solícito barman, apenas uma branca jovem senhora ali se encontrava. Desconhecendo em absoluto de quem se tratava, reparei que a mesma ficou espantada com a minha aparição. (Na verdade o meu aspecto não era muito civilizado. Enlameado até ao peito – havia atravessado a bolanha de Finete, ostentava um estrambólico bigode e amparava-me num pingalim-bengala prateado).

Logo da porta encomendei:
- Rapaz, uma sandes de chocolate e um whisky quádruplo - e, vendo pelo canto do olho a reacção da dama, iniciei um absurdo monólogo sobre a minha dieta alimentar:
- Ando cheio de fome, os presuntos de macaco não me sabem a nada, a sopa de formigas causa-me azia, até a vinagrada de orelhas de turra me provoca urticária...

O espanto da jovem dera lugar ao pânico, até que entrou o Major, que vendo a mulher pálida e aterrada, se afligiu:
– Que tens querida? Estás mal disposta? Olha, apresento-te o Alferes Cabral, de Missirá.
Não me estendeu a mão, nada balbuciou, saiu quase a correr…
Logo nessa noite recebi uma mensagem:
- Alferes Cabral proibido de se deslocar a Bambadinca, durante sessenta dias.

Cumprido o "castigo" voltei, mas nunca mais vi a mulher do Major. Contaram-me que a avisavam logo que eu entrava no quartel...

_______

Nota de L.G.

(1) Tenente-coronel, spinolista, último comandante do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) na altura em que os quadros metropolitanos da CCAÇ 12 foram rendiidos individualmente (Fevereiro/Março de 1971).

Esta figura já aqui foi evocada, neste blogue, duas ou três vezes, pelo David Guimarães e por mim:

Vd post de 26 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXVI: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (6)

Vd post de 29d e Abril de 2005 > Guiné 69/71 - IX: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (1)

04 janeiro 2006

Guiné 63/74 - CDXX: Pensando... A Guiné que em (re)(vi)vi (2005) (José Teixeira)


Guiné > Mampatá Foreá > Rescaldo de ataque do IN à hora do almoço (3 de Novembro de 1968)

© José Teixeira (2005)

Texto, em duas partes, do José Teixeira, ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381 que esteve em Ingoré (no norte, em treino operacional) e foi depois colocada no sul (Bula, Aldeia Borbosa, Mampatá, Empada) (Maio de 1968 / Maio de 1970).

Em Março de 2005, o Teixeira volta à Guiné-Bissau... por terra (Lisboa-Bissau). O que viu e sentiu, um quarto de século depois, é relatado nesta II parte... A Guiné que eu re(vi)vi (2005) (*):


Durante estes anos passados era esta a imagem que eu retinha da Guiné. Devorava todas as notícias que foram marcando aquela terra vermelha. Mas o sonho mantinha-se.

Precisava de voltar e apreciar as mudanças. Família e amigos apelidavam-me de "doido". Rompi barreiras, aceitei o desafio de um amigo e voltei.

Atravessei Espanha, Marrocos, Mauritânia e Senegal para entrar na Guiné por Pirada (1) e ser recebido como um amigo que volta a sua casa. De facto, senti-me em Portugal.

É verdade que hoje continuo a sonhar acordado e a dormir, com a Guiné, mas uma visão muito mais sadia. Pensava que uma ida aos locais onde vivi, me curaria da sodade ... a Guiné sair-me-ia do pensamento.

Se antes, sentia necessidade de ir buscar "paz" para o meu espírito, agora sinto uma vontade ainda maior de voltar, voltar sempre. Hoje, continuo a sonhar, mas com a outra Guiné. A de 2005 com o mesmo povo, franco, aberto, comunicativo e sobretudo alegre e acolhedor.

Os tempos da guerra passaram e, se deixaram marcas negativas, estas foram abafadas pelo que de bom lhe levamos. Formas de estar, de pensar e agir diferentes. Apesar de levarmos a guerra e o sofrimento, também levámos uma nobreza de alma.


Guiné-Bissau > Buba > 2005 > Chefe da Tabanca Lisboa, a 5 Km de Buba, um antigo centro de treino do IN...

O chefe da tabanca, onde vivem vários antigos combatentes do PAIGC, é por sua vez um antigo paraquedista, formado em Tancos, e que lutou ao lado dos portugueses...

© José Teixeira (2005)


A maior parte dos portugueses que foram chamados à Guiné, eram oriundos do interior de Portugal. Gente humilde e honrada. Gente que soube separar as águas e não ver nos Guineenses um inimigo a abater, mas pessoas que apenas tinham outra cor, outras culturas e hábitos, outra forma de vestir.

A simbiose fez-se naturalmente, sem dificuldades e a imagem que ficou, mantem-se. Somos queridos e bem vindos:
Tu Português de Portugal, eu Português de Guiné - ouvi dizer algures na nova Guiné que visitei em 2005. Ou:
- Branco ê na volta ! Branco ê na volta mesmo – como me dizia a velhinha mulher do falecido Sambel, Homem Grande de Contabane (1) quando comovida me abraçava.

A visão panorâmica das aldeias locais (tabancas) mudou completamente e também mudou, felizmente, na minha mente.

Vi pistas de aviação foram transformadas em locais de habitação e de produção de Caju, vi casernas transformadas em escolas, por todas as tabancas por onde passei. Os espaços que mantínhamos capinados à voltas das tabancas por questões de segurança, são zonas de habitação e produção de cajueiros (2). As tabancas cresceram, romperam as barreiras de arame farpado, aproximaram-se umas das outras. Não há medos nem silêncios, há vida.

A estrada de Quebo a Mampatá Forea, outrora deserta e minada, quantas vezes, onde havia duas tabancas, Afia e Bacardado, esta última abandonada no meu tempo depois de incendiada pelo IN, é hoje uma passerelle contínua de pessoas em movimento, que se alonga por Uane, Sare Donhã e Samba Sábali. A estrada de Saltinho, Contabane a Quebo, fechada, após a destruição de Contabane(2), é outro corredor de interligação de pessoas.

Guiné-Bissau > 2005

... "Em Abril de 2005 tal como em 1968"...

© José Teixeira (2005)


Buba voltou a ter a vida que nos anais da história retratam como cidade comercial (transformada no tempo da guerra numa pequena povoação com um forte contingente militar – duas Companhias da tropa macaca, uma de Comandos ou Páras e uma de Fuzileiros). Banhada pelo Rio Grande Buba, braço de mar. Porto de ligação com a zona de Tombali. Centro comercial pela sua posição estratégica, cresceu imenso, gerando uma grande avenida que ultrapassa o fim da pista de aviação, actualmente transformada em zona habitacional e de comércio.

A picada para Fulacunda foi activada, dando acesso à tabanca de Sare Tuto, a cerca de 5 Km de Buba, conhecida por Tabanca Lisboa. Outrora base e centro de treino IN. Daí partiam para nos "incomodar" na estrada em construção, nas colunas para Quebo e nas tabancas onde estacionávamos (Buba, Nhala, Samba Sábali, etc.).

Insólito é que o Chefe de Tabanca actual é um antigo paraquedista das FAP [Força Aérea Portuguesa], talvez mais português que qualquer um de nós, até no português que fala sem sotaque local.

Os seus habitantes são ainda, na sua maioria antigos IN. O nosso amigo que se orgulha de ter servido Portugal tirou o Curso em Tancos e seguiu para a sua terra onde durante anos serviu Portugal nos Paras. No fim da guerra viveu clandestinamente durante dois anos e depois voltou... para a mulher que tinha do outro lado da barreira e vivia nesta linda tabanca de Sare Tuto (ou Lisboa), onde ainda hoje, quase só se fala Crioulo ou francês. As suas bases culturais depressa o guindaram ao lugar de Chefe de Tabanca. Tem em funcionamento uma escola de Português e está a criar outra no outro extremo da Tabanca. Conhecedor da mata como ninguém, é um excelente pisteiro, procurado pelos caçadores brancos que vão à Guiné e se instalam no Saltinho.

Aqui neste cantinho escondido da Guiné, tive o meu reencontro oficial com o IN. Quatro homens e mulheres, manga delas, observavam-nos à distância de 2 a 3 metros. Perguntei quem eram e tive como resposta:
- Turras!- Dirigi-me a eles:
- A bó bandido qui taka Buba, tempo di guera ? - Começaram se a rir e um deles retorquiu:
- A bó turra branco qui firma na Buba ? djobe. Manga di tempo qui guera na kaba. Parte mantanhas.

Demos um abraço e eu senti-me um homem feliz!

___________

Notas do autor:

(1) História que também merece ser contada, mais tarde.

(2) Contabane é uma tabanca que fica entre Quebo e Saltinho (Sinchã Shambel).

O Régulo Shambel teve a visita do IN na noite de São João de 1968. A tabanca foi incendiada e destruída, o Pelotão da CCAÇ 2382 teve de retirar com a roupa que trazia no corpo e a população refugiou-se em Quebo.

Actualmente a sua mulher vive em Sinchã Sambel do outro lado da ponte do Saltinho, cujo chefe é seu filho. Este era milícia em Mampatá Forea e casou com a Nana, filha do Alferes de milícia Aliu Baldé, régulo de Mampatá no meu tempo.

Tive o prazer de conviver de novo com esta mulher que era uma das mais belas bajudas que conheci, e continua a sê-lo, a par da sua amiga e futura cunhada Famara Baldé (minha lavandera).

_____

Nota de L.G.

(*) Vd a I parte > post de 4 de janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXVIII: Pensando... A Guiné que eu (vi)vi (1968/70) (José Teixeira)

Guiné 63/74 - CDXX: Pensando... A Guiné que em (re)(vi)vi (2005) (José Teixeira)


Guiné > Mampatá Foreá > Rescaldo de ataque do IN à hora do almoço (3 de Novembro de 1968)

© José Teixeira (2005)

Texto, em duas partes, do José Teixeira, ex-1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381 que esteve em Ingoré (no norte, em treino operacional) e foi depois colocada no sul (Bula, Aldeia Borbosa, Mampatá, Empada) (Maio de 1968 / Maio de 1970).

Em Março de 2005, o Teixeira volta à Guiné-Bissau... por terra (Lisboa-Bissau). O que viu e sentiu, um quarto de século depois, é relatado nesta II parte... A Guiné que eu re(vi)vi (2005) (*):


Durante estes anos passados era esta a imagem que eu retinha da Guiné. Devorava todas as notícias que foram marcando aquela terra vermelha. Mas o sonho mantinha-se.

Precisava de voltar e apreciar as mudanças. Família e amigos apelidavam-me de "doido". Rompi barreiras, aceitei o desafio de um amigo e voltei.

Atravessei Espanha, Marrocos, Mauritânia e Senegal para entrar na Guiné por Pirada (1) e ser recebido como um amigo que volta a sua casa. De facto, senti-me em Portugal.

É verdade que hoje continuo a sonhar acordado e a dormir, com a Guiné, mas uma visão muito mais sadia. Pensava que uma ida aos locais onde vivi, me curaria da sodade ... a Guiné sair-me-ia do pensamento.

Se antes, sentia necessidade de ir buscar "paz" para o meu espírito, agora sinto uma vontade ainda maior de voltar, voltar sempre. Hoje, continuo a sonhar, mas com a outra Guiné. A de 2005 com o mesmo povo, franco, aberto, comunicativo e sobretudo alegre e acolhedor.

Os tempos da guerra passaram e, se deixaram marcas negativas, estas foram abafadas pelo que de bom lhe levamos. Formas de estar, de pensar e agir diferentes. Apesar de levarmos a guerra e o sofrimento, também levámos uma nobreza de alma.


Guiné-Bissau > Buba > 2005 > Chefe da Tabanca Lisboa, a 5 Km de Buba, um antigo centro de treino do IN...

O chefe da tabanca, onde vivem vários antigos combatentes do PAIGC, é por sua vez um antigo paraquedista, formado em Tancos, e que lutou ao lado dos portugueses...

© José Teixeira (2005)


A maior parte dos portugueses que foram chamados à Guiné, eram oriundos do interior de Portugal. Gente humilde e honrada. Gente que soube separar as águas e não ver nos Guineenses um inimigo a abater, mas pessoas que apenas tinham outra cor, outras culturas e hábitos, outra forma de vestir.

A simbiose fez-se naturalmente, sem dificuldades e a imagem que ficou, mantem-se. Somos queridos e bem vindos:
Tu Português de Portugal, eu Português de Guiné - ouvi dizer algures na nova Guiné que visitei em 2005. Ou:
- Branco ê na volta ! Branco ê na volta mesmo – como me dizia a velhinha mulher do falecido Sambel, Homem Grande de Contabane (1) quando comovida me abraçava.

A visão panorâmica das aldeias locais (tabancas) mudou completamente e também mudou, felizmente, na minha mente.

Vi pistas de aviação foram transformadas em locais de habitação e de produção de Caju, vi casernas transformadas em escolas, por todas as tabancas por onde passei. Os espaços que mantínhamos capinados à voltas das tabancas por questões de segurança, são zonas de habitação e produção de cajueiros (2). As tabancas cresceram, romperam as barreiras de arame farpado, aproximaram-se umas das outras. Não há medos nem silêncios, há vida.

A estrada de Quebo a Mampatá Forea, outrora deserta e minada, quantas vezes, onde havia duas tabancas, Afia e Bacardado, esta última abandonada no meu tempo depois de incendiada pelo IN, é hoje uma passerelle contínua de pessoas em movimento, que se alonga por Uane, Sare Donhã e Samba Sábali. A estrada de Saltinho, Contabane a Quebo, fechada, após a destruição de Contabane(2), é outro corredor de interligação de pessoas.

Guiné-Bissau > 2005

... "Em Abril de 2005 tal como em 1968"...

© José Teixeira (2005)


Buba voltou a ter a vida que nos anais da história retratam como cidade comercial (transformada no tempo da guerra numa pequena povoação com um forte contingente militar – duas Companhias da tropa macaca, uma de Comandos ou Páras e uma de Fuzileiros). Banhada pelo Rio Grande Buba, braço de mar. Porto de ligação com a zona de Tombali. Centro comercial pela sua posição estratégica, cresceu imenso, gerando uma grande avenida que ultrapassa o fim da pista de aviação, actualmente transformada em zona habitacional e de comércio.

A picada para Fulacunda foi activada, dando acesso à tabanca de Sare Tuto, a cerca de 5 Km de Buba, conhecida por Tabanca Lisboa. Outrora base e centro de treino IN. Daí partiam para nos "incomodar" na estrada em construção, nas colunas para Quebo e nas tabancas onde estacionávamos (Buba, Nhala, Samba Sábali, etc.).

Insólito é que o Chefe de Tabanca actual é um antigo paraquedista das FAP [Força Aérea Portuguesa], talvez mais português que qualquer um de nós, até no português que fala sem sotaque local.

Os seus habitantes são ainda, na sua maioria antigos IN. O nosso amigo que se orgulha de ter servido Portugal tirou o Curso em Tancos e seguiu para a sua terra onde durante anos serviu Portugal nos Paras. No fim da guerra viveu clandestinamente durante dois anos e depois voltou... para a mulher que tinha do outro lado da barreira e vivia nesta linda tabanca de Sare Tuto (ou Lisboa), onde ainda hoje, quase só se fala Crioulo ou francês. As suas bases culturais depressa o guindaram ao lugar de Chefe de Tabanca. Tem em funcionamento uma escola de Português e está a criar outra no outro extremo da Tabanca. Conhecedor da mata como ninguém, é um excelente pisteiro, procurado pelos caçadores brancos que vão à Guiné e se instalam no Saltinho.

Aqui neste cantinho escondido da Guiné, tive o meu reencontro oficial com o IN. Quatro homens e mulheres, manga delas, observavam-nos à distância de 2 a 3 metros. Perguntei quem eram e tive como resposta:
- Turras!- Dirigi-me a eles:
- A bó bandido qui taka Buba, tempo di guera ? - Começaram se a rir e um deles retorquiu:
- A bó turra branco qui firma na Buba ? djobe. Manga di tempo qui guera na kaba. Parte mantanhas.

Demos um abraço e eu senti-me um homem feliz!

___________

Notas do autor:

(1) História que também merece ser contada, mais tarde.

(2) Contabane é uma tabanca que fica entre Quebo e Saltinho (Sinchã Shambel).

O Régulo Shambel teve a visita do IN na noite de São João de 1968. A tabanca foi incendiada e destruída, o Pelotão da CCAÇ 2382 teve de retirar com a roupa que trazia no corpo e a população refugiou-se em Quebo.

Actualmente a sua mulher vive em Sinchã Sambel do outro lado da ponte do Saltinho, cujo chefe é seu filho. Este era milícia em Mampatá Forea e casou com a Nana, filha do Alferes de milícia Aliu Baldé, régulo de Mampatá no meu tempo.

Tive o prazer de conviver de novo com esta mulher que era uma das mais belas bajudas que conheci, e continua a sê-lo, a par da sua amiga e futura cunhada Famara Baldé (minha lavandera).

_____

Nota de L.G.

(*) Vd a I parte > post de 4 de janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXVIII: Pensando... A Guiné que eu (vi)vi (1968/70) (José Teixeira)