28 janeiro 2006

Guiné 63/74 - CDLXXXI: A Guiné para os bloguistas - I Parte (Conceição Salgado)




Guiné > Zona Leste > Bambadinca > Rio Undunduma > 1970 >

Uma produção pecuária dependente da prática da transumância... Ontem como hoje.Mas actualmente enfenta crescentes problemas devido às divergências ao conflito entre entre as leis fundiárias tradicionais e os constrangimentos da poder político de Estado.

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

© Humberto Reis (2006)



Caracterização Socio-Económica da República da Guiné-Bissau

Texto da Dr. Conceição Salgado, economista e cooperante, membro da nossa tertúlia

A sociedade guineense é constituída por cerca de 1,2 milhões de pessoas (1999) distribuída por cerca de trinta etnias diferentes, as quais têm sabido manter uma louvável relação especial de coabitação, que, de acordo com a lição de Amílcar Cabral, e os princípios que nortearam a luta armada, souberam desenvolver, “aglutinando homens e ideias cimentadas na e pela prática, pois nunca um movimento de libertação em África conseguiu unir tantas etnias numa mesma luta, eliminando, [então] clivagens regionais ou tribais” (Lopes, C., 1982), ainda que continuem a existir os designados “chãos” (1).

A população urbana constitui 24,5 % (PNUD, 2001).



Guiné-Bissau: Um dos países mais pobres do mundo, com um rendimento nacional bruto por habitante de 160 dólares (em 2001)

Fonte: © Conceição Salgado (2006)

Bissau, a capital, tem hoje uma população estimada em cerca de 400.000 habitantes, grande parte proveniente do interior (um fenómeno que não resultou do evento militar de 1998), o que provoca situações de alto risco em termos de fome, de saúde, de habitação e de empregabilidade, de educação, de estrutura social, mesmo da destruição da diversidade étnica e cultural.

A República da Guiné-Bissau é um dos países mais pobres do mundo, de acordo com os relatórios da ONU. A organização económica da República da Guiné-Bissau apresenta as seguintes características gerais:

Guiné-Bissau: Um país cada vez mais pobre... O Produto Interno Bruto (PIB) passou de 256 milhões de dólares em 1991 para menos 199 milhões, em 2001

© Conceição Salgado (2006)


(i) economia de subsistência, repousando, essencialmente na agricultura e na pesca, essencialmente comunitária, pois os meios de produção (a terra e os instrumentos de trabalho) são propriedade comum da comunidade de base (a família), representando cerca de 60% do PIB;
(ii) formações pré-capitalistas;

(iii) separação de classes entre os camponeses, pequenos comerciantes e classe dirigente;

(iv) existência de relações mercantis internas em esferas limitadas;

(v) inexistência de comércio com o exterior, aspecto que nos reconduz ao colonialismo, o qual fez concentrar na minoria dirigente as transacções comerciais com o exterior (reduzindo-se a venda, quase exclusivamente, de caju e óleo de palma – monoculturas).


Guiné-Bissau: A degradação das terras de cultivo...

© Conceição Salgado (2006)


Crê-se que existe uma diminuição de cerca de 30% de terras incultas em relação aos meados da década de oitenta (principalmente as bolanhas) (2).

Na Guiné-Bissau coexistem, hoje, formas de produção tributárias (assentes na terra e distribuição comunitária); mercantis a nível interno ou pouco significativo com países vizinhos - actividade realizada pelos djilas (3) - e um reduzido comércio externo de carácter monopolista.


Na realidade, as grandes tarefas económicas ligadas à agricultura (lavoura da terra, colheita, transportes, trabalhos hidráulicos, etc.) são realizadas pelo trabalho comunitário que permanece fiel a valores ancestrais.

A economia de subsistência prima sobre a economia de mercado, mas existem traços mercantis a despontaram, ao longo das décadas de independência; algumas estruturas débeis, de cariz capitalista, ligadas ao frágil sector de exportação / importação, dominadas por uma diminuta minoria local e por vagos interesses exteriores.


Guiné-Bissau: A economia de substência prima pela economia de mercado...

© Conceição Salgado (2006)


As explorações agrícolas são de cariz familiar e concentradas junto das tabancas (4).


Guiné-Bissau: Predominância das explorações agrícolas de cariz familiar e comunitário

© Conceição Salgado (2006)


A agricultura é, ainda hoje, o sector mais importante na economia guineense, caracterizando-se por:

(i) uso intensivo da mão de obra;

(ii) escasso uso de meios tecnológicos;

(iii) diminuta utilização da tracção animal;

(iv) a rotação de culturas é prática comum, contribuindo para a degradação geral do meio ambiente;

(v) as principais culturas são: caju, arroz (até aos anos 60 a Guiné-Bissau exportava arroz), milho miúdo, sorgo, amendoim, mandioca e frutos tropicais.

Os recursos básicos são, por força do mercado, o caju (que ocupa cerca de 70% da população activa, sendo uma actividade sazonal), o amendoim, o óleo de palma, o coco, e as pescas, para além da exportação de madeiras.

Mas continua a ser mais fácil importar o arroz da China ou de outros países, uma vez que existem dois factores negativos que impedem a normal produção deste cereal:

(i) difíceis transportes internos para escoamento do arroz produzido na região sul do País;

(ii) interesses comerciais isolados.

© Conceição Salgado (2006) (5)

À fraca estrutura económica acresce uma baixa produtividade agrícola, um isolamento dos mercados internacionais, a fragilidade dos solos e a fraca produção alimentar não facilita a diversidade económica dos produtos primários para exportação. O comércio tradicional vem dando progressivamente lugar ao comércio por bruto, em especial do caju.

Nas zonas rurais, empobrecidas pelas migrações para a capital, as relações de tipo tributário são de longe as mais importantes; nas cidades, sobretudo Bissau, a macrocéfala capital, predomina o “modo de produção capitalista”.

As florestas, grande riqueza deste País, têm vindo a ser objecto de grandes intervenções negativas: intensos abates de árvores de alto porte e de grande valor natural e ecológico, e que, por um lado, servem para produzir carvão para consumo doméstico e, por outro, para exportação em favor de interesses comerciais, provocando a “savanização” da paisagem.

A produção pecuária depende basicamente da prática de transumância, «que enfrenta problemas crescentes devido às divergências entre as leis fundiárias tradicionais e as estatais» (Dias, J. R., 1996).

O subsolo não está especialmente analisado sob o ponto de vista das riquezas minerais, sendo conhecida a existência de bauxite e fosfatos, e ainda, ao que parece, de petróleo.


Guiné-Bissau > Bafatá > 2001 > O cajueiro vernelho © David J. Guimarães (2005) ... Ou a praga da cultura do caju... Segundo o José Carlos Mussà Biai (que é engenheiro florestal, mandinga do Xime, guineense e cidadão português, e membro da nossa tertúlia), as autoridades de Bissau têm estado nos últimos anos a incentivar a monocultura do caju. Os resultados podem vir a ser catastróficos para a população: em troca do caju, os agricultores recebem arroz, em quantidades que lhe dão para o ano todo. Desincentiva-se assim a cultura do arroz, que é importado e custa divisas. No ano em que houver um desastre na cultura do caju, vai haver fome... Além disso, "o cajueiro é como o eucalipto", destrói os solos... Em contrapartida, os povos do sul que cultivam o arroz não o conseguem escoar para Bissau por que não há uma rede viária e nem transportes em condições... Resultado: ficam os velhos e as crianças no interior, enquanto os mais novos vai engrossar o lumpen-proletariado de Bissau, hoje com um terço da população do país... (LG)

(Continua)
__________
Notas da autora:

(1) Chão: território predominantemente dominado por uma etnia, ao qual pode corresponder um Regulado
(2) Terras alagadiças de cultivo
(3) Djilas: pequenos comerciantes muçulmanos
(4) Tabanca – aldeia guineense
(5) Índice de produção > Ano base: 1989-91

Guiné 63/74 - CDLXXXI: A Guiné para os bloguistas - I Parte (Conceição Salgado)




Guiné > Zona Leste > Bambadinca > Rio Undunduma > 1970 >

Uma produção pecuária dependente da prática da transumância... Ontem como hoje.Mas actualmente enfenta crescentes problemas devido às divergências ao conflito entre entre as leis fundiárias tradicionais e os constrangimentos da poder político de Estado.

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

© Humberto Reis (2006)



Caracterização Socio-Económica da República da Guiné-Bissau

Texto da Dr. Conceição Salgado, economista e cooperante, membro da nossa tertúlia

A sociedade guineense é constituída por cerca de 1,2 milhões de pessoas (1999) distribuída por cerca de trinta etnias diferentes, as quais têm sabido manter uma louvável relação especial de coabitação, que, de acordo com a lição de Amílcar Cabral, e os princípios que nortearam a luta armada, souberam desenvolver, “aglutinando homens e ideias cimentadas na e pela prática, pois nunca um movimento de libertação em África conseguiu unir tantas etnias numa mesma luta, eliminando, [então] clivagens regionais ou tribais” (Lopes, C., 1982), ainda que continuem a existir os designados “chãos” (1).

A população urbana constitui 24,5 % (PNUD, 2001).



Guiné-Bissau: Um dos países mais pobres do mundo, com um rendimento nacional bruto por habitante de 160 dólares (em 2001)

Fonte: © Conceição Salgado (2006)

Bissau, a capital, tem hoje uma população estimada em cerca de 400.000 habitantes, grande parte proveniente do interior (um fenómeno que não resultou do evento militar de 1998), o que provoca situações de alto risco em termos de fome, de saúde, de habitação e de empregabilidade, de educação, de estrutura social, mesmo da destruição da diversidade étnica e cultural.

A República da Guiné-Bissau é um dos países mais pobres do mundo, de acordo com os relatórios da ONU. A organização económica da República da Guiné-Bissau apresenta as seguintes características gerais:

Guiné-Bissau: Um país cada vez mais pobre... O Produto Interno Bruto (PIB) passou de 256 milhões de dólares em 1991 para menos 199 milhões, em 2001

© Conceição Salgado (2006)


(i) economia de subsistência, repousando, essencialmente na agricultura e na pesca, essencialmente comunitária, pois os meios de produção (a terra e os instrumentos de trabalho) são propriedade comum da comunidade de base (a família), representando cerca de 60% do PIB;
(ii) formações pré-capitalistas;

(iii) separação de classes entre os camponeses, pequenos comerciantes e classe dirigente;

(iv) existência de relações mercantis internas em esferas limitadas;

(v) inexistência de comércio com o exterior, aspecto que nos reconduz ao colonialismo, o qual fez concentrar na minoria dirigente as transacções comerciais com o exterior (reduzindo-se a venda, quase exclusivamente, de caju e óleo de palma – monoculturas).


Guiné-Bissau: A degradação das terras de cultivo...

© Conceição Salgado (2006)


Crê-se que existe uma diminuição de cerca de 30% de terras incultas em relação aos meados da década de oitenta (principalmente as bolanhas) (2).

Na Guiné-Bissau coexistem, hoje, formas de produção tributárias (assentes na terra e distribuição comunitária); mercantis a nível interno ou pouco significativo com países vizinhos - actividade realizada pelos djilas (3) - e um reduzido comércio externo de carácter monopolista.


Na realidade, as grandes tarefas económicas ligadas à agricultura (lavoura da terra, colheita, transportes, trabalhos hidráulicos, etc.) são realizadas pelo trabalho comunitário que permanece fiel a valores ancestrais.

A economia de subsistência prima sobre a economia de mercado, mas existem traços mercantis a despontaram, ao longo das décadas de independência; algumas estruturas débeis, de cariz capitalista, ligadas ao frágil sector de exportação / importação, dominadas por uma diminuta minoria local e por vagos interesses exteriores.


Guiné-Bissau: A economia de substência prima pela economia de mercado...

© Conceição Salgado (2006)


As explorações agrícolas são de cariz familiar e concentradas junto das tabancas (4).


Guiné-Bissau: Predominância das explorações agrícolas de cariz familiar e comunitário

© Conceição Salgado (2006)


A agricultura é, ainda hoje, o sector mais importante na economia guineense, caracterizando-se por:

(i) uso intensivo da mão de obra;

(ii) escasso uso de meios tecnológicos;

(iii) diminuta utilização da tracção animal;

(iv) a rotação de culturas é prática comum, contribuindo para a degradação geral do meio ambiente;

(v) as principais culturas são: caju, arroz (até aos anos 60 a Guiné-Bissau exportava arroz), milho miúdo, sorgo, amendoim, mandioca e frutos tropicais.

Os recursos básicos são, por força do mercado, o caju (que ocupa cerca de 70% da população activa, sendo uma actividade sazonal), o amendoim, o óleo de palma, o coco, e as pescas, para além da exportação de madeiras.

Mas continua a ser mais fácil importar o arroz da China ou de outros países, uma vez que existem dois factores negativos que impedem a normal produção deste cereal:

(i) difíceis transportes internos para escoamento do arroz produzido na região sul do País;

(ii) interesses comerciais isolados.

© Conceição Salgado (2006) (5)

À fraca estrutura económica acresce uma baixa produtividade agrícola, um isolamento dos mercados internacionais, a fragilidade dos solos e a fraca produção alimentar não facilita a diversidade económica dos produtos primários para exportação. O comércio tradicional vem dando progressivamente lugar ao comércio por bruto, em especial do caju.

Nas zonas rurais, empobrecidas pelas migrações para a capital, as relações de tipo tributário são de longe as mais importantes; nas cidades, sobretudo Bissau, a macrocéfala capital, predomina o “modo de produção capitalista”.

As florestas, grande riqueza deste País, têm vindo a ser objecto de grandes intervenções negativas: intensos abates de árvores de alto porte e de grande valor natural e ecológico, e que, por um lado, servem para produzir carvão para consumo doméstico e, por outro, para exportação em favor de interesses comerciais, provocando a “savanização” da paisagem.

A produção pecuária depende basicamente da prática de transumância, «que enfrenta problemas crescentes devido às divergências entre as leis fundiárias tradicionais e as estatais» (Dias, J. R., 1996).

O subsolo não está especialmente analisado sob o ponto de vista das riquezas minerais, sendo conhecida a existência de bauxite e fosfatos, e ainda, ao que parece, de petróleo.


Guiné-Bissau > Bafatá > 2001 > O cajueiro vernelho © David J. Guimarães (2005) ... Ou a praga da cultura do caju... Segundo o José Carlos Mussà Biai (que é engenheiro florestal, mandinga do Xime, guineense e cidadão português, e membro da nossa tertúlia), as autoridades de Bissau têm estado nos últimos anos a incentivar a monocultura do caju. Os resultados podem vir a ser catastróficos para a população: em troca do caju, os agricultores recebem arroz, em quantidades que lhe dão para o ano todo. Desincentiva-se assim a cultura do arroz, que é importado e custa divisas. No ano em que houver um desastre na cultura do caju, vai haver fome... Além disso, "o cajueiro é como o eucalipto", destrói os solos... Em contrapartida, os povos do sul que cultivam o arroz não o conseguem escoar para Bissau por que não há uma rede viária e nem transportes em condições... Resultado: ficam os velhos e as crianças no interior, enquanto os mais novos vai engrossar o lumpen-proletariado de Bissau, hoje com um terço da população do país... (LG)

(Continua)
__________
Notas da autora:

(1) Chão: território predominantemente dominado por uma etnia, ao qual pode corresponder um Regulado
(2) Terras alagadiças de cultivo
(3) Djilas: pequenos comerciantes muçulmanos
(4) Tabanca – aldeia guineense
(5) Índice de produção > Ano base: 1989-91

27 janeiro 2006

Guiné 63/74 - CDLXXX: Uma boleia na Daimler do Vacas de Carvalho (Xitole, David Guimarães)

Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > "No Saltinho, as bajudas continuam lindas, ontem, como hoje", escreveu o José Teixeira, quando lá voltou em Abril de 2005. Mas esta é (ou era, no nosso tempo) também uma região palúdica, devido à existência de rios e charcos de água, acrescenta o nosso David Guimarães, vítima do paludismo, como quase todos nós... © José Teixeira (2005)

Texto do David Guimarães:

Nós sabemos o que era uma coluna logística, uma operação de reabastecimento, mas outros nem calculam o que seja..... O vai haver coluna já era uma grande chatice... Andar até ao Jagarajá, à Ponte do Rio Jagarajá, a pé e a picar, não era pera doce... E depois? Se acaso acontecia mais algo a seguir?

Claro que não vou explicar o que é picar - não será necessário, antes fosse.... O picar na tabanca era bem melhor, maravilha mesmo... Agora picar aquela estrada toda até ao Jagarajá, porra, que grande merda!... Na tabanca sempre era melhor, era pelo menos algo bem diferente do que ir a servir de rebenta minas...

Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > Recordações dos nossos camaradas da CCAÇ 2406 e do Pel Caç Nat 53 que lá ficaram . © José Teixeira (2005)

Pois é, a grande operação, a saída da rotina. Depois havia que manter a guarda de amanhã até á noite... É que, quando a coluna vinha para o Xitole, então também se ia ao Saltinho. Ufa, que grande merda, mas tinha que ser....

O Quaresma, o Santos e eu vivíamos os três na altura no mesmo apartamento do Xitole - um à esquerda, outro à direita e eu ao centro... Sempre simples e amigo da brincadeira, eu via os dois desgraçados com uma camada de paludismo a vomitarem e eu lá no meio a acalmá-los:
- Vocês são uns merdas, não valem nada... Pois, não fazem o que eu digo!... Apanham isto por que não bebem. Quem bebe bem, safa-se!

E eles, coitados, riam e choravam ao memso tempo, e seguir lá vomitavam o que não tinham no estômago. O paludismo era assim... Bem lá me levantava eu de manhã e lá ficavam eles na cama.... Eles já tinham o cu como um crivo, só das injecções.
- Porra!, - dizia eu - quem dera nunca me dê esta merda...

Bem, mas eles melhoravam e eu estava bom - antes assim. São meus amigos, faço-lhes companhia e trago-lhes o correio... É verdade e lá parto de manhã, um belo dia, para a dita operação de segurança à coluna que vinha de Bambadinca...
- Ai, que bom não ser eu a picar, ainda bem! - Nos revezávamo-nos entre os três grupos de Combate em cada coluna: ia um até ao Jagarajá, outro ficava no ponto intermédio e o outro adiante da Ponte dos Fulas, aquela ponte a 3 Km do Xitole onde estava sempre um grupo de combate. Esse limitava-se a ver passar o comboio ... e a tomar conta da ponte, claro...

Bem, lá fomos nós por ali adiante, os três grupos, o meu no meio. Eu, como sempre levei duas Fantas - cerveja só no Xitole -, enfim uma ou outra coisita da ração de reserva e doces, nem vê-los..... É que aquelas geleias e coisas mais doces da ração atraía a nós uns mosquitos chatos e sobretudo umas formigas que ferravam e não nos largavam. Quantas vezes tivemos que as tirar das zonas púbicas - que bem que está a falar um ex-militar!.... Quantas vezes tivemos que arrear as calças, para essa aflitiva operação!... Mas essa era outra guerra, paralela à coluna...

Lá progredimos e começámos a instalarmo-nos, ao lado da estrada, metidos uns 20 a 30 metros dentro do mato.... Depois ali era esperar, esperar que os motores se começassem a ouvir e as viaturas a surgir, envoltas em núvens de poeira:
- Aí vem a coluna!...

Já tínhamos morto umas centenas de moscas pequeninas que vinham fazer cócegas onde havia mais suor. O pulso era um dos seus alvos prefeidos, mesmo na zona da correia do relógio...

Uma vez instalado, eis que me deu sede... Bebi uma Fanta, quase de um só gole. Aao mesmo tempo deu-me um frio danado, vomitei a bebida de imediato e tiveram que me cobrir com um camuflado. Comecei a tremer como varas verdes - não, dessa vez não era com medo, era com frio, arrepios de frio, no meio de um calor do caraças.... Tive ainda forças para dizer:
- Lopes (era um cabo da minha secção), comande esta merda e meta-me na primeira viatura que aparacer... Estou com paludismo... ´



Guiné > Xitole > 1970 > A coluna logística mensal de Bambadinca chega ao Xitole... Em cima da Daimler, ao centro o alferes miliciano de cavalaria Vacas de Carvalho, comandante do pelotão Daimler; à sua direita, o furrriel miliciano Reis, da CCAÇ 12, à sua esquerda o furriel miliciano enfermeiro Godinho, da CCS do BART 2917, mais o furriel miliciano Roda, da CCAÇ 12.
© Humberto Reis (2006)


Porra, que eu nem forças tinha para me pôr de pé. Lá vim para a estrada, apoiado no cabo, até que enfim se ouve o trabalhar dos motores, as viaturas das colunas...O cabo mete-me na primeira...
- Sobe, diz o oficial. - E lá fui eu a tremer até ao Xitole, a bordo o de uma viatura... de Cavalaria, a autometralhadora Daimler do Vacas de Carvalho, comandante do Pelotão Daimler... Esse mesmo, o da fotografia, espero que não tenha sido nesse dia mesmo que eu fiquei doente; julgo que na altura lhe agradeci a boleia, mase o não fiz, devido ao estado febril em que eu me encontrava, ainda vou a tempo, trinta e seis anos depois:
- Obrigado, meu alferes! Foi a melhor boleia, a mais oportuna, a mais rápida, que eu apanhei na puta da vida! Mesmo à justa!... (1)

Bom, o resto da estória é fácil de imaginar: enfermaria, uns comprimidos e cama - uma semana de baixa!... Ai que bom, nem precisei de injecções.... Aí naquele quarto de hotel de cinco esterleas, o que o Santos e o Quaresma - falecido pouco depois, uma história negra já aqui contada (2) - me disseram!
- Então, seu caralho, tu é que eras o bom!...
- Por favor, deixem-me em paz! - pedia-lhes eu....

A guerra naquela zona sempre foi tremendamente difícil. Sei que o Xitole era das zonas da Guiné que mais problemas tinha com o caraças do paludismo: tínhamos muito charcos de água e dois rios bem perto, o Corubal e o Poulom, aquele da ponte dos Fulas... Chegámos a ter muita gente acamada ao mesmo tempo e não dávamos descanso à enfermaria....

Como estão a ver na guerra apanhava-se de tudo: boleias de Daimler, picadas de formigas, moscas e mosquitos, paludismo, além da porrada... Em matéria de picadas, também as fiz, picadas à pista de aviação de Bambadinca... Mas isso é outra estória, que fica para uma próxima...

Abraço,
David
( ex-Furriel Miliciano Guimarães, CART 2716, Xitole, 1970-1972)

_________

Notas de L.G.

(1) Em resposta a a este post, o J. Vacas de Carvalho mandou ao David, com conhecimento ao resto da tertúlia, a seguinte mensagem: "A próxima vez que vieres por Lisboa ou Montemor dou-te outra vez boleia até á tasca mais próxima. Podes continuar a beber Fanta. Eu vou numa imperial fresquinha. Um grande abraço. J.Vacas de Carvalho
(2) Vd. post do David Guimarães, de 10 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIX: Estórias do Xitole: 'Com minas e armadilhas, só te enganas um vez'

Guiné 63/74 - CDLXXX: Uma boleia na Daimler do Vacas de Carvalho (Xitole, David Guimarães)

Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > "No Saltinho, as bajudas continuam lindas, ontem, como hoje", escreveu o José Teixeira, quando lá voltou em Abril de 2005. Mas esta é (ou era, no nosso tempo) também uma região palúdica, devido à existência de rios e charcos de água, acrescenta o nosso David Guimarães, vítima do paludismo, como quase todos nós... © José Teixeira (2005)

Texto do David Guimarães:

Nós sabemos o que era uma coluna logística, uma operação de reabastecimento, mas outros nem calculam o que seja..... O vai haver coluna já era uma grande chatice... Andar até ao Jagarajá, à Ponte do Rio Jagarajá, a pé e a picar, não era pera doce... E depois? Se acaso acontecia mais algo a seguir?

Claro que não vou explicar o que é picar - não será necessário, antes fosse.... O picar na tabanca era bem melhor, maravilha mesmo... Agora picar aquela estrada toda até ao Jagarajá, porra, que grande merda!... Na tabanca sempre era melhor, era pelo menos algo bem diferente do que ir a servir de rebenta minas...

Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > Recordações dos nossos camaradas da CCAÇ 2406 e do Pel Caç Nat 53 que lá ficaram . © José Teixeira (2005)

Pois é, a grande operação, a saída da rotina. Depois havia que manter a guarda de amanhã até á noite... É que, quando a coluna vinha para o Xitole, então também se ia ao Saltinho. Ufa, que grande merda, mas tinha que ser....

O Quaresma, o Santos e eu vivíamos os três na altura no mesmo apartamento do Xitole - um à esquerda, outro à direita e eu ao centro... Sempre simples e amigo da brincadeira, eu via os dois desgraçados com uma camada de paludismo a vomitarem e eu lá no meio a acalmá-los:
- Vocês são uns merdas, não valem nada... Pois, não fazem o que eu digo!... Apanham isto por que não bebem. Quem bebe bem, safa-se!

E eles, coitados, riam e choravam ao memso tempo, e seguir lá vomitavam o que não tinham no estômago. O paludismo era assim... Bem lá me levantava eu de manhã e lá ficavam eles na cama.... Eles já tinham o cu como um crivo, só das injecções.
- Porra!, - dizia eu - quem dera nunca me dê esta merda...

Bem, mas eles melhoravam e eu estava bom - antes assim. São meus amigos, faço-lhes companhia e trago-lhes o correio... É verdade e lá parto de manhã, um belo dia, para a dita operação de segurança à coluna que vinha de Bambadinca...
- Ai, que bom não ser eu a picar, ainda bem! - Nos revezávamo-nos entre os três grupos de Combate em cada coluna: ia um até ao Jagarajá, outro ficava no ponto intermédio e o outro adiante da Ponte dos Fulas, aquela ponte a 3 Km do Xitole onde estava sempre um grupo de combate. Esse limitava-se a ver passar o comboio ... e a tomar conta da ponte, claro...

Bem, lá fomos nós por ali adiante, os três grupos, o meu no meio. Eu, como sempre levei duas Fantas - cerveja só no Xitole -, enfim uma ou outra coisita da ração de reserva e doces, nem vê-los..... É que aquelas geleias e coisas mais doces da ração atraía a nós uns mosquitos chatos e sobretudo umas formigas que ferravam e não nos largavam. Quantas vezes tivemos que as tirar das zonas púbicas - que bem que está a falar um ex-militar!.... Quantas vezes tivemos que arrear as calças, para essa aflitiva operação!... Mas essa era outra guerra, paralela à coluna...

Lá progredimos e começámos a instalarmo-nos, ao lado da estrada, metidos uns 20 a 30 metros dentro do mato.... Depois ali era esperar, esperar que os motores se começassem a ouvir e as viaturas a surgir, envoltas em núvens de poeira:
- Aí vem a coluna!...

Já tínhamos morto umas centenas de moscas pequeninas que vinham fazer cócegas onde havia mais suor. O pulso era um dos seus alvos prefeidos, mesmo na zona da correia do relógio...

Uma vez instalado, eis que me deu sede... Bebi uma Fanta, quase de um só gole. Aao mesmo tempo deu-me um frio danado, vomitei a bebida de imediato e tiveram que me cobrir com um camuflado. Comecei a tremer como varas verdes - não, dessa vez não era com medo, era com frio, arrepios de frio, no meio de um calor do caraças.... Tive ainda forças para dizer:
- Lopes (era um cabo da minha secção), comande esta merda e meta-me na primeira viatura que aparacer... Estou com paludismo... ´



Guiné > Xitole > 1970 > A coluna logística mensal de Bambadinca chega ao Xitole... Em cima da Daimler, ao centro o alferes miliciano de cavalaria Vacas de Carvalho, comandante do pelotão Daimler; à sua direita, o furrriel miliciano Reis, da CCAÇ 12, à sua esquerda o furriel miliciano enfermeiro Godinho, da CCS do BART 2917, mais o furriel miliciano Roda, da CCAÇ 12.
© Humberto Reis (2006)


Porra, que eu nem forças tinha para me pôr de pé. Lá vim para a estrada, apoiado no cabo, até que enfim se ouve o trabalhar dos motores, as viaturas das colunas...O cabo mete-me na primeira...
- Sobe, diz o oficial. - E lá fui eu a tremer até ao Xitole, a bordo o de uma viatura... de Cavalaria, a autometralhadora Daimler do Vacas de Carvalho, comandante do Pelotão Daimler... Esse mesmo, o da fotografia, espero que não tenha sido nesse dia mesmo que eu fiquei doente; julgo que na altura lhe agradeci a boleia, mase o não fiz, devido ao estado febril em que eu me encontrava, ainda vou a tempo, trinta e seis anos depois:
- Obrigado, meu alferes! Foi a melhor boleia, a mais oportuna, a mais rápida, que eu apanhei na puta da vida! Mesmo à justa!... (1)

Bom, o resto da estória é fácil de imaginar: enfermaria, uns comprimidos e cama - uma semana de baixa!... Ai que bom, nem precisei de injecções.... Aí naquele quarto de hotel de cinco esterleas, o que o Santos e o Quaresma - falecido pouco depois, uma história negra já aqui contada (2) - me disseram!
- Então, seu caralho, tu é que eras o bom!...
- Por favor, deixem-me em paz! - pedia-lhes eu....

A guerra naquela zona sempre foi tremendamente difícil. Sei que o Xitole era das zonas da Guiné que mais problemas tinha com o caraças do paludismo: tínhamos muito charcos de água e dois rios bem perto, o Corubal e o Poulom, aquele da ponte dos Fulas... Chegámos a ter muita gente acamada ao mesmo tempo e não dávamos descanso à enfermaria....

Como estão a ver na guerra apanhava-se de tudo: boleias de Daimler, picadas de formigas, moscas e mosquitos, paludismo, além da porrada... Em matéria de picadas, também as fiz, picadas à pista de aviação de Bambadinca... Mas isso é outra estória, que fica para uma próxima...

Abraço,
David
( ex-Furriel Miliciano Guimarães, CART 2716, Xitole, 1970-1972)

_________

Notas de L.G.

(1) Em resposta a a este post, o J. Vacas de Carvalho mandou ao David, com conhecimento ao resto da tertúlia, a seguinte mensagem: "A próxima vez que vieres por Lisboa ou Montemor dou-te outra vez boleia até á tasca mais próxima. Podes continuar a beber Fanta. Eu vou numa imperial fresquinha. Um grande abraço. J.Vacas de Carvalho
(2) Vd. post do David Guimarães, de 10 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIX: Estórias do Xitole: 'Com minas e armadilhas, só te enganas um vez'

Guiné 63/74 - CDLXXIX: As pontes sobre o Rio Corubal: rectificação (Mário Dias)

Caro Luis:

Depois de ter lido com mais atenção as intervenções do David Guimarães e do Humberto Reis sobre as pontes do Corubal, e tendo ido à carta do Xitole, verifiquei a existência de uma ponte em ruinas, assinalada nessa carta e que deve ser a tal Marechal Carmona da fotografia.

Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > "Que saudade!", disse o José Teixeira, quando lá voltou... © José Teixeira (2005)


Confesso que desconhecia a sua existência pois, pelo menos desde 1950, que a travessia do rio se fazia pela tal passagem submersível de que falei. Ao ler, muito por alto,que a referida ponte M. Carmona estava interrompida e existia no meio do rio um "pegão", deduzi tratar-se da ponte submersível que, por não estar em uso desde a inauguração da nova Craveiro Lopes, estivesse já em ruína. Errei, e peço desculpa.

Nunca atravessei o Corubal na tal ponte M. Carmona. Sempre o fiz pela submersível e mais tarde pela nova que, penso eu, foi inaugurada em 1955, pois tem o nome de Craveiro Lopes que, nesse ano, visitou a Giuiné (1). É de supor, portanto, que a derrocada da antiga ponte M. Carmona deve ter acontecido antes dos anos 50, certamente por causas naturais.

Mais uma vez as minhas desculpas pelo meu involuntário erro.

Um abraço
Mário Dias

__________

Nota de L.G.

(1) Francisco Higino Craveiro Lopes (1894-1964). General e presidente da República (1951-1958).

Guiné 63/74 - CDLXXIX: As pontes sobre o Rio Corubal: rectificação (Mário Dias)

Caro Luis:

Depois de ter lido com mais atenção as intervenções do David Guimarães e do Humberto Reis sobre as pontes do Corubal, e tendo ido à carta do Xitole, verifiquei a existência de uma ponte em ruinas, assinalada nessa carta e que deve ser a tal Marechal Carmona da fotografia.

Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > "Que saudade!", disse o José Teixeira, quando lá voltou... © José Teixeira (2005)


Confesso que desconhecia a sua existência pois, pelo menos desde 1950, que a travessia do rio se fazia pela tal passagem submersível de que falei. Ao ler, muito por alto,que a referida ponte M. Carmona estava interrompida e existia no meio do rio um "pegão", deduzi tratar-se da ponte submersível que, por não estar em uso desde a inauguração da nova Craveiro Lopes, estivesse já em ruína. Errei, e peço desculpa.

Nunca atravessei o Corubal na tal ponte M. Carmona. Sempre o fiz pela submersível e mais tarde pela nova que, penso eu, foi inaugurada em 1955, pois tem o nome de Craveiro Lopes que, nesse ano, visitou a Giuiné (1). É de supor, portanto, que a derrocada da antiga ponte M. Carmona deve ter acontecido antes dos anos 50, certamente por causas naturais.

Mais uma vez as minhas desculpas pelo meu involuntário erro.

Um abraço
Mário Dias

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Nota de L.G.

(1) Francisco Higino Craveiro Lopes (1894-1964). General e presidente da República (1951-1958).

26 janeiro 2006

Guiné 63/74 - CDLXXVIII: Os rios (e os lugares) da nossa memória (2): Corubal (Saltinho e Contabane)


1. Luis:

Nessa de Saltinho também eu entro. Em 1967, quando estavamos (CART 1613) a encher chouriços em Colibuia e Cumbijã, organizámos várias excursões ao Saltinho.

Nas primeira fomos com quatro viaturas carregadinhas de pessoal. A maior parte do meu pessoal não perdeu o ensejo de admirar aquele rincão maravilhoso que nos pareceu deslocado na Guiné agreste que conheciamos. A prova de presença segue por e-mail. O artista do salto de costas é este teu (vosso) amigo. Um pouco desajeitado, mas algo temerário. Bons tempos!!!
Até breve
e um abraço do Zé Neto




Guiné > Saltinho > 1969> As férias do pessoal da CART 1613, enquanto aguardava, em Colibuia e Cumbijã, a indicação do sítio da porrada... © José Neto (2005)

2.Cá estou outra vez. Que chato!!!


Guiné > Contabane > 1969 > Com o o homem grande da tabanca, a caminho do Saltinho... © José Neto (2005)

Depois de mandar o meu salto no Saltinho, lembrei-me que o José Teixeira já aqui falou do senhor Sambel, homem grande de Contabane. E então aí vai a foto que fizemos com ele quando lá passamos a caminho do Saltinho. Da esquerda para a direita estão: Furriel Nelson Almeida, já falecido, Alferes Tavares Machado, morto em combate em Guileje, Furriel Arclides Mateus, 2º Sargento Neto, senhor Sambel e Capitão Eurico Corvacho. Os outros africanos não os conheço.

Bem. Agora prometo que fico no meu cantinho por uns tempos.
Um abração do
Zé Neto

Guiné 63/74 - CDLXXVIII: Os rios (e os lugares) da nossa memória (2): Corubal (Saltinho e Contabane)


1. Luis:

Nessa de Saltinho também eu entro. Em 1967, quando estavamos (CART 1613) a encher chouriços em Colibuia e Cumbijã, organizámos várias excursões ao Saltinho.

Nas primeira fomos com quatro viaturas carregadinhas de pessoal. A maior parte do meu pessoal não perdeu o ensejo de admirar aquele rincão maravilhoso que nos pareceu deslocado na Guiné agreste que conheciamos. A prova de presença segue por e-mail. O artista do salto de costas é este teu (vosso) amigo. Um pouco desajeitado, mas algo temerário. Bons tempos!!!
Até breve
e um abraço do Zé Neto




Guiné > Saltinho > 1969> As férias do pessoal da CART 1613, enquanto aguardava, em Colibuia e Cumbijã, a indicação do sítio da porrada... © José Neto (2005)

2.Cá estou outra vez. Que chato!!!


Guiné > Contabane > 1969 > Com o o homem grande da tabanca, a caminho do Saltinho... © José Neto (2005)

Depois de mandar o meu salto no Saltinho, lembrei-me que o José Teixeira já aqui falou do senhor Sambel, homem grande de Contabane. E então aí vai a foto que fizemos com ele quando lá passamos a caminho do Saltinho. Da esquerda para a direita estão: Furriel Nelson Almeida, já falecido, Alferes Tavares Machado, morto em combate em Guileje, Furriel Arclides Mateus, 2º Sargento Neto, senhor Sambel e Capitão Eurico Corvacho. Os outros africanos não os conheço.

Bem. Agora prometo que fico no meu cantinho por uns tempos.
Um abração do
Zé Neto

Guiné 63/74 - CDLXXVII: Os rios (e os lugares) da nossa memória (1): Corubal (Xitole, Saltinho, Cusselinta)

Guiné > Xitole > Ponta dos Fulas > 1969 > A famosa ponte, de madeira, sobre o rio Pulom, afluente do Corubal, defendida dia e noite pela companhia de quadrícula estaccionada no Xitole... © Humberto Reis (2006)


David, Humberto e demais tertulianos:

1. Tenho muitas fotos do Saltinho (do José Teixeira, do Albano, do Allen, do Guimarães, do Humberto ...) pelo que se justifica fazer uma página só para este lugar maravilhoso no Rio Corubal. Que acham ?

2. O David [Guimarães] vai ficar triste porque vou ter que desanexar o Saltinho da ZA [zona de acção] do Xitole... Em contrapartida, melhorei a página do Xitole... Vejam e comentem. A propósito, a foto aérea do Xitole pode ser melhorada, em termos de tamanho e resolução, vou fazer isso daqui a uns dias, com tempo e vagar... Mesmo sem o Saltinho e os rápidos de Cusselinta, o Xitole continua a ter o seu encanto...

3. Peço ao Albano e restantes tertulianos para terem santa paciência: ainda não tive tempo de mexer na nossa página do Guidaje... O Albano afogou-me com fotos fantásticas de Binta e de outros lugares maravilhosos... Binta vai ter direito a uma página específica, é isso. Prometo também criar uma página também sobre Buba, outra sobre Empada, outra sobre Canjadude... Mas preciso de tempo (e vagar). Tenho montes de mapas (do Humberto) para inserir: Bissau, Bigene, Binta, Bula, Farim, Jumbembem, Pirada, Teixeira Pinto...

4. Por sua vez, o Zé Neto mandou-me ontem, pelo correio, um CD com fotos digitalizadas dos seus velhos slides de Guileje e arredores. Foi uma prenda para a nossa tertúlia e para a AD do Pepito & Companhia...

Já lhe agradeci, nestes termos: Zé, acabo de receber, em boas condições, o teu CD-ROM… Já visionei as fotos: são um documento importante, tu fizeste uma reportagem fotojornalística completa do Guileje !… Nada te escapou, desde… as bajudas (lindas!) até à vida do dia a dia das duas comunidades (a civil e a militar). Uma coexistência nem sempre fácil, como se imagina… Bem hajas!... Ficamos com muito material interessante que eu irei seleccionar e pôr no blogue – bem como na nossa página sobre Guileje - à medida que vão saindo as tuas memórias do lugar… Para já vou publicar o teu pequeno texto, mais recente, sobre o Saltinho, que vem a propósito neste momento…

5. Guileje, Gandembel, Buba... manga de chocolate, como diz o outro Zé (Teixeira) cujo diário está a ter muito sucesso no nosso blogue... E ainda estamos longe de chegar ao fim da comissão: vocês vão ter que gramar o nosso enfermeiro por mais uns tempos (1)...

6. Amigos & Camaradas da Guiné: O(s) Rio(s) da Nossa Memória vai (vão) engrossando... até ao dilúvio final! Continuam, a aceitar-se comentários à foto aérea de Bambadinca... Obrigado pelos comentários do David...

_________

Nota de L.G.:

(1) Vd último post do José Teixeira, de 24 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (9): Buba, Fevereiro/Março de 1969, 'manga de chocolate'

Guiné 63/74 - CDLXXVII: Os rios (e os lugares) da nossa memória (1): Corubal (Xitole, Saltinho, Cusselinta)

Guiné > Xitole > Ponta dos Fulas > 1969 > A famosa ponte, de madeira, sobre o rio Pulom, afluente do Corubal, defendida dia e noite pela companhia de quadrícula estaccionada no Xitole... © Humberto Reis (2006)


David, Humberto e demais tertulianos:

1. Tenho muitas fotos do Saltinho (do José Teixeira, do Albano, do Allen, do Guimarães, do Humberto ...) pelo que se justifica fazer uma página só para este lugar maravilhoso no Rio Corubal. Que acham ?

2. O David [Guimarães] vai ficar triste porque vou ter que desanexar o Saltinho da ZA [zona de acção] do Xitole... Em contrapartida, melhorei a página do Xitole... Vejam e comentem. A propósito, a foto aérea do Xitole pode ser melhorada, em termos de tamanho e resolução, vou fazer isso daqui a uns dias, com tempo e vagar... Mesmo sem o Saltinho e os rápidos de Cusselinta, o Xitole continua a ter o seu encanto...

3. Peço ao Albano e restantes tertulianos para terem santa paciência: ainda não tive tempo de mexer na nossa página do Guidaje... O Albano afogou-me com fotos fantásticas de Binta e de outros lugares maravilhosos... Binta vai ter direito a uma página específica, é isso. Prometo também criar uma página também sobre Buba, outra sobre Empada, outra sobre Canjadude... Mas preciso de tempo (e vagar). Tenho montes de mapas (do Humberto) para inserir: Bissau, Bigene, Binta, Bula, Farim, Jumbembem, Pirada, Teixeira Pinto...

4. Por sua vez, o Zé Neto mandou-me ontem, pelo correio, um CD com fotos digitalizadas dos seus velhos slides de Guileje e arredores. Foi uma prenda para a nossa tertúlia e para a AD do Pepito & Companhia...

Já lhe agradeci, nestes termos: Zé, acabo de receber, em boas condições, o teu CD-ROM… Já visionei as fotos: são um documento importante, tu fizeste uma reportagem fotojornalística completa do Guileje !… Nada te escapou, desde… as bajudas (lindas!) até à vida do dia a dia das duas comunidades (a civil e a militar). Uma coexistência nem sempre fácil, como se imagina… Bem hajas!... Ficamos com muito material interessante que eu irei seleccionar e pôr no blogue – bem como na nossa página sobre Guileje - à medida que vão saindo as tuas memórias do lugar… Para já vou publicar o teu pequeno texto, mais recente, sobre o Saltinho, que vem a propósito neste momento…

5. Guileje, Gandembel, Buba... manga de chocolate, como diz o outro Zé (Teixeira) cujo diário está a ter muito sucesso no nosso blogue... E ainda estamos longe de chegar ao fim da comissão: vocês vão ter que gramar o nosso enfermeiro por mais uns tempos (1)...

6. Amigos & Camaradas da Guiné: O(s) Rio(s) da Nossa Memória vai (vão) engrossando... até ao dilúvio final! Continuam, a aceitar-se comentários à foto aérea de Bambadinca... Obrigado pelos comentários do David...

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Nota de L.G.:

(1) Vd último post do José Teixeira, de 24 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (9): Buba, Fevereiro/Março de 1969, 'manga de chocolate'

Guiné 63/74 - CDLXXVI: As pontes sobre o Rio Corubal (Mário Dias)

Caro Luis:

Ligando o computador para terminar o trabalho sobre o Domingos Ramos (segue em breve), visitei o blogue como sempre faço.

Deparei com algumas dúvidas suscitadas pelas pontes sobre o Corubal. Ambos, David Guimarães e Humberto Reis, têm razão. Antes da construção da ponte Craveiro Lopes, a tal que tem a sutentanção feita com arcos superiores, a travessia do rio era feita na outra ponte que - pasme-se, soube agora - se chamava Marechal Carmona. Essa fica próxima do Xitole, a jusante de Cussilinta.

Entre nós, os colonos, era conhecida por passagem submersível do Saltinho e foi mandada construir, se não me falha a memória, pelo governador almirante Sarmento Rodrigues (1). No meio do rio, no local de corrente mais forte, foi construido uma espécie de dique com várias aberturas na parte superior destinadas a dar passagem à água na altura de maiores caudais, o que acontecia durante grande parte do ano na época das chuvas. Por tal facto, nessa altura do ano a passagem era impossível por ficar submersa. Daí a designação de "submersível". Daí também a sensação, para quem não souber e nunca a utilizou, que o que se vê parece ruína, acidental ou propositada.

Alguns anos mais tarde, não me recordo já quando, foi construida a nova ponte (Craveiro Lopes) que, embora obrigando a um percurso mais longo, veio permitir a passagem durante todo o ano. A antiga passagem submersível deixou de ser utilizada e mais ninguém lhe "passou cartão".

Um abraço

Mário Dias(2)

___________

Nota de L.G.

(1)Manuel Maria Sarmento Rodrigues (1899-1979)> Foi Governador da Guiné entre 1946 e 1949. E em 1950 integrou o Governo de Salazar como Ministro das Colónias (a partir de 1951, MInistro do Ultramar). Era um prestigiado oficial da marinha e um homem com grande experiência de administração em África.

(2) Ex-sargento comando, Brá, 1963/66). Foi para a Guiné, aos 15 anos, em 1952. Regressei em 1966.

Guiné 63/74 - CDLXXVI: As pontes sobre o Rio Corubal (Mário Dias)

Caro Luis:

Ligando o computador para terminar o trabalho sobre o Domingos Ramos (segue em breve), visitei o blogue como sempre faço.

Deparei com algumas dúvidas suscitadas pelas pontes sobre o Corubal. Ambos, David Guimarães e Humberto Reis, têm razão. Antes da construção da ponte Craveiro Lopes, a tal que tem a sutentanção feita com arcos superiores, a travessia do rio era feita na outra ponte que - pasme-se, soube agora - se chamava Marechal Carmona. Essa fica próxima do Xitole, a jusante de Cussilinta.

Entre nós, os colonos, era conhecida por passagem submersível do Saltinho e foi mandada construir, se não me falha a memória, pelo governador almirante Sarmento Rodrigues (1). No meio do rio, no local de corrente mais forte, foi construido uma espécie de dique com várias aberturas na parte superior destinadas a dar passagem à água na altura de maiores caudais, o que acontecia durante grande parte do ano na época das chuvas. Por tal facto, nessa altura do ano a passagem era impossível por ficar submersa. Daí a designação de "submersível". Daí também a sensação, para quem não souber e nunca a utilizou, que o que se vê parece ruína, acidental ou propositada.

Alguns anos mais tarde, não me recordo já quando, foi construida a nova ponte (Craveiro Lopes) que, embora obrigando a um percurso mais longo, veio permitir a passagem durante todo o ano. A antiga passagem submersível deixou de ser utilizada e mais ninguém lhe "passou cartão".

Um abraço

Mário Dias(2)

___________

Nota de L.G.

(1)Manuel Maria Sarmento Rodrigues (1899-1979)> Foi Governador da Guiné entre 1946 e 1949. E em 1950 integrou o Governo de Salazar como Ministro das Colónias (a partir de 1951, MInistro do Ultramar). Era um prestigiado oficial da marinha e um homem com grande experiência de administração em África.

(2) Ex-sargento comando, Brá, 1963/66). Foi para a Guiné, aos 15 anos, em 1952. Regressei em 1966.

Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias do Xitole ao Saltinho: duas pontes, um fornilho e uma trovoada tropical (David Guimarães)

Post nº 475 (CDLXXV)



Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole > 2001: A antiga Ponte Marechal Carmona, sobre o Rio Corubal, na estrada Bambadinca-Xitole-Aldeia Formosa. © David J. Guimarães (2005)




Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole > 2001: O David J. Guimarães à entrada da antiga Ponte Marechal Carmona , sobre o Rio Corubal, do lado da estrada que conduzia ao aquartelamento do Xitole, a cerca de 3 km. © David J. Guimarães (2005)

1. Perguntava há dias o Humberto Reis (ex-CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) ao David Guimarães (ex-CART 2716, Xitole, 1970/72):

Tens que esclarecer uma coisa, s. f. f.: na nossa página sobre o Xitole/Saltinho, há uma fotografia tua, que tiraste em 2001, a atravessar a Ponte Marechal Carmona, em que tu dizes ser "sobre o rio Corubal, na estrada Bambadinca-Xitole-Aldeia Formosa".

Então para se ir do Xitole até à Aldeia Formosa não tinha de se passar no Saltinho e atravessar a Ponte Craveiro Lopes, a tal que tem vários arcos em betão armado?
Que estrada era essa, afinal ?



Guiné-Bissau > Zona Leste > Saltinho > 2001 >O David J. Guimarães junto à ponte do Saltinho, um dos sítios paradisíacos da Guiné onde havia, no tempo da guerra colonial, um aquartelamento que ficava a 20 Km de Xitole na estrada para Aldeia Formosa (hoje, Quebo). Esta ponte, nosso tempo, chamava-se Craveiro Lopes...

© David J. Guimarães (2005)

2. Comentário do L.G.:

Em 2001, o David revisitou com a esposa e com antigos camaradas os sítios por onde passou (Sector L1/Zona Leste). Escreveu ele: "É célebre o Saltinho pela sua localização junto ao Rio Corubal e pela sua linda ponte. Curiosamente como em Cussilinta o Rio aí também tem rápidos. A Guiné toda plana e com rápidos nos rios!... É estranho mesmo. Ao tempo estava lá uma Companhia que pertencia ao Batalhão com sede em Galomaro, e que eram portanto nossos vizinhos".

A importância estratégica desta ponte era óbvia: permitia a ligação rodoviária do resto da Guiné (norte, leste, oeste) com o sul...

3. Resposta do David Guimarães à pergunta do Humberto:


A ponte Marechal Carmona que vês na fotografia - possivelmente nunca lá foste - ficava a 3 Km do outro lado da pista dos aviões em Xitole e ficava na perpendicular desta e sobre o Rio Corubal...

Essa ponte tinha exactamente esse percurso, mas estava interrompida com um pegão no rio... Aí este já tinha um grande caudal e era depois um pedaço dos rápidos de Cussilinta, mais à frente, no sentido descendente, claro.

Já no nosso tempo se colocavam três hipóteses: (i) teria a nossa tropa feito isso?; (ii) teria sido o inimigo?; ou - a que me parece mais viável - (iii) teria sido mesmo colapso... De facto, ficou ali assim e continua (1) ...

Tenho a sensação de que digo ser a estrada antiga que fazia esse percurso e que era muito mais rápido por aí... Se reparares no mapa, verás que por aí havia uma estrada que ainda existe... Também por aí dava ligação para Fulacunda...

É uma ponte muito linda, com pegões direitos e um está no rio... As guardas de lado são de cimento. Muito linda mas interrompida. Eu tirei na altura [2001] a fotografia da ponte com a interrupção. O resultado fopi que não saiu nada, daí que não possa documentar este aspecto...

Um dia se voltares lá, não percas ir ver essa ponte. vale a pena...

Desse lado nunca tivemos guerra sendo que sabíamos que eles passavam por lá, à vontade...
Aí debaixo da ponte haviam crocodilos e foram vistos hipopótamos no meu tempo: pelo menos um, que tinha morrido...

Recapitulando: essa ponte fica(va) sobre o rio Corubal e para o outro lado da pista do Xitole (2)... Essa área era muito patrulhada por nós...

Um abraço

4. Resposta do David a um pedido do L.G. para mais comentários sobre a imagem com a vista aérea do Xitole:

Agora, Luís, olha bem para a fotografia do Xitole, vista aérea... Vês junto à pista um heliporto, em quadrado... Pela direita, repara, vês um caminho que atravessa a pista e segue mato dentro, não bem definido porque era muito pouco frequentado... Essa é a estrada que nos leva à Ponte Marechal Carmona...

Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole > 2001: A antiga casa do chefe de potso, vista do lado da parada. © David J. Guimarães (2005)



Diz-me se estás localizado... Portanto casa do Chefe de Posto, umas arvorezinhas junto ao posto de transmissões, depois a pista e então surge o caminho....

Tenho a noção exacta de que aquela zona era tão perigosa como as outras, contudo nós gostávamos de fazer para ali patrulhamentos. Como ninguém nos tinha incomodado dali, enfim....

Guiné > Xitole > 1970 > Vista aérea do Xitole (aquartelamento, posto administrativo e tabanca)© Humberto Reis (2006)

Uma curiosidade: para protecção dessa zona e do heliporto, eu tinha montado um fornilho mesmo junto ao arame farpado... Tem uma trilha ao longo da pista, era a zona do arame farpado...

Bem, esse fornilho seria para ser utilizado com um explosor que estava colocado dentro do abrigo onde estávamos instalados, eu e os demais furriéis. Bem, um belo dia há tremenda trovoada e, pum!, um grande rebentamento... Lá se foi o fornilho... Ena, que eu tinha cometido um erro: é que o fio condutor que ligava os detonadores ao explosor e que estava sob a pista atravessando-a, passava rentinho a um posto de iluminação que tínhamos junto ao nosso abrigo caserna. Uma atrevida faísca foi cair justamente no condutor e pronto...

Salvou-se uma coisa: ficou aberto um buraco enorme onde eu fui montar outro fornilho. Mas desta vez o fio foi desviado do poste... Enfim, coisas de guerra e do ofício de minas e armadilhas...

Vou através deste mapa tentar identificar os edifícios para que se recordem deles... Quanto à ponte, Luís, nunca lá foste, creio eu...

Um abraço, David

______

Nota de L.G.

(1) Vd. post anterior do David Guimarães, de 17 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XX: "Foi você que pediu uma kalash?". Eis o que ele nessa altura escrevue sobre a ponte:

"No Xitole, para lá da pista de aviões, a 5 Km há uma ponte que atravessa(ava) o Rio Corubal, ligando a estrada de Bambadinca-Xitole à Aldeia Formosa.... Essa ponte está interrompida com um pegão dentro da água... Essa ponte mantem-se lá, inoperante, e não foi reconstruída...

"A história é que essa ponte teria sido interrompida pela nossas tropas no início da guerra. Outra versão é que que tinham sido os naturais. Uma terceira versão é que tinha sido o Corubal e as chuvas que teriam causado o colapso da ponte... Fico à espera que alguém me conte a versão verdadeira. Alguém da Guiné saberá? Desconfio que não, pois dela resta a história somente.

"Seguem em anexo duas fotografias da tal ponte [a Ponte Marechal Carmona], pois ela é só meia ponte: a fotografia que mostra a interrupção, não saiu, que pena! Mas, enfim, é essa. Onde estou eu é exactamente na entrada do lado do caminho para o aquartelamento... Nota-se que ela está inclinada... Era importanete esta zona, pois que, como em todas as pontes, eram feitas operações de reconhecimento regulares"...

(2) No mapa do Xitole (Serviços Cartográficos do Exército, 1956), a "ponte em ruínas" vem devidamente sinalizada, no Rio Corubal, a cerca de 4,5 km, a sul do Xitole, entre os ilhéus saido (a oeste) e os rápidos de Cusselinta (a leste)...

Não sei a data da construção da Ponte Marechal Carmona, mas é capaz de ser dos anos 40. Essa ponte deveria permititir a ligação a uma picada (ou uma estrada projectada: está no mapaa a tracejado) que ia ter à estrada para Buba e Fulacunda (à direita) e Mampatá, Quebo (Aldeia Formosa) e Chamarra (à esquerda). Antes da guerra, podia-se depois regressar ao Xitole, através de Contabane (virando à esquerda) e Saltinho (Ponte Craveiro Lopes). No cruzamento de Contabane, à direita, apanhava-se a estrada para Guileje e Madina do Boé.

Vejam também o mapa geral da Província da Guiné (1961)

Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias do Xitole ao Saltinho: duas pontes, um fornilho e uma trovoada tropical (David Guimarães)

Post nº 475 (CDLXXV)



Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole > 2001: A antiga Ponte Marechal Carmona, sobre o Rio Corubal, na estrada Bambadinca-Xitole-Aldeia Formosa. © David J. Guimarães (2005)




Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole > 2001: O David J. Guimarães à entrada da antiga Ponte Marechal Carmona , sobre o Rio Corubal, do lado da estrada que conduzia ao aquartelamento do Xitole, a cerca de 3 km. © David J. Guimarães (2005)

1. Perguntava há dias o Humberto Reis (ex-CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) ao David Guimarães (ex-CART 2716, Xitole, 1970/72):

Tens que esclarecer uma coisa, s. f. f.: na nossa página sobre o Xitole/Saltinho, há uma fotografia tua, que tiraste em 2001, a atravessar a Ponte Marechal Carmona, em que tu dizes ser "sobre o rio Corubal, na estrada Bambadinca-Xitole-Aldeia Formosa".

Então para se ir do Xitole até à Aldeia Formosa não tinha de se passar no Saltinho e atravessar a Ponte Craveiro Lopes, a tal que tem vários arcos em betão armado?
Que estrada era essa, afinal ?



Guiné-Bissau > Zona Leste > Saltinho > 2001 >O David J. Guimarães junto à ponte do Saltinho, um dos sítios paradisíacos da Guiné onde havia, no tempo da guerra colonial, um aquartelamento que ficava a 20 Km de Xitole na estrada para Aldeia Formosa (hoje, Quebo). Esta ponte, nosso tempo, chamava-se Craveiro Lopes...

© David J. Guimarães (2005)

2. Comentário do L.G.:

Em 2001, o David revisitou com a esposa e com antigos camaradas os sítios por onde passou (Sector L1/Zona Leste). Escreveu ele: "É célebre o Saltinho pela sua localização junto ao Rio Corubal e pela sua linda ponte. Curiosamente como em Cussilinta o Rio aí também tem rápidos. A Guiné toda plana e com rápidos nos rios!... É estranho mesmo. Ao tempo estava lá uma Companhia que pertencia ao Batalhão com sede em Galomaro, e que eram portanto nossos vizinhos".

A importância estratégica desta ponte era óbvia: permitia a ligação rodoviária do resto da Guiné (norte, leste, oeste) com o sul...

3. Resposta do David Guimarães à pergunta do Humberto:


A ponte Marechal Carmona que vês na fotografia - possivelmente nunca lá foste - ficava a 3 Km do outro lado da pista dos aviões em Xitole e ficava na perpendicular desta e sobre o Rio Corubal...

Essa ponte tinha exactamente esse percurso, mas estava interrompida com um pegão no rio... Aí este já tinha um grande caudal e era depois um pedaço dos rápidos de Cussilinta, mais à frente, no sentido descendente, claro.

Já no nosso tempo se colocavam três hipóteses: (i) teria a nossa tropa feito isso?; (ii) teria sido o inimigo?; ou - a que me parece mais viável - (iii) teria sido mesmo colapso... De facto, ficou ali assim e continua (1) ...

Tenho a sensação de que digo ser a estrada antiga que fazia esse percurso e que era muito mais rápido por aí... Se reparares no mapa, verás que por aí havia uma estrada que ainda existe... Também por aí dava ligação para Fulacunda...

É uma ponte muito linda, com pegões direitos e um está no rio... As guardas de lado são de cimento. Muito linda mas interrompida. Eu tirei na altura [2001] a fotografia da ponte com a interrupção. O resultado fopi que não saiu nada, daí que não possa documentar este aspecto...

Um dia se voltares lá, não percas ir ver essa ponte. vale a pena...

Desse lado nunca tivemos guerra sendo que sabíamos que eles passavam por lá, à vontade...
Aí debaixo da ponte haviam crocodilos e foram vistos hipopótamos no meu tempo: pelo menos um, que tinha morrido...

Recapitulando: essa ponte fica(va) sobre o rio Corubal e para o outro lado da pista do Xitole (2)... Essa área era muito patrulhada por nós...

Um abraço

4. Resposta do David a um pedido do L.G. para mais comentários sobre a imagem com a vista aérea do Xitole:

Agora, Luís, olha bem para a fotografia do Xitole, vista aérea... Vês junto à pista um heliporto, em quadrado... Pela direita, repara, vês um caminho que atravessa a pista e segue mato dentro, não bem definido porque era muito pouco frequentado... Essa é a estrada que nos leva à Ponte Marechal Carmona...

Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole > 2001: A antiga casa do chefe de potso, vista do lado da parada. © David J. Guimarães (2005)



Diz-me se estás localizado... Portanto casa do Chefe de Posto, umas arvorezinhas junto ao posto de transmissões, depois a pista e então surge o caminho....

Tenho a noção exacta de que aquela zona era tão perigosa como as outras, contudo nós gostávamos de fazer para ali patrulhamentos. Como ninguém nos tinha incomodado dali, enfim....

Guiné > Xitole > 1970 > Vista aérea do Xitole (aquartelamento, posto administrativo e tabanca)© Humberto Reis (2006)

Uma curiosidade: para protecção dessa zona e do heliporto, eu tinha montado um fornilho mesmo junto ao arame farpado... Tem uma trilha ao longo da pista, era a zona do arame farpado...

Bem, esse fornilho seria para ser utilizado com um explosor que estava colocado dentro do abrigo onde estávamos instalados, eu e os demais furriéis. Bem, um belo dia há tremenda trovoada e, pum!, um grande rebentamento... Lá se foi o fornilho... Ena, que eu tinha cometido um erro: é que o fio condutor que ligava os detonadores ao explosor e que estava sob a pista atravessando-a, passava rentinho a um posto de iluminação que tínhamos junto ao nosso abrigo caserna. Uma atrevida faísca foi cair justamente no condutor e pronto...

Salvou-se uma coisa: ficou aberto um buraco enorme onde eu fui montar outro fornilho. Mas desta vez o fio foi desviado do poste... Enfim, coisas de guerra e do ofício de minas e armadilhas...

Vou através deste mapa tentar identificar os edifícios para que se recordem deles... Quanto à ponte, Luís, nunca lá foste, creio eu...

Um abraço, David

______

Nota de L.G.

(1) Vd. post anterior do David Guimarães, de 17 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XX: "Foi você que pediu uma kalash?". Eis o que ele nessa altura escrevue sobre a ponte:

"No Xitole, para lá da pista de aviões, a 5 Km há uma ponte que atravessa(ava) o Rio Corubal, ligando a estrada de Bambadinca-Xitole à Aldeia Formosa.... Essa ponte está interrompida com um pegão dentro da água... Essa ponte mantem-se lá, inoperante, e não foi reconstruída...

"A história é que essa ponte teria sido interrompida pela nossas tropas no início da guerra. Outra versão é que que tinham sido os naturais. Uma terceira versão é que tinha sido o Corubal e as chuvas que teriam causado o colapso da ponte... Fico à espera que alguém me conte a versão verdadeira. Alguém da Guiné saberá? Desconfio que não, pois dela resta a história somente.

"Seguem em anexo duas fotografias da tal ponte [a Ponte Marechal Carmona], pois ela é só meia ponte: a fotografia que mostra a interrupção, não saiu, que pena! Mas, enfim, é essa. Onde estou eu é exactamente na entrada do lado do caminho para o aquartelamento... Nota-se que ela está inclinada... Era importanete esta zona, pois que, como em todas as pontes, eram feitas operações de reconhecimento regulares"...

(2) No mapa do Xitole (Serviços Cartográficos do Exército, 1956), a "ponte em ruínas" vem devidamente sinalizada, no Rio Corubal, a cerca de 4,5 km, a sul do Xitole, entre os ilhéus saido (a oeste) e os rápidos de Cusselinta (a leste)...

Não sei a data da construção da Ponte Marechal Carmona, mas é capaz de ser dos anos 40. Essa ponte deveria permititir a ligação a uma picada (ou uma estrada projectada: está no mapaa a tracejado) que ia ter à estrada para Buba e Fulacunda (à direita) e Mampatá, Quebo (Aldeia Formosa) e Chamarra (à esquerda). Antes da guerra, podia-se depois regressar ao Xitole, através de Contabane (virando à esquerda) e Saltinho (Ponte Craveiro Lopes). No cruzamento de Contabane, à direita, apanhava-se a estrada para Guileje e Madina do Boé.

Vejam também o mapa geral da Província da Guiné (1961)

24 janeiro 2006

Guiné 63/74 - CDLXXIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (9): Buba, Fevereiro/Março de 1969, 'manga de chocolate'

Guiné > Região de Quínara > Buba > Maio de 1969 > A povoação e o aquartelamento vistos de helicóptero... Buba, a sul do Rio Corubal, forma um triângulo com Xitole e Fulacunda, nos outros dois vértices. É banhada pelo Rio Grande de Buba.

© José Teixeira (2005)

Continuação da publicação de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):



Buba, 20 de Fevereiro de 1968


Estou em Buba desde 7 de Fevereiro e as perspectivas não são muito boas. Gandembel foi abandonada e o IN entretinha-se por lá. Agora, talvez porque se está a construir uma estrada nova para ligar Buba a Aldeia Formosa, esta linda terra está a ser a preferida pelo IN para as suas brincadeiras.

A estrada nova já causou um morto, o primeiro da minha Companhia quando eu ainda estava em Chamarra. O IN estava emboscado com dois fornilhos montados e, ao fazer rebentar a emboscada, provocou a explosão das armadilhas e um homem, o velho, foi pelos ares. Mais uma vida roubada...

Buba foi atacada no dia 9 às 22.15 h. Valeu-se como sempre da surpresa e causou-nos um bom susto. Feridos graves só houve um embora houvesse muitos feridos ligeiros, pés cortados, unhas arrancadas, cabeças partidas, tal foi a confusão que se instalou nas duas Companhias operacionais, nos Comandos e nos Fuzileiros que aqui estão aquartelados.

Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 2005 > Zona habitacional, na antiga estrada da pista de aviação.

© José Teixeira (2005)



Voltaram novamente a 14 pelas 5 horas da matina. Desta vez era para arrasar Buba se quisessem, ou então foram nabos, o que não me parece.

Treze canhões sem recuo chineses, 4 morteiros, LGFog, armas pesadas e ligeiras e sobretudo a uma hora que ninguém contava. Meteram bastante chocolate cá dentro mas só feriram um soldado. A Tabanca foi bastante atingida. Nove casas foram destruídas pelo fogo e com a precipitação da fuga para os abrigos ficou abandonada na Tabanca uma criancinha que morreu queimada.


Uma granada
Vinda não sei de onde,
Lançada não sei por que,
Rebentou...
E aquela criança,
Que brincava além,
A morte, a levou...

Na areia brincava...
E sua mãe,
Que seus paninhos lavava,
Estremeceu.
Num triste pressentimento
Seu olhar volveu...

Um grito ! ( desmaiou)
No preciso momento
Que seu filho morreu...


Tive muito que fazer na Enfermaria. Um dos feridos da população mais graves foi a mãe da menina que morreu. Tinha o corpo cheio de estilhaços, felizmente não foi atingida nos orgãos vitais e deve recuperar.

Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 2005 > "A minha antiga caserna"...
© José Teixeira (2005)



O seu sofrimento interior impressionou-me. É seu hábito dormir com a criança amarrada às costas para poder levá-la para o abrigo subterrâneo quando o IN ataca. Como já era de manhã desamarrou-a pouco antes do ataque se dar. Quando ouviu o fogo correu para o abrigo e só nessa altura é que se apercebeu que a bebé estava a dormir na tabanca. Saíu a correr, mas foi atirada ao chão pelo rebentamento da granada de canhão que caiu em cima da sua casa e lhe matou a menina.


Samba Sabali, 9 de Março de 1968


Depois de uns dias em Buba, segui para Nhala onde estive quatro dias e fixei-me em Samba Sabali, em tendas de campanha.

Ontem saí para o mato a dar protecção ao pessoal de Engenharia que está a abrir uma passagem de ligação à estrada nova. Dentro de dias volto para Buba e espero que se acabe para mim a protecção aos homens de Engenharia que estão a construir a estrada.


Buba, 18 de Março de 1968

Segundo me informaram na Secretaria da Companhia, o Comandante não autorizou a minha ida de férias à Metrópole. A Companhia está com muitas baixas por feridos e doenças pelo que as licenças foram cortadas. Custa-me imenso esta situação. Depois de um ano de guerra estou saturado, os nervos não obedecem e o cansaço é grande, e que saudades ...

Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 2005 > Festa na escola, no em que branco vem trazer caderno...

© José Teixeira (2005)



Como a minha Companhia está saturada e com muitas baixas, talvez mude para uma zona melhor a curto prazo. É esta a minha esperança.


Buba, 26 de Março de 1969


Mais uma grande aventura na Guiné. A maior até hoje. Integrei um Pelotão que partiu de manhã para um patrulhamento e emboscámos ao fim da tarde num sítio propício para descansar um pouco, longe do lugar onde devíamos estar emboscados, ou seja, perto da Bolanha dos Passarinhos, local de passagem do IN e por tal razão perigoso.


Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > Tabanca Lisboa > 2005 > O José Teixeira com um antigo chefe de milícias e a sua lindíssima filha. Um feliz reencontro.

© José Teixeira (2005)


Anoitecia, quando o IN atacou a Companhia que nos foi substituir a Samba Sábali e com tal fúria que provocou nuns escassos minutos um morto e nove feridos graves. Como não havia condições para o héli aterrar, quer por o local não se propiciar, quer por ser noite e perigoso e porque o estado dos feridos era grave, foi necessário ir buscá-los para Buba.

A Bolanha dos Passarinhos, local onde devíamos estar emboscados, fica entre Buba e Samba Sabali e o Comandante, convencido que estávamos perto, solicitou via rádio que fossemos reconhecer o terreno e montar segurança às viaturas que iam recolher os feridos. Como estávamos longe e porque os camaradas precisavam de apoio partimos a correr pela estrada fora sem nos preocuparmos com a segurança.

Que medo, andar de noite pela mata cerrada, em zona de contacto com o IN, com este por perto, com colegas a pedir socorro. Emboscámos a montar segurança na Bolanha e as viaturas passaram, sem perigo. Sentimos movimentos atrás de nós, supomos que era o IN, a tentar ocupar o local para atacar a coluna no regresso, mas deve-nos ter pressentido e retirou. Ainda ouvimos alguns tiros perto, mas como não reagimos, tudo se manteve calmo e eu no regresso apanhei uma viatura que trazia três feridos a quem dei apoio.

Eu tinha abandonado Samba Sabali dois dias antes. O Enfermeiro que me substituiu foi ocupar o lugar que eu deveria ocupar na defesa do acampamento. Teve azar. Uma bala perfurou-lhe a cabeça e não resistiu aos ferimentos. Um outro foi para a Metrópole inutilizado.

No dia 14 houve um ataque a Buba. Um estilhaço de granada alojou-se no pericárdio de um colega meu, que também não resistiu aos ferimentos.


José Teixeira (2005)

Guiné 63/74 - CDLXXIV: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (9): Buba, Fevereiro/Março de 1969, 'manga de chocolate'

Guiné > Região de Quínara > Buba > Maio de 1969 > A povoação e o aquartelamento vistos de helicóptero... Buba, a sul do Rio Corubal, forma um triângulo com Xitole e Fulacunda, nos outros dois vértices. É banhada pelo Rio Grande de Buba.

© José Teixeira (2005)

Continuação da publicação de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):



Buba, 20 de Fevereiro de 1968


Estou em Buba desde 7 de Fevereiro e as perspectivas não são muito boas. Gandembel foi abandonada e o IN entretinha-se por lá. Agora, talvez porque se está a construir uma estrada nova para ligar Buba a Aldeia Formosa, esta linda terra está a ser a preferida pelo IN para as suas brincadeiras.

A estrada nova já causou um morto, o primeiro da minha Companhia quando eu ainda estava em Chamarra. O IN estava emboscado com dois fornilhos montados e, ao fazer rebentar a emboscada, provocou a explosão das armadilhas e um homem, o velho, foi pelos ares. Mais uma vida roubada...

Buba foi atacada no dia 9 às 22.15 h. Valeu-se como sempre da surpresa e causou-nos um bom susto. Feridos graves só houve um embora houvesse muitos feridos ligeiros, pés cortados, unhas arrancadas, cabeças partidas, tal foi a confusão que se instalou nas duas Companhias operacionais, nos Comandos e nos Fuzileiros que aqui estão aquartelados.

Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 2005 > Zona habitacional, na antiga estrada da pista de aviação.

© José Teixeira (2005)



Voltaram novamente a 14 pelas 5 horas da matina. Desta vez era para arrasar Buba se quisessem, ou então foram nabos, o que não me parece.

Treze canhões sem recuo chineses, 4 morteiros, LGFog, armas pesadas e ligeiras e sobretudo a uma hora que ninguém contava. Meteram bastante chocolate cá dentro mas só feriram um soldado. A Tabanca foi bastante atingida. Nove casas foram destruídas pelo fogo e com a precipitação da fuga para os abrigos ficou abandonada na Tabanca uma criancinha que morreu queimada.


Uma granada
Vinda não sei de onde,
Lançada não sei por que,
Rebentou...
E aquela criança,
Que brincava além,
A morte, a levou...

Na areia brincava...
E sua mãe,
Que seus paninhos lavava,
Estremeceu.
Num triste pressentimento
Seu olhar volveu...

Um grito ! ( desmaiou)
No preciso momento
Que seu filho morreu...


Tive muito que fazer na Enfermaria. Um dos feridos da população mais graves foi a mãe da menina que morreu. Tinha o corpo cheio de estilhaços, felizmente não foi atingida nos orgãos vitais e deve recuperar.

Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 2005 > "A minha antiga caserna"...
© José Teixeira (2005)



O seu sofrimento interior impressionou-me. É seu hábito dormir com a criança amarrada às costas para poder levá-la para o abrigo subterrâneo quando o IN ataca. Como já era de manhã desamarrou-a pouco antes do ataque se dar. Quando ouviu o fogo correu para o abrigo e só nessa altura é que se apercebeu que a bebé estava a dormir na tabanca. Saíu a correr, mas foi atirada ao chão pelo rebentamento da granada de canhão que caiu em cima da sua casa e lhe matou a menina.


Samba Sabali, 9 de Março de 1968


Depois de uns dias em Buba, segui para Nhala onde estive quatro dias e fixei-me em Samba Sabali, em tendas de campanha.

Ontem saí para o mato a dar protecção ao pessoal de Engenharia que está a abrir uma passagem de ligação à estrada nova. Dentro de dias volto para Buba e espero que se acabe para mim a protecção aos homens de Engenharia que estão a construir a estrada.


Buba, 18 de Março de 1968

Segundo me informaram na Secretaria da Companhia, o Comandante não autorizou a minha ida de férias à Metrópole. A Companhia está com muitas baixas por feridos e doenças pelo que as licenças foram cortadas. Custa-me imenso esta situação. Depois de um ano de guerra estou saturado, os nervos não obedecem e o cansaço é grande, e que saudades ...

Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 2005 > Festa na escola, no em que branco vem trazer caderno...

© José Teixeira (2005)



Como a minha Companhia está saturada e com muitas baixas, talvez mude para uma zona melhor a curto prazo. É esta a minha esperança.


Buba, 26 de Março de 1969


Mais uma grande aventura na Guiné. A maior até hoje. Integrei um Pelotão que partiu de manhã para um patrulhamento e emboscámos ao fim da tarde num sítio propício para descansar um pouco, longe do lugar onde devíamos estar emboscados, ou seja, perto da Bolanha dos Passarinhos, local de passagem do IN e por tal razão perigoso.


Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > Tabanca Lisboa > 2005 > O José Teixeira com um antigo chefe de milícias e a sua lindíssima filha. Um feliz reencontro.

© José Teixeira (2005)


Anoitecia, quando o IN atacou a Companhia que nos foi substituir a Samba Sábali e com tal fúria que provocou nuns escassos minutos um morto e nove feridos graves. Como não havia condições para o héli aterrar, quer por o local não se propiciar, quer por ser noite e perigoso e porque o estado dos feridos era grave, foi necessário ir buscá-los para Buba.

A Bolanha dos Passarinhos, local onde devíamos estar emboscados, fica entre Buba e Samba Sabali e o Comandante, convencido que estávamos perto, solicitou via rádio que fossemos reconhecer o terreno e montar segurança às viaturas que iam recolher os feridos. Como estávamos longe e porque os camaradas precisavam de apoio partimos a correr pela estrada fora sem nos preocuparmos com a segurança.

Que medo, andar de noite pela mata cerrada, em zona de contacto com o IN, com este por perto, com colegas a pedir socorro. Emboscámos a montar segurança na Bolanha e as viaturas passaram, sem perigo. Sentimos movimentos atrás de nós, supomos que era o IN, a tentar ocupar o local para atacar a coluna no regresso, mas deve-nos ter pressentido e retirou. Ainda ouvimos alguns tiros perto, mas como não reagimos, tudo se manteve calmo e eu no regresso apanhei uma viatura que trazia três feridos a quem dei apoio.

Eu tinha abandonado Samba Sabali dois dias antes. O Enfermeiro que me substituiu foi ocupar o lugar que eu deveria ocupar na defesa do acampamento. Teve azar. Uma bala perfurou-lhe a cabeça e não resistiu aos ferimentos. Um outro foi para a Metrópole inutilizado.

No dia 14 houve um ataque a Buba. Um estilhaço de granada alojou-se no pericárdio de um colega meu, que também não resistiu aos ferimentos.


José Teixeira (2005)